sábado, 19 de janeiro de 2008

o quadro flamengo

Já resenhei livros de Arturo Pérez-Reverte aqui, mas este não é da saga do espadachim espanhol capitão Alatristre. Este "O quadro flamengo" poderia ser incluído na classe de romances policiais, pois o que está em jogo na trama é descobrir quem matou um sujeito, em que pese o fato do crime ter acontecido há quase 500 anos. Descobri que o "último portal", filme de Roman Polanski que tem Johnny Deep no elenco também foi inspirado em uma história sua (no caso, "o clube dumas"). Curioso. Parece que o sujeito escreve mesmo com um olho na gorda bilheteria do cinema. A trama de "O quadro flamengo" é simples. Uma restauradora descobre uma frase escondida em um quadro de um pintor holandês que está a restaurar. A frase remete a um possível crime cometido antes mesmo do quadro ter sido pintado e implica em uma valorização do quadro, que está para ser leiloado. Alguns dos personagens que se envolvem com esta descoberta morrem e a trama passa para o ritmo totalmente detetivesco dos romances policiais. Há muita digressão sobre o jogo de xadrez e como este emula a vida. Acredito que uma pessoa que não goste ou não entenda as regras do xadrez não vai gostar muito deste livro (felizmente há muitos diagramas explicando o desenrolar do jogo e do enredo). A trama é prisoneira demais das regras do jogo. Confesso que fiquei entediado pois acho as metáforas sobre a vida e o xadrez esquemáticas e simplistas demais. Lembro sempre de uma frase do Millôr Fernandes: "o xadrez desenvolve a inteligência para se jogar xadrez". Talvez este meu aborrecimento possa ser explciado por eu ter abandonado o vício do xadrez já há anos e tudo parecer mesmo fácil demais no jogo e na descoberta do assassino. O final é ambíguo (um ponto a favor do livro, afinal). De qualquer forma o autor mostra neste livro que mesmo o assunto mais árido pode ser transformado em boa prosa na mão de um bom escritor. Para quem gosta de entretenimento rápido vale uma olhada. Quem sabe não me cai outro quase-roteiro deste curioso escritor na mão ainda neste ano?
"O quadro flamengo", Arturo Pérez-Reverte, tradução de Eduardo Brandão, editora Martins Fontes, 1a. edição (1994) brochura 14x21cm, 384 pág., ISBN: 85-335-031609

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

os japoneses

No final dos anos 1970 eu me interessei pelas coisas do Japão e passei a ler alguns livros sobre o tema. Lembro de meu encantamento com "Japão, passado e presente", de José Yamashiro. Fiz cópias de um mapa grande do Japão e tentava acompanhar ali a descrição dos lugares e das muitas batalhas do período dos bakufus. Depois tive a chance de conhecer e ficar amigo de alguns descendentes de japoneses. Minha curiosidade fez-me aprofundar um tanto no mundo mágico que é entender um povo diferente do nosso. Noutro dia vi "Os japoneses" em uma livraria (da mesma editora que publicou "os espanhóis", que já resenhei aqui) e não me furtei da vontade de voltar a este tema. Escrito por encomenda da editora por uma especialista (Célia Sakurai, historiadora e antropóloga) trata-se de um belo texto introdutório sobre a história e os costumes japoneses. Dois terços do livro são escritos em ordem mais ou menos cronológica, desde o período paleolítico até o final do século XX. A última terça parte do livro descreve em capítulos curtos tópicos específicos da cultura japonesa, como o papel da mulher na sociedade; as imigrações, principalmente para o Brasil; a língua e a escrita; a mítica samurai; o japão contemporâneo e a influência ocidental na cultura. Este formato torna esta parte final um tanto repetitiva, pois vários destes temas já haviam sido mais superficialmente tratados anteriormente no livro. Não é exatamente um problema, claro, mas torna o texto um tanto prolixo. O livro é fartamente ilustrado e traz muitos mapas, bem como muitas informações factuais sobre a geografia e a economia do país. Cada um dos capítulos tem notas que remetem a textos mais completos sobre cada um dos assuntos abordados ou curtas explicações sobre pontos controversos. No final há uma bibliografia completa sobre o tema. Por fim a autora incluíu uma cronologia dos fatos mais marcantes da história japonesa, útil quando queremos localizar alguma informação rapidamente. Embora o livro transpareça o grande domínio que a autora tem sobre o tema, ele é escrito em uma linguagem quase coloquial. Escrito com o intuito de eliminar alguns dos muitos esteriótipos que usualmente se atribui aos japoneses o livro propicía bons momentos de informação e prazer na leitura.
Os japoneses, Célia Sakurai, editora Contexto, 1a. edição (2007) brochura 17x22,5cm, 368 pág., ISBN: 978-85-7244-378-4

sábado, 12 de janeiro de 2008

philobiblon

Philobiblon é um pequeno livro escrito em meados do século XIV. Deve ter sido um dos primeiros tratados sobre o valor intrínsico dos livros como propagadores da sabedoria entre os homens. Seu autor é Ricardo de Augenville, cognominado de Bury, outrora bispo de Durham, também Chanceler e Tesoureiro da Inglaterra. Sua alta posição na corte do rei Eduardo III (que reinou na Inglaterra por 50 anos, foi pai do famoso príncipe negro, terror dos irlandeses e que tornou a Inglaterra uma eficiente máquina de guerra) permitiu não apenas que ele recebesse muitos livros de presente de pessoas interessadas em favores públicos e sabedoras de sua paixão pelos livros, mas também permitiu que ele viajasse muito pelo continente europeu, onde visitou e adquiriu muitos livros. Segundo consta ao final da vida sua biblioteca particular era tão grande quanto a soma da de todos os outros bispos ingleses somadas. Seu testamento descreveu a forma como gostaria que seus livros ficasem depositados em uma biblioteca na universidade de Oxford (infelizmente as guerras religiosas de Henrique VIII duzentos anos depois dispersaram todo este rico acervo). Escrito originalmente em latim e pouco antes de sua morte em 1345, o manuscrito ganhou uma versão impressa já em 1473, o que o torna um legítimo incunábulo (os livros que foram impressos antes de 1500 recebem este nome). Escrito na forma de tratado o livro é dividido em vinte capítulos, onde progressivamente vai justificando o valor dos livros, a necessidade de consultá-los e multiplicá-los, as formas de compartilhá-los, os cuidados que devemos tomar ao manuseá-los, e assim por diante. Qualquer pessoa que devote aos livros algo mais que a simples curiosidade humana vai encontrar neste livro uma lição válida após quase sete séculos: a de que não há nada sobre o homem que não possa ser encontrado nos livros se alguém estiver disposto a lê-los até encontrar uma resposta. Há passagens sublimes neste livro. Uma particular já entrou no meu cancioneiro particular: "Pois a virtude da voz desaparece com o som; a verdade escondida na mente é uma sabedoria oculta e um tesouro invisível. Mas a verdade que reluz nos livros deseja se manifestar a todo sentido impressionável." Muito bem editado pela Ateliê Editorial, o livro traz também a versão original em latim utilizada por Marcelo Cid para sua tradução, bem como notas técnicas e um curto prefácio do Claudio Giordano (o editor que adotou a obra de Pedro Nava deve-se sempre se lembrar). Que beleza de livro. Agora sei como me identificar em grego: Aguinaldo, philobiblon. Muito adequado.
"Philobiblon, ou o amigo do livro", Ricardo de Bury, tradução de Marcelo Cid, Ateliê Editorial, 1a. edição (2007) brochura 12x18cm, 256 pág., ISBN: 978-85-7480-368-5

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

cuando fui mortal

"Cuando fui mortal" é um pequeno livro de contos de Javier Marias. Lançado originalmente em 1996 foi editado recentemente pelo selo Debolsillo da Randon House aqui ao lado, na Argentina. São doze contos, na maioria escritos de encomenda a revistas e jornais espanhóis. Segundo o próprio autor no curto prefácio do livro ele retrabalhou a maioria dos contos para eliminar pequenas imperfeições devidas as limitações impostas pelos contratantes quando da publicação original. Gostei do livro. A maioria dos contos são realmente curtos, coisa de quatro ou cinco páginas, mas muito bem escritos e surpreendentes de fato. Um deles é quase uma curta novela e é de longe o mais interessante (Sangre de lanza). Em comum em todos os contos está o clima de mistério, de sonho, detetivesco, de sobrenatural. De fato em dois dos contos legítimos fantasmas são os protagonistas principais. Isto dá um aspecto curioso a estes dois contos especificamente, mas também contamina os contos mais realistas. Em geral os personagens são marginais, pessoas simples, ou ao menos, sujeitos da periferia da vida e da cidade, seres pelos quais passamos sem prestar atenção. Nos contos os personagens estão sempre a dialogar ou a conversar consigo mesmos, mas como se o interlocutor não alcançasse uma compreensão muito precisa do que está sendo dito. Cristina me escreveu e sugeriu um outro livro dele (Corazón tan blanco). Vamos a ver se a exemplo do Montalbán no ano passado não vou acabar virando um entusiasta também deste curioso autor.
Cuando fui mortal, Javier Marias, editorial Debolsillo, 1a. edição (2007) brochura 13x19 cm, 168 pág., ISBN: 978-987-566-257-5

domingo, 6 de janeiro de 2008

histórias de literatura

Este é um curto livro sobre três grandes escritores: o irlandês James Joyce, o brasileiro João Cabral de Melo Neto e o argentino Jorge Luís Borges. O primeiro teve problemas nos olhos durante toda a vida, sofreu várias operações dolorosas, já os dois últimos ficaram realmente totalmente cegos no final da vida. Julián Fuks usa este fato para escrever um tanto sobre os três escritores. Não é exatamente um livro biográfico. Lembra um tanto os livros de Ricardo Piglia, onde um assunto de abordado como se o próprio indivíduo estivesse contando passagens de sua vida, revivendo as passagens para o leitor. O livro é de fato muito bem escrito. Percebe-se também que o autor gosta muito de seus quase-biografados. Fuks escolheu algumas passagens emblemáticas da vida de cada um e as conta com muita elegância e precisão. Trata-se também de um livro confessional, pois Fuks atuou como jornalista profissional durante alguns anos e deve ter tido chances de entrevistar autores consagrados. Há uma passagem no livro onde João Cabral é entrevistado por um jornalista iniciante que é de fato lírica e tocante. Há várias referências incluídas no final de cada um dos três capítulos do livro, de forma que este pode servir também para introduzir o leitor ao universo literário dos escritores. Especulando livremente acredito que este texto ou ao menos uma versão dele um dia deve ter sido utilizado em uma dissertação ou em um trabalho acadêmico de Julian Fuks, mas a transposição para o formato livro é muito bem feita. É um livro pequeno, lê-se com facilidade em uma tarde inspirada. Não por isto, mas por ter muita informação em poucas páginas que acho ser o tipo de livro que pode ser recomendado sem medo.
Histórias de literatura e cegueira, Julián Fuks, editora Record, 1a. edição (2007) brochura 14 x 21 cm, 160 pág., ISBN: 978-85-010-7943-5

harry potter (vol.7)

"Harry Potter e as relíquias da morte" é o sétimo volume desta série. Provavelmente é o último, muito embora sua autora tenha dito recentemente que daqui a dez anos poderia considerar mais seriamente voltar a estes personagens mágicos. Deve ser mesmo difícil abandonar uma mina de ouro. Não há muito de original que escrever sobre a série, sua autora ou a gênese deste fenômeno editorial. A partir do lançamento da primeiro livro da série em 1997 a ansiedade e a expectativa pela continuação da história somente aumentou. Lembro-me de ter comprado os quatro primeiros e dado de presente para dueña Natália. Claro que os li também e entrei um tanto neste mundo mágico, vimos juntos os filmes produzidos, jogamos os jogos em playstation e nos divertimos muito com isto. Os dois volumes seguintes ela não leu. Por hábito e compulsão li todos os demais e acabei de ler este "relíquias da morte" quase em uma sentada só, em pouco mais de dois dias. É mesmo um livro feito para se ler rápido, com as situações se sucedendo sem dar fôlego ao leitor. Claro que muito material novo foi acrescentado ao enredo para permitir que todos os detalhes da história fossem finalizados. O último capítulo é totalmente dispensável, mas ela é a mulher que inventou a história e ficou milionária com isto, portanto não será este menor-dos-anões brazuca que vai ensiná-la a escrever um livro. De qualquer forma acredito que talvez, caso ela não tivesse a pressão dos contratos e do público cobrando a publicação, fosse o caso dela deixar os originais deste livro guardados em alguma gaveta para serem retrabalhados melhor depois. Vê-se nitidamente que ele não tem o frescor e a imaginação vívida dos primeiros volumes. Não vou escrever detalhes sobre o enredo ou sobre o desfecho da trama aqui (há centenas de sites de entusiastas onde estas informações podem ser obtidas). Se é que eu entendo a apreciação sobre o valor destes livros se divide em dois grupos distintos. Há quem acredite que o simples fato de milhares de novos leitores terem sido acrescentados ao mundo da literatura justifica a simplicidade do texto e a fragilidade do enredo. Há aqueles que vêem este fenômeno apenas como mais um de uma longa tradição de textos de consumo fácil que são esquecidos pelas futuras gerações. Sou um defensor do primeiro grupo. Acredito que o arrebatamento provocado pelas primeiras leituras deve fazer com que um sujeito passe a continuar a ler, refinando progressivamente seu gosto e a abrangência de suas leituras, mas sobre isto apenas as futuras gerações poderão falar mais.
Harry Potter e as relíquias da morte, J.K. Rowling, tradução de Lia Wyler, editora Rocco, 1a. edição (2007) brochura 14 x 21 cm, 590 pág., ISBN: 978-85-325-2261-0

as mulheres de meu pai

"As mulheres de meu pai" é um belo livro do escritor angolano José Eduardo Agualusa. Anos atrás ele ganhou um prêmio literário importante na inglaterra (o The Independent Foreign Ficction Prize) e investiu parte do dinheiro do prêmio em uma projeto editorial de fôlego: editar literatura contemporânea em português (está previsto para este 2008 a publicação de autores já conhecidos no Brasil como Pepetela e outros ainda não editados por aqui, como Francisco Viegas e Margarida Ribeiro Filho). Sua editora tem o nome adequado para o tamanho do desafio: Língua Geral. A história de "As mulheres de meu pai" tem algo que poderíamos chamar "road book", pois descreve uma viagem de um grupo de personagens pelo sul da Africa, partindo de Angola com rumo a Moçambique. Uma mulher, seu namorado, um motorista e um amigo, repetem o intinerário de um homem que pode ter sido o pai da moça, um músico que pretensamente teve muitas mulheres e muitos filhos ao longo deste mesmo caminho. Não é um romance convencional. Há algo nele que me lembrou John dos Passos, com os trechos de cartas, comentários de outros personagens que refletem sobre o enredo, reflexões sobre a eventual transposição do livro em um documentário. O livro é escrito em português, óbvio, mas em um português que soa estranho mas é inteligível para um brasileiro alfabetizado. No início eu achei que um glossário dos termos mais raros seria importante, mas já pelo final do livro percebi a irrelevância disto. O homem é mesmo um entusiasta do dicionário Houaiss. Os temas mais recorrentes do livro são as coincidências; o peso da história e da tradição; a fertilidade e o vigor das mulheres; a música como valor cultural; a maior verosimilhança da realidade em relação a ficção e a força da magia e do sobrenatural na psique das pessoas. É um livro pleno de lirismo, que inclui muitas belas poesias de autores africanos, mas que deixa vazar a crueza das guerras e doenças visíveis por toda África. Há também muitas frases de efeito no livro, algo como um compêndio de sabedoria popular, receitas para enfrentar situações típicas. O leitor deve estar atento ao enfrentar o livro, pois há vários narradores, várias vozes que se superpõe e dialogam entre si. Li há muitos anos que Portugal tentou atravessar e colonizar o sul da África, ligando Angola e Moçambique, mas os ingleses, temendo que a grande extensão destes domínios caísse nas mãos portuguesas fez sua própria expansão ao norte, partindo da África do Sul. De certa forma José Agualusa tenta refazer esta ponte entre as duas colônias portuguesas, pontuando as diferenças entre cada cultura, cada grupo étnico. Gostei. Eis um belo livro para se começar bem o ano novo.
As mulheres do meu pai, José Eduardo Agualusa, editora Língua Geral (coleção Ponta de Lança), 1a. edição (2007) brochura 13x18 cm, 550 pág., ISBN: 978-85-60160-136