"As mulheres de meu pai" é um belo livro do escritor angolano José Eduardo Agualusa. Anos atrás ele ganhou um prêmio literário importante na inglaterra (o The Independent Foreign Ficction Prize) e investiu parte do dinheiro do prêmio em uma projeto editorial de fôlego: editar literatura contemporânea em português (está previsto para este 2008 a publicação de autores já conhecidos no Brasil como Pepetela e outros ainda não editados por aqui, como Francisco Viegas e Margarida Ribeiro Filho). Sua editora tem o nome adequado para o tamanho do desafio: Língua Geral. A história de "As mulheres de meu pai" tem algo que poderíamos chamar "road book", pois descreve uma viagem de um grupo de personagens pelo sul da Africa, partindo de Angola com rumo a Moçambique. Uma mulher, seu namorado, um motorista e um amigo, repetem o intinerário de um homem que pode ter sido o pai da moça, um músico que pretensamente teve muitas mulheres e muitos filhos ao longo deste mesmo caminho. Não é um romance convencional. Há algo nele que me lembrou John dos Passos, com os trechos de cartas, comentários de outros personagens que refletem sobre o enredo, reflexões sobre a eventual transposição do livro em um documentário. O livro é escrito em português, óbvio, mas em um português que soa estranho mas é inteligível para um brasileiro alfabetizado. No início eu achei que um glossário dos termos mais raros seria importante, mas já pelo final do livro percebi a irrelevância disto. O homem é mesmo um entusiasta do dicionário Houaiss. Os temas mais recorrentes do livro são as coincidências; o peso da história e da tradição; a fertilidade e o vigor das mulheres; a música como valor cultural; a maior verosimilhança da realidade em relação a ficção e a força da magia e do sobrenatural na psique das pessoas. É um livro pleno de lirismo, que inclui muitas belas poesias de autores africanos, mas que deixa vazar a crueza das guerras e doenças visíveis por toda África. Há também muitas frases de efeito no livro, algo como um compêndio de sabedoria popular, receitas para enfrentar situações típicas. O leitor deve estar atento ao enfrentar o livro, pois há vários narradores, várias vozes que se superpõe e dialogam entre si. Li há muitos anos que Portugal tentou atravessar e colonizar o sul da África, ligando Angola e Moçambique, mas os ingleses, temendo que a grande extensão destes domínios caísse nas mãos portuguesas fez sua própria expansão ao norte, partindo da África do Sul. De certa forma José Agualusa tenta refazer esta ponte entre as duas colônias portuguesas, pontuando as diferenças entre cada cultura, cada grupo étnico. Gostei. Eis um belo livro para se começar bem o ano novo.
As mulheres do meu pai, José Eduardo Agualusa, editora Língua Geral (coleção Ponta de Lança), 1a. edição (2007) brochura 13x18 cm, 550 pág., ISBN: 978-85-60160-136
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