sexta-feira, 29 de agosto de 2008

cerveza y cervecerías

A coleção de livros sobre Madrid editada pela "Ediciones La Librería" é muito boa. São livrinhos pequenos, que se deixam ler no tempo justo de tomar um café, comer algum bocadilho, bebericar uma cerveja. Já devo ter resenhado um ou outro por aqui (são tantos). Este fala das cervejarias madrilenhas antigas, Quando se fala antigo em relação a Espanha é bom precisar melhor: digamos que o livro cobre desde os primeiros relatos de impostos sobre a produção e o consumo de cerveja no início do século XVI (quando o Brasil estava ainda sendo conhecido de longe) até o final do século XX (há tabelas de produção e consumo que seguem até meados dos anos 1980). Ao mesmo tempo que fala da evolução das grandes fábricas a autora conta também um tanto sobre o desenho urbano de Madrid, de como a cidade foi dando espaço para outros empreendimentos, outras demandas, outros desejos, mas quase sempre manteve algum controle sobre a cerveja. Todo aquele que já flanou por Madrid algo intoxicado pela cidade e seu entorno vai se divertir lendo este pequeno relato e lembrar um tanto de lá (quem sabe até entre una caña ou una cerveza).
Cerveza y cervecerías del antiguo Madrid, Pilar Corella Suárez, Ediciones La Librería, 2a. edição (2003) brochura 10x14.5cm, 60 pág., ISBN: 978-84-89411-55-7

domingo, 24 de agosto de 2008

ultreia

Noutro dia vi uma entrevista com um sujeito chamado Cees Nooteboom onde ele contava sua experiência na Espanha, em particular sua experiência com o caminho de santiago. O sujeito pareceu-me sério demais e respeitoso demais, de forma que minha natural ignorância sobre esta peregrinação, quase um pré-preconceito, arrefeceu o suficiente para que eu prestasse atenção no que ele dizia. Mais tarde vou falar sobre os livros que já li dele (um laureado escritor holandês, depois fiquei sabendo). Fiquei com esta história na cabeça, encomendei no site estante virtual alguns livros do sujeito e fui a minha biblioteca garimpar coisas sobre o caminho de santiago. Paulo Coelho estava fora de cogitação, óbvio. Mas procurando com calma achei este "Ultreia: histórias, leyendas, grácias y desgrácias del camino de santiago", livro que eu comprei em um sebo já faz tempos, nas andanças por Madrid. O que dizer dos livros que compro e abandono sem dó nas estantes, cruel que sou? Talvez eles tenham uma vaga esperança de serem resgatados do ostracismo, se não por mim, por algum herdeiro dos meus guardados, certamente que sim, devem eles coxichar à noite. Bom, o autor, Luis Carandell, foi um respeitado jornalista e escritor catalão, envolvido no processo de redemocratização e que manteve durante anos colunas e programas radiofônicos nos grandes meios de comunicação espanhóis. Neste "Ultreia" (um termo que significa algo como "siga adiante" e é utilizado como saudação entre os peregrinos desta caminhada) Carandell descreve em tom bem pessoal o resultado de suas experiências nesta caminhada mítica. É antes de tudo um guia de viagem, mas também serve como um relato breve da história do caminho. Não é o relato de um peregrino, mas antes o de um jornalista que tem um ofício e uma pauta para cumprir, mas o faz com muito bom gosto, pois é dono de um estilo agradável e de fato substantivo, sem adjetivos bestas. Para mim, que conheço pouco a região, fez falta um mapa (talvez ele existisse originalmente, pois o livro foi publicado para ser distribuído por um grande jornal espanhol e nada se pode dizer de algo encontrado em um sebo), mas há umas boas trinta páginas com fotos que dão uma idéia dos lugares mais citados pelo autor. Há também um detalhado índice com os nomes dos lugares citados. Curioso afinal de contas. Lerei mais sobre esta peregrinação (principalmente no tal livro citado pelo Nooteboom, mas esta é outra história).
Ultreia: historias, leyendas, gracias y desgracias del Camino de Santiago, Luis Carandell, Ediciones Santillana, 2a. edição (1999) brochura 15x24cm, 169 pág., ISBN: 84-03-59566-2

domingo, 10 de agosto de 2008

a filha do canibal

Achei este livro de Rosa Montero em um sebo, já há tempos, mas só agora engatei de ler. Na versão original foi publicado em 1997. É um romance curioso, ela escreve ora em primeira pessoa, ora em terceira pessoa; a personagem principal tem algo da biografia da própria autora (uma personagem, Lúcia, é uma escritora de livros infanto-juvenis no início do livro) e até mesmo, metalinguísticamente, mas como Cervantes já nos ensinou a fazer, cita Rosa Montero vez ou outra como um contraponto a sua carreira e escolhas literárias. Inegavelmente ela escreve bem, sabe conduzir o leitor e mantê-lo atento a trama, que tem aventura e lirismo, algum humor e também um tanto de sexo, mas eu não gostei muito na verdade. Pode ser que eu esteja obsecado, mas há algo de homenagem a Manuel Vazquez Montalbán, como se ela quisesse emular um livro no estilo dele (ficando devendo um tanto, a meu juízo.) Um dos personagens principais é chamado Roble, a forma espanhola de designar Carvalho, que é o nome do personagem principal da série de livros de detetives de Montalbán; há a típica mistura Montalbán entre a história recente espanhola, reflexão sobre as transformações pelas quais passou e passa a Espanha e as mirabolantes perseguições dos romances policiais. Lembrou-me também um tanto "Berenice procura", de Luiz Alfredo Garcia-Roza. Mas o que me incomodou foi a enxurrada de temas: anarquismo, tauromaquia, guerra de independência do Saara Espanhol, franquismo, corrupção governamental, psicanálise, terrorismo, máfias européias, velhice e juventude, sexo e por aí vai. No final o livro encontra seu tom: a título de fechamento ela faz uma reflexão muito boa mesmo sobre os processos de separação, sobre o amadurecimento e crescimento pessoal, sobre o papel da mulher na sociedade moderna, da função do amor, da maternidade e do sexo, na vida das mulheres em particular. Sobre o enredo não há muito o que escrever. Um sujeito é sequestrado por um grupo terrorista, sua mulher tenta resgatá-lo seguindo as instruções dos sequestradores. Há muito dinheiro envolvido no sequestro, dinheiro que ela jamais associara ao marido. Aos poucos dois vizinhos incomuns, um velho senhor anarquista e um jovem desempregado a ajudam nas tratativas com os sequestradores. A história de vida do velho senhor, um resumo dos percalsos dos grupos de esquerda no século XX, é contada no livro, alternando-se com os relatos envolvendo os sequestradores, a polícia e o judiciário (uma juíza incomum também, para dizer o mínimo.) Não que seja um livro ruim, mas eu acho que Rosa Montero ainda vai encantar-me mais em outros romances.
"A filha do canibal", Rosa Montero, tradução de Joana Angélica d'Avila Melo, editora Ediouro, 1a. edição (2007) brochura 15.5x23cm, 332 pág. ISBN: 978-85-00-01885-5

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

una noche de amor

Comprei este livro na CESMA por uma bagatela. Estava naquela seção de línguas extrangeiras, onde há livros para o ensino de línguas. É um curto livrinho, sessenta e tantas páginas com quatro contos curtos de Javier Marías. Um deles, "Prismáticos rotos", eu já conhecia de "Cuando fui mortal", já resenhado aqui. Lê-se com genuíno prazer. O sujeito é mesmo um bom escritor e sabe contar uma história. Seus temas sempre têm algo de mágico e algo de cerebral e cínico, algo que lembra ora Edgard Allan Poe ora Machado de Assis. Em um quem conta a história é um cadáver, já morto e enterrado; em outro quem conta é um sujeito que tem um duplo, um sósia, um gêmeo, que detesta intimamente; em um terceiro o narrador se corresponde e se envolve com a amante morta de seu pai, também já morto. Só o primeiro, justamente "Prismáticos rotos" fala de um sujeito as voltas com uma situação corriqueira, uma corrida de cavalos em uma tarde de sol. Para treinar o Castellano é um ótimo texto. Há muitos livros curtos como este nesta coleção idealizada por um sujeito chamado Hugo Kliczkowski: Preciso ler outros romances de Javier Marías (o incrível é que tenho vários guardados na estante, esperando sua chance e sua vez, fazer o quê?) para conhecê-lo melhor e entender o seu humor e seu estilo. Este aqui foi quase um descanso antes de outras coisas mais poderosas. Recomendo.
"Una noche de amor", Javier Marias, editorial Hugo Kliczkowski - Onlybook, 1a. edição (2005) brochura 13.5x20cm, 64 pág. ISBN: 978-84-96304-81-7

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

eu sou um gato

Li este livro ainda em agosto, marquei aqui no blog uma entrada para ele mas não escrevi nada na época, pois ainda estava impressionado com o final do livro. O tempo passou, o livro ficou ali na prateleira me olhando e só agora (estou já no início de setembro) resolvi escrever algo. Sou um dono de gatos e estou exatamente com um no colo agora, enquanto escrevo. Ao menos dois deles tem por hábito tentar um colo quando fico muito tempo no computador. Talvez por conta disto tenha gostado deste livro imediatamente. Mas deixe eu falar do livro que li, não de meus gatos reais. Natsume Soseki foi um escritor japonês bastante respeitado que nasceu em meados da década de 1860, no século XIX. Ele foi durante alguns anos professor catedrático de crítica literária e de literatura inglesa na Universidade de Tokyo, mas optou por tornar-se professor nas escolas secundárias após a publicação de seus primeiros romances. Os especialistas o comparam a Dickens, por suas afinidades na descrição ficional das pessoas de seu tempo, ao mesmo tempo interpretando-as como cidadãos e criticando-as em seus convencionalismos. Outros o comparam a nosso Machado de Assis, também por sua vez um tributário de Dickens, mas isto é assunto para os especialistas, não para mim. "Eu sou um gato" foi publicado inicialmente em forma seriada e depois em livro em 1905, mais de cem anos já, e foi desde o início um sucesso de público e de crítica. Ele é escrito na primeira pessoa, mas esta voz pertence a um gato. Segundo é citado na guardas do livro este artifício nunca havia sido utilizado na alta literatura japonesa antes, o que provocou muita polêmica. É um livro delicioso de se ler. O dono do gato é um professor de escola secundária que tem pretensões intelectuais mas é artificial e vazio como somente as pessoas tristes sabem ser. O livro tem onze longos capítulos. Cada um se desenvolve em torno de um tema, em geral banais, introduzidos no enredo como as situações bobas que acabam chamando a atenção de um gato real, tão distraídos quando querem ser. As passagens são de fato interpretadas sempre pelo humor particular do gato, mas suas reflexões são sarcásticas demais para que não nos identifiquemos com ele de pronto. O professor/dono do gato recebe com regularidade um grupo singular de amigos: um esteta pernóstico e mentiroso, um ex-aluno com ambições literárias, um filósofo já alquebrado, uma sobrinha casadoira mas sábia, alguns vizinhos mais ricos e mais pretensiosos do que ele. Até um ladrão aparece na trama, mas apenas o gato o vê e sabe de sua identidade. O gato vagueia pelas casas vizinhas, ouve comentários sobre seu dono, lamenta que este seja tão obtuso e tolo, mas não tem como se comunicar com ele. Na família do professor só há mulheres (sua esposa e três filhas pequenas). Há passagens muito divertidas: em uma ele e sua mulher discutem sobre as dificuldades da vida e os projetos para o futuro; noutra o professor tem problemas com os alunos de uma escola que fica ao lado de sua casa; noutro ainda ele dá conselhos para o ex-aluno, que pretende ou terminar sua tese doutoral (é um químico) ou casar-se com uma prometida que ainda mora em sua cidade natal. Há um fina ironia contra as convenções do mundo universitário. Ele fala muito de ciência e dos avanços tecnológicos de sua época. Os sucessos da recente guerra russo-japonesa são louvados acidamente pelo gato/narrador. As discussões do professor com seu grupo de amigos também são divertidíssimas. Em uma oportunidade eles vão a um banho coletivo ou sauna e têm conversas bastante espirituosas sobre o asseio de cada um e suas técnicas de ablução. O livro termina com a descrição da morte de seu narrador, o gato. Acredito que é escrito com um lirismo que emociona mesmo quem não gosta ou não se identifica com gatos. Muito divertido. Recomendo sem medo.
"Eu sou um gato", Natsume Soseki, tradução de Jefferson José Teixeira, editora Estação Liberdade, 1a. edição (2008) brochura 16x23cm, 486 pág. ISBN: 978-85-7448-138-8

terça-feira, 5 de agosto de 2008

don isidro parodi

Como definir o gênero destas histórias talvez seja um problema, mas eu prefiro contorná-lo chamando-as de contos de uma vez, poupando-me de outros aborrecimentos. São duas coletâneas de histórias na verdade, escritas a quatro mãos. Jorge Luis Borges, o Borges universal e sapientíssimo, que assombrou e assombra legiões de leitores pelo mundo, um dia associou-se a Adolfo Bioy Casares, o autor bem conhecido pelo curioso "A educação de Morel", e juntos engendraram vários ciclos de histórias nos anos 1940. Para mim elas enfeixam algo como um manual do que não fazer em um livro, pois se tratam de divertidas auto-paródias de textos pomposos, cheios de frases feitas, verborrágicos, enigmáticos e falsos como só os charlatães sabem produzir. Mas eles praticam o oposto da charlatanice, como aqueles mágicos que desvendam os truques dos colegas, já que estas histórias são na verdade sempre bem escritas, mordazes e até cruéis com o leitor desavisado, que teima em acompanhar ilações que são falsas desde o início. As citações são ecléticas: Conan Doyle, Poe, Wallace, Valéry, Wilde, L'Isle-Adam, Homero. Lê-se com enorme prazer, já que nada produzido por estes sujeitos é ruim, mas tantas mensagens cifradas, tanta erudição, tantas reviravoltas também cansam um tanto (a bem da verdade). Senti um desconforto com alguns termos utilizados na tradução, mas não tive tempo de checar os originais, talvez seja bobagem minha. Gostei mais da série de "Don Isidro Parodi", onde um apenado resolve crimes preso em sua cela nos subúrbios de Buenos Aires, apenas ouvindo queixosos e suspeitos. Já as "Duas fantasias memoráveis" são mais religiosas e fantasmagóricas, um tanto monótonas para meu gosto. De qualquer forma é um livro que lê-se sem medo, esperando um desfecho sempre surpreendente. Em algum ponto ele cita o "Vento Norte", caro aos santamarienses. Será que é o mesmo irmão de Zéfiro e Notos, de Bóreas e Euro? Há que se ler mais Borges para saber.
"Seis problemas para don Isidro Parodi, Duas fantasias memoráveis", Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, tradução de Maria Paulo Gurgel Ribeiro, editora Globo, 1a. edição (2008) brochura 14x21cm, 192 pág. ISBN: 978-85-250-4386-3

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

la soledad del manager

Montalbán tornou-se mesmo meu guru para história espanhola. "La soledad del manager" foi publicado em 1977, pouco depois da morte de Franco e do início da transição para a democracia ocorrida por lá. Trata-se do terceiro livro da série de romances policiais com o detetive Carvalho. Belo exemplar da série, cheio de reviravoltas, que conseguem fazer com que a trama fique em suspense até o final, mas também recheada de desvios históricos e sociológicos que tentam explicar um tanto o momento político espanhol. Os personagens secundários são poetas, políticos, grandes empresários, jornalistas, professores, policiais, cada um com um pouco de tempo para explicar a Espanha. Ao mesmo tempo os personagens principais que aparecerão nos demais livros da série Carvalho são inventados aqui (ok, não li ainda Tatuagem, o segundo volume, talvez eu precise um dia corrijir esta informação). Além de Carvalho, no auge da forma, Biscuter já está ali trabalhando (no escritório das Ramblas pois a casa em Valvidrerra todavia não existe); Bromuro já é o contato com o submundo; já há Charo, ainda uma amante eventual; o coronel Parra também aparece, já saudoso de Franco. A Las Vegas americana, lugar onde o antigo agente da CIA, Pepe Carvalho, tinha como base eventual, aparece como cenário de um encontro com um catalão e um alemão, empresários cujas mortes, na trama de "La soledad del manager", servirão para se contar como se dá a tateante ida da Espanha para o campo democrático pós-Franco ao mesmo tempo que se insere nas grandes disputas econômicas do final do século XX. Quem conheça minimamente a força da "Armada Espanhola" de grandes grupos espanhóis que tomou de assalto o mercado latino-americano nos últimos anos vai entender um tanto melhor a gênese do processo. A gastronomia é farta, insistente e generosa neste volume. Belo livro, editado em Cuba, veja só, que eu achei usando o site estantevirtual. Belo livro, grande achado.
La Soledad del manager, Manuel Vazquez Montalbán, editorial Arte y Literatura, 1a. edição (1991) brochura 13x18.5cm, 281 pág. ISBN: ------------------------

domingo, 3 de agosto de 2008

o conto do amor

"O conto do amor" é um romance do psicanalista Contardo Calligaris. Ele é conhecido também por escrever para jornais de grande circulação do Brasil sobre temas variados. De fato ele é um ensaista muito competente, que sabe manter o interesse em sua coluna mesmo trabalhando com o material frágil que são as notícias do dia a dia, invariavelmente superadas pelo tempo. Neste livro ele envereda por uma seara nova, a de romancista. O livro não é ruim, mas para o meu gosto comportado demais, linear demais, "redondinho" demais, como disse meu amigo Vitor. Você lê o livro em um dia sem se apressar, a leitura é elegante, mas simples. Claro, o livro é bem escrito, a trama é interessante, mas falta a agressividade visceral que os grandes romancistas sabem incluir em qualquer texto que escrevem. Eu escrevo isto como se Contardo Calligaris tivesse pretenções deste calibre, mas sou apenas o chato que dá sua opinião besta aqui. Bom, o enredo envolve a busca de um sujeito pelo passado de seu pai, um italiano apaixonado pela pintura renascentista italiana, com quem sempre teve um relacionamento nada íntimo. A luta contra o fascismo durante a primeira metade do século passado e o exílio dos esquerdistas italianos na redemocratização da Itália são o pano de fundo para uma história que é bem pessoal e envolve o contraste entre duas gerações que de fato pouco se identificam. A busca deste passado envolve milhares de quilometros de viagens aéreas entre Nova York, Milão, Florença, Siena, em capítulos alternados e um tanto repetitivos. O acaso é fundamental na trama. Sem as muitas coincidências, achados oportunos, cartas reveladoras, e-mails salvadores, encontros e envolvimentos fortuitos, insights psicanalísticos de última hora, nada avançaria no livro. De qualquer forma há passagens muito bonitas e instigantes. Se é definir em poucas palavras diria que o livro me pareceu um "Código da Vinci" pessoal, a busca de uma verdade obscura seguindo pistas tênues deixadas pelo pai e pelos amigos de seu pai. Lê-se com prazer, não há nada que ofenda a inteligência do leitor, mas estou certo que não será este o melhor romance de Calligaris.
O conto do amor, Contardo Calligaris, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2008) brochura 14x21cm, 124 pág. ISBN: 978-85-359-1204-3

sábado, 2 de agosto de 2008

coisas frágeis

Apesar de conhecer vagamente e ter vários amigos que são verdadeiros entusiastas, nunca acompanhei seriamente as histórias gráficas de Sandman. Noutro dia vi uma entrevista com o autor, Neil Gaiman, e gostei do sujeito. Ele é mais ou menos da minha geração e sua descrição de como era difícil acompanhar as histórias em quadrinhos na Inglaterra dos anos 1960 lembrou-me meus dias são-bernardenses. De qualquer forma ele esteve recentemente na Feira Literária de Paraty, a FLIP, e passou seis horas autografando livros, notadamente aqueles da infinita série Sandman. Ao mesmo tempo ele fez propaganda deste "Coisas Frágeis", livro de contos cujas histórias foram publicadas antes em diversas revistas ao longo dos dez 10 últimos anos. Resolvi comprar e ler. Este livro tem um prefácio onde o autor apresenta os contos, a gênese de cada um deles, e explica em que contexto foram produzidos e publicados. Isto faz uma grande diferença na recepção dos contos (já comentei aqui sobre o desconforto com a falta de ritmo advinda da ausência deste tipo de introdução ou apresentação de outros livros de contos.) Eles lembram em sua maioria histórias de Edgar Allan Poe ou de Arthur Conan Doyle, mas têm muito do ritmo e da cultura pop dos últimos vinte anos recheando as lacunas e ilações das tramas. Os temas também devem muito a temas mitológicos ou, melhor dizendo, a um conhecimento seguro da mitologia nórdica e greco-romana. É um livro para quem gosta de literatura fantástica e um tanto de suspense. Lê-se sem compromisso, diverte-se um tanto, mas é certo que eu gosto de algo com mais estofo.
"Coisas Frágeis", Neil Gaiman, tradução de Micheli de Aguiar Vartuni, editora Conrad, 1a. edição (2008) brochura 16x23cm, 205 pág. ISBN: 978-85-7616-305-3

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

na praia

Na praia é o segundo livro de McEwan que eu leio. "Reparação" foi um assombro, belo livro mesmo. Este é um curto livro que trata quase exclusivamente de um tema: a posssibilidade de um homem e uma mulher expressarem seu amor mútuo sem a necessidade do sexo. Escrevo amor mas poderia até mesmo citar companheirismo, amizade, admiração, e por aí vai. Mas amor é mais fácil de escrever e mais difícil de separar do sexo. Em nossa economia psicológica o amor e o sexo têm funções distintas, mas como prescindir de um ou até de ambos? O enredo de McEwan se desenvolve nas poucas horas de um fim de dia em um balneário inglês do início da década de 1960. O livro começa com um jovem casal que acabou de se casar e jantam em um hotel à beira mar. Eles nunca trocaram mais que carícias tímidas e estão algo apreensivos com a trepada (conjunção carnal diria o conselheiro Acácio, mas para mim é trepada mesmo) que afinal de contas é natural que aconteça após o jantar. É um livro descritivo, escrito em uma forma direta e elegante; há algo de Proust nas descrições das frases musicais que a moça dedilha em um piano e a descrição de como pensamos e agimos, a descrição de nosso mundo interior, é joyceana na medida certa. Há uma tensão dos diabos nos diálogos e nos movimentos dos dois personagens, aliviada por uma divisão curiosa de capítulos, onde o autor alterna os momentos no quarto do hotel com as histórias de cada um (os dois não são da mesma classe social, mas ambos são bons estudantes universitários e têm vários interesses em comum). Bom, não temos a força de "Reparação" aqui, mas é um belo livro, que se lê com prazer. O livro é curtíssimo, pouco mais de cem páginas, lê-se quase de uma sentada só. Ian McEwan mostra neste livro do que é capaz um escritor de verdade quando quer trabalhar o conceito de tempo em uma obra literária, comprimindo os segundos as vezes e noutras alargando os anos numa vertigem, em longos parágrafos que lemos sem tomar fôlego. Ao final ficamos refletindo sobre os infinitos mundos possíveis que cada uma de nossas decisões permitiriam serem criados. De tudo o que é possível, a realidade nos aferra a apenas um dos destinos, um dos mundos, que é afinal nossa própria história de vida, para o bem ou para o mal, sem remissão.
Na praia, Ian McEwan, tradução de Bernardo Carvalho, Editora Companhia das Letras, 1a. edição (2007) brochura 14x21cm, 128 pág. ISBN:978-85-359-1042-1