Como definir o gênero destas histórias talvez seja um problema, mas eu prefiro contorná-lo chamando-as de contos de uma vez, poupando-me de outros aborrecimentos. São duas coletâneas de histórias na verdade, escritas a quatro mãos. Jorge Luis Borges, o Borges universal e sapientíssimo, que assombrou e assombra legiões de leitores pelo mundo, um dia associou-se a Adolfo Bioy Casares, o autor bem conhecido pelo curioso "A educação de Morel", e juntos engendraram vários ciclos de histórias nos anos 1940. Para mim elas enfeixam algo como um manual do que não fazer em um livro, pois se tratam de divertidas auto-paródias de textos pomposos, cheios de frases feitas, verborrágicos, enigmáticos e falsos como só os charlatães sabem produzir. Mas eles praticam o oposto da charlatanice, como aqueles mágicos que desvendam os truques dos colegas, já que estas histórias são na verdade sempre bem escritas, mordazes e até cruéis com o leitor desavisado, que teima em acompanhar ilações que são falsas desde o início. As citações são ecléticas: Conan Doyle, Poe, Wallace, Valéry, Wilde, L'Isle-Adam, Homero. Lê-se com enorme prazer, já que nada produzido por estes sujeitos é ruim, mas tantas mensagens cifradas, tanta erudição, tantas reviravoltas também cansam um tanto (a bem da verdade). Senti um desconforto com alguns termos utilizados na tradução, mas não tive tempo de checar os originais, talvez seja bobagem minha. Gostei mais da série de "Don Isidro Parodi", onde um apenado resolve crimes preso em sua cela nos subúrbios de Buenos Aires, apenas ouvindo queixosos e suspeitos. Já as "Duas fantasias memoráveis" são mais religiosas e fantasmagóricas, um tanto monótonas para meu gosto. De qualquer forma é um livro que lê-se sem medo, esperando um desfecho sempre surpreendente. Em algum ponto ele cita o "Vento Norte", caro aos santamarienses. Será que é o mesmo irmão de Zéfiro e Notos, de Bóreas e Euro? Há que se ler mais Borges para saber.
"Seis problemas para don Isidro Parodi, Duas fantasias memoráveis", Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, tradução de Maria Paulo Gurgel Ribeiro, editora Globo, 1a. edição (2008) brochura 14x21cm, 192 pág. ISBN: 978-85-250-4386-3
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