quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

el otro mar

De Alfonso Zapico já havia lido seus dois livros dedicados a James Joyce ("La ruta Joyce" e "Dublinés"). A exemplo desses dois "El otro mar" é uma biografia literária, um perfil na forma de novela gráfica. Trata-se portanto de uma versão em quadrinhos da vida de Vasco Nuñez de Balboa, sujeito conhecido por ter sido o primeiro europeu a encontrar a margem oriental do Oceano Pacífico (na região onde hoje é o Panamá, num 29 de setembro, o de 1513). Foi também o primeiro a fundar uma cidade em terras continentais nas Américas ("Santa María del Darién", em 1510 - sem considerar-se obviamente centenas de cidades pré-colombianas e um par de outras fundadas por europeus que não duraram muito tempo). Claro que não se trata de um sujeito moral ou edificante, exemplar ou heróico. Genuíno representante de seu tempo, em nome do Reino de Castilla y Léon Nuñez de Balboa trapaceou, mentiu, roubou, matou e mandou matar centenas de pessoas, sobretudo entre indígenas que encontrou pelo caminho. Zapico descreve um aventureiro sem escrúpulos, mas também um homem complexo, sonhador, que em certa medida sabia que estava condenado a uma morte violenta e que sua memória sempre estaria associada aos assassinatos que cometeu. Vale.
[início: 13/01/2015 - fim: 16/01/2015]
"El otro mar", Alfonso Zapico, Bilbao: Astiberri ediciones (Colección CMYK), 1a. edição (2013), capa-dura 22,5x29,5 cm, 54 págs., ISBN: 978-84-15685-38-8

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

cinco historias del mar

Josep Pla entrega o que o título promete: cinco histórias náuticas. São histórias algo míticas da Costa Brava Espanhola, aquela região da província de Girona conhecida por seu relevo rochoso e agreste, de vegetação baixa, de pequenas praias contidas pelos ventos, pelo Sol e pelo Mar Mediterrâneo. "Bodegón con peces" é uma versão curta de "Lo que hemos comido", seu livro sobre as maravilhas gastronômicas catalãs. Aqui Pla fala especificamente dos peixes de Fornells, a região fronteiriça entre sua Costa Brava e a Costa Dourada, mais ao sul. Em "Un viaje frustradoPla narra os sucessos de duas semanas de navegação por praias da Costa Brava,  rumo a fronteira francesa, nos tempos da primeira grande guerra, acompanhado por um marinheiro chamado Sebastiá Puig (Hermós). Trata-se do texto mais longo do livro, onde há uma explícita presença grega e é o mais filosófico também. Pla descreve a  notável intuição náutica e a experiência prática de Hermós (que tem 50 anos, em contraste com seus inexperientes 20). Em algum momento ele diz: "La cultura es una forma enfermiza de la vida", e então entendemos seu conflito:  como conciliar sua curiosidade intelectual com as alegrias e desafios físicos da vida no mar? "Derrelictos" conta detalhes de cinco naufrágios acontecidos na região entre os anos de 1917 e 1937. São descrições vívidas, memoráveis, nas quais quase experimentamos a surpresa e o medo do afundamento iminente. "Uno de Begur" conta a inusitada experiência de um velho músico mambembe, uma espécie de aedo da região, que é contratado por alemães para trabalhar num submarino (por conta de sua destreza e conhecimento das coisas do mar). Na última das histórias, "El naufragio del Cala Galiota", Pla conta os detalhes de um famoso naufrágio ocorrido logo após a segunda grande guerra, e de seu papel nos esforços para fazer com que os parentes mais próximos dos náufragos recebessem uma pensão ou seguro. O texto é o resultado de uma espécie de jornalismo investigativo, que ele produz nas horas vagas, enquanto escreve um guia de viagens (solene e oficial) sobre a Costa Brava. Viajar com Josep Pla sempre é uma grande alegria. Que sujeito. Felicitats Josep!
[início: 07/02/2015 - fim: 11/02/2015]
"Cinco historias del mar", Josep Pla i Casadevall, tradução de Josep Daurella, Barcelona: Ediciones Destino (Contemporánea Narrativa, colección Austral, 803) / Grupo Planeta), 1a. edição (2013), brochura 13x19 cm., 264 págs., ISBN: 978-84-233-4668-4 [edição original: Cinc històries del mar - l'obra completa de Josep Pla (Barcelona: Josep Vergés i Matas / ediciones Destino) 1979]

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

1q84 livro3

Com esse volume Haruki Murakami termina sua trilogia "1Q84". Já falei um tanto sobre esse longo romance nos registros do livro1 e do livro2. Não vou contar como terminam os sucessos de Tengo e Aomane pois obviamente isso estragaria boa parte do prazer de um eventual leitor da trilogia. Mas posso deixar aqui alguns comentários ligeiros (mas de qualquer forma, por favor, pare aqui caso você não goste de spoilers). Diferentemente dos dois livros anteriores agora não são mais capítulos alternados dedicados a Aomane e a Tengo. Ushikawa, o persistente investigador particular contratado pela seita religiosa cujo líder Aomane matou no segundo livro (e sobre o qual Tengo revelou segredos ao reescrever a história da jovem Fukaeri no primeiro livro) agora toma um terço da narrativa para contar como persegue os dois. Associar a aventura de nossa vida (nós leitores do livro, no mundo contemporâneo real) a um mundo paralelo no qual Aomane, Tengo e Ushikawa participam de um jogo cujas regras são desconhecidas e também mutáveis ao mesmo tempo parece ser a metáfora principal do livro. O acaso, as surpresas, os desdobramentos dos atos simples que os protagonistas da história de Murakami vivem espelham nossa vida, nossa experiência com a magia e o absurdo das cousas. É pouco sofisticado para mim, mas paciência, Murakami é o senhor da história que inventou. O que me irrita mais no livro são as repetições exaustivas de cada acontecimento. Todos os personagens, desde o mais simplório e inútil até o narrador mais do que onisciente, repetem ao leitor cada causo importante do livro. É chato. As dificuldades de Aomane em ler "Em busca do tempo perdido", de Proust, durante as semanas em que fica incomunicável em seu apartamento são risíveis (pois no livro de Proust o leitor tem que se esforçar um bocado para entender a trama e no livro de Murakami o excesso de fantasia só serve para esconder o quão simples é a história que se narra. Outra coisa que não gosto no livro são as descrições com "merchandise": o chopp é Calsberg; a whiskey é Cutty Sark; o posto de gasolina é Esso; a câmara fotográfica é Minolta; o cigarro é Seven Eleven , a empresa é NHK; o distrito é Kôenji; o bairro é Jiyûgaoka; a estação de trem é Shinjuku. Paciência. Enfim, "1Q84" me parece uma versão um tanto mais adulta de "O mundo de Sofia" (de Jostein Gaarder), talvez um "O mundo de Sofia" misturado com aquele cristianismo alternativo (hipster?) de livros como "O código Da Vinci" (de Dan Brown) por exemplo. Claro que vou continuar lendo coisas de Murakami (a Ana Marques já me disse que gostou de "Kafka à Beira-mar", o Olavo falou bem de "Norwegian Wood" e o Parreira disse que gostou dos dois). Mas agora é tempo de viajar. Ler o Hughes, o Graves, o Nabokov. E depois contar sobre as maravilhas de Dublin, Madrid, Pamplona. Veremos.  
[início: 29/12/2014 - 14/01/2015]
"1Q84, livro3 (outubro-dezembro)", Haruki Murakami, tradução de Lica Hashimoto, Rio de Janeiro: editora Objetiva / Grupo Prisa, 1a. edição (2013), brochura 15x23,5 cm., 469 págs., ISBN: 978-85-7962-264-9 [edição original: 1Q84 ((いちきゅうはちよん) (Tokyo: Shinchosha Publishing Co) 2010]

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

giacomo joyce (over again)

Hoje se comemora o dia em que James Joyce nasceu (na Brighton Square de Rathgar, um subúrbio de Dublin, em 1882). Em sua homenagem resolvi reler o "Giacomo Joyce" (numa versão espanhola desta vez, que encontrei ano passado na livraria La Central, em Madrid, e trouxe comigo nesta nova viagem, sobre a qual contarei depois). Li esse livro pela primeira vez numa tradução de Paulo Leminski publicada pela Brasiliense, depois outra tradução, assinada por José Antônio Arantes, publicada pela Iluminuras, e mais recentemente uma terceira, assinada por Roberto Schmitt-Prym. Na verdade reencontrei e reli as mirradas páginas desse livro tantas e tantas vezes, sempre com alegria e espanto. Trata-se de uma pequena jóia, publicada postumamente. Richard Elmann, o conhecido biógrafo de Joyce, afirmou certa vez que "Giacomo Joyce" é "uma tentativa de educação sentimental de uma jovem italiana". Mas Joyce nunca fez chegar até sua amada de ocasião (Amalia Popper, uma de suas alunas de inglês em Trieste), essas poucas páginas de aforismos, reflexões, poemas em prosa, escritas em 1914 e somente encontradas por seu irmão Stanislaus em 1968, muito anos após sua morte. Nessa edição, além da tradução do texto encontramos prólogo muito bem escrito, assinado por Liliana Herr. "Giacomo Joyce" é sim para se ler com calma, saboreando as imagens, os sons que são pelo texto inspirados, aproveitando ao máximo a concisão e os efeitos provocados pela visão de uma bela e jovem mulher sobre um homem cuja imaginação não conhecia limites.
[início - fim: 02/02/2015]
"Giacomo Joyce", James Joyce, tradução de Micaela Ortelli, Buenos Aires: Ediciones Godot Argentina, 1a. edição (2013), brochura 10,5x12 cm., 80 págs., ISBN: 978-987-1489-68-8-1[edição original: Giacomo Joyce (Londres: Faber and Faber) 1968]

domingo, 1 de fevereiro de 2015

cuecas por cima das calças

Depois de ler os divertidos "Jesus" e "Dúvidas cruéis de um idiota" encontrei de Rafael Koff esse "Cuecas por cima das calças". São tirinhas bem humoradas que fazem paródia do universo dos super heróis e super vilões. Não importa se o herói ou o vilão pertence a  Marvel Comics (leia-se Walt Disney Company), a DC Comics (leia-se Time Warner) ou qualquer outro grupo editorial do gênero, Rafael sabe explorar ao máximo o ridículo e absurdo das aventuras desses personagens tão icônicos da cultura pop. Além de diversão ligeira e descompromissada os cartuns oferecem também alguma sociologia selvagem, como por exemplo quando apresenta versões das roupas dos super heróis caso as histórias em quadrinhos tivessem as mulheres como público alvo (óbvio que para Rafael as super mulheres passam a usar uniformes bem comportados e os super homens tangas minúsculas). Quase nenhum dos cartuns poderia ser publicado em um mundo governado pelas legiões de defensores do politicamente correto que brotaram de algum monturo nos Estados Unidos tempos atrás e vicejam hoje alegremente mundo afora. Felizmente no Brasil ainda há espaço para o humor (mas eu, pessimista que sou, ainda acho que os canalhas desse glorioso governo federal que nos desgoverna tão completamente ainda implantarão censura prévia nesse desgraçado país). Enfim, aproveitem enquanto isso for possível. Cabe lembrar que os livros independentes do Rafael podem ser adquiridos através do site Wix. Vale.
[início - fim: 04/01/2015]
"Cuecas por cima das calças", Rafael Koff, editora Manuzio, 1a. edição (2014), brochura 21x15 cm., 98 págs., sem ISBN