domingo, 24 de fevereiro de 2008

irmãos grimm

Depois de ler algo tão estressante quanto "deus não é grande" achei que era hora de relaxar e pensar um tanto na vida. Nada como um bom mangá para dar uma chance ao cérebro. Aqui vários autores jovens (uma nova geração de quadrinistas brasileiros) dá versões bem pessoais a alguns contos clássicos dos Irmãos Grimm. As fábulas são conhecidas mesmo por quem nunca abriu um livro na vida: a bela adormecida, rapunzel, joão e maria, chapeuzinho vermelho, pequeno polegar e por aí vai até somar 14 diferentes histórias. Os traços são muito distintos entre si, todos algo moderninhos, quase pop. Alguns me agradam mais, outros são mais pesados, góticos talvez, mas o tratamento é sempre em um tom mais pesado que um desenhista do Walt Disney se permitiria. Certamente o coordenador do projeto deve ter lido algo como "a psicanálise dos contos de fada", do Bachelard, e se inspirado um tanto. Eu tinha pensado em dar este livro de presente para o filho de um amigo meu, mas li e desisti do projeto (o livro fica mais adequado a meu humor do que ao dele, seguro que sim, e é bem capaz dos pais do guri ficarem brabos comigo, mas esta é outra história). Para aqueles que gostam de histórias em quadrinhos é mesmo um belo volume. A lista completa das adaptações é, pela ordem, Velho Sultão (Allan Alex), A Gata Borralheira (Fido Nesti), João Porco Espinho (Claudio Mor), Os Músicos de Bremen (Vinicius Mitchell), O Pequeno Polegar (Daniel Og), João e Maria (Carlos Ferreira e Walter Pax), João Sortudo (Rafael Sica), Branca de Neve (Rafael Coutinho), O Rei Barbicha (Eduardo Filipe, o Sama), Chapeuzinho Vermelho (Arthuro Uranga), Margarete Esperta (Roberta Lewis), As três Línguas e Odyr Rapunzel (Fabio Lyra) e A Bela Adormecida (Allan Rabelo, S. Lobo e Sr. Blond).
Irmãos Grimm em quadrinhos, Diversos Autores, editora Desiderata, 1a. edição (2007) brochura 21,5x28cm, 176 pág., ISBN: 978-85-99-07050-5

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

deus não é grande

Estamos já no estágio avançado de uma guerra aberta. Curiosamente trata-se de uma guerra que estamos perdendo feio. A guerra se dá entre nós (eu explico este nós depois) e as forças da ignorância e do obscurantismo, fortemente armadas e com miríades de adeptos. Nós para mim é cada um que tenha a civilização como um valor. Acontece que nós, aquelas pessoas que vivem no século XXI e preza valores seculares e humanistas tende a não se preocupar com os sinais ameaçadores no horizonte. Sendo pessimista (como afinal de contas deve-se sempre ser) o mundo como nós conhecemos está em vias de ser tomado de assalto por uma legião de inquisitores sedentos de sangue. Hoje em dia as pessoas que professam alguma crença em força superior, em um deus, em duendes e feiticeiros, em poderes mágicos transcendentais, em alguma religião organizada não têm mais pejo em afirmar os maiores absurdos como se estivessem apresentando fatos irrefutáveis. A grande verdade é que a religião envenena tudo. É uma perversa forma de dominação e está no mercado já há tempos, aprendeu todas as regras e truques de dominação, desde as mais sutis até as mais canalhas.A religião envena tudo. Este é o argumento principal deste seminal livro de Christopher Hitchens. Quando vemos uma ministra de estado defendendo o criacionismo; quando um grupo utilizando brechas na torpe legislação brasileira se une para intimidar jornalistas; quando um grupo de patetas decide proibir pesquisas pelo simples fato de não compreendê-las; quando um bush da vida desafia o bom senso; quando um ministro do judiciário posterga pesquisas sobre células-tronco pelo simples fato de ser um católico praticante, quando uns ferozes bárbaros se insurgem contra o aborto e o sexo; quando se tenta dar o falso status de ciência a mágia e ao obscurantismo, estamos tratando dos avanços das legiões dos adeptos de alguma religião. Para mim este livro deveria ser lido por qualquer pessoa minimamente interessada que um mundo secular, humanista, onde valores do iluminismo e da modernidade sejam preservados e continuem existindo. Não se interessar por este tema, não ler este livro (e lê-lo como quem se prepara para um grande combate) tem como única alternativa a volta bovina para as cavernas escuras da estupidez, onde entregaremos nossas vidas aos desejos patológicos dos proselitistas das religiões (sejam elas quais forem: cristianismo, judaismo, hinduismo, islamismo, protestantismo, budismo, espiritismo, paganismo, esoterismo, cientologia, religiões moderninhas, descoladas, etc e tal, enfim, não há a menor diferença prática nos objetivos destes senhores da guerra). Prepare o seu tacape ou seu taco de beisebol.
"deus não é grande", Christopher Hitchens, tradução de Alexandre Martins, editora Objetiva, 1a. edição (2007) brochura 15,5x23,5cm, 286 pág., ISBN: 978-85-00-02231-9

adultérios

Neste livro da LP&M temos três peças curtas de Woody Allen, já representadas em teatros novaiorquinos, mas inéditas no Brasil. São histórias que têm parte daquilo que usualmente associamos a ele: humor, diálogos rápidos e ferinos, psicologia e judaismo, traições, metáforas sexuais, loucura, cabotinismo, o medo da velhice, a paranóia e a sofisticação, bem como o jogo arriscado entre realidade e ficção. A ação das peças se desenvolve rapidamente, cada personagem faz sua parte e o desfecho é sempre um tanto amargo (como de resto costuma acontecer na maioria dos filmes de Woody Allen). Todas envolvem triângulos (ou quartetos) amorosos que se modificam, entre acusações e chantagens, ao longo das peças. Em uma delas há um jogo metalinguístico, quando um dos personagens se confessa um personagem. Nada revolucionário, claro, mas divertido de ler. Apesar de ser um tanto suspeito para falar, pois gosto mesmo dos filmes (e dos livros) dele, acho que a leitura das peças funciona. Claro que a experiência de vê-las representadas é de outra natureza e deve proporcionar outra satisfação. Mas estamos muito longe de Manhattan (na verdade estamos muito longe da maioria dos produtos culturais dignos de nota, mas esta é outra história) para ficar esperando uma encenação destas peças por estes pagos. Paciência.
"Adultérios", Woody Allen, tradução de Cássia Zanon, editora LP&M, 1a. edição (2007) brochura 11x18cm, 198 pág., ISBN: 978-85-254-1696-4

domingo, 17 de fevereiro de 2008

manual paulistano

Achei este livro de crônicas na CESMA e resolvi experimentar, mas o título já devia ter me preparado para o resultado final. É um livro muito irregular. O autor é um designer paulista que aparentemente tem um bom senso de observação e sabe descrever as pessoas mais ou menos exóticas que encontra no cotidiano paulista. Seus temas são aqueles comuns da vida moderna em uma cidade grande: problemas no trânsito, o conceito ambíguo de celebridade, a busca pelo sucesso pessoal e profissional, o sexo, a moda, a cultura, o dinheiro. Mesmo alinhavando suas crônicas como se quisesse contar uma história de ficção o resultado final está longe de fazer juz ao título (não que isto seja um problema, mas dá para ver que o sujeito é pretencioso). Claro, o sujeito também é articulado e sabe rechear seu texto de uma ironia genuína e algum sarcasmo decente, mas nada de muito original para alguém familiarizado com a cidade ou que não ouça tudo isto repetidas vezes (ou as conte para si mesmo e para seus amigos). Um cara menos pragmático guardaria estas curtas páginas para ver se elas sobreviveriam em um livro mais tarde na vida. Um escritor de verdade com pretenções literárias mais rígidas as jogaria fora sem medo. Mas a vaidade é sempre o mais fiel dos camareiros quando se trata de fazer escolhas literárias. O livro está aí, publicado e esperando um leitor. Eu já gastei minha hora de diversão (sim, o livro é obviamente engraçadinho).
Manual do Paulista Moderno e Descolado, Gustavo Piqueira, editora Martins Fontes, 1a. edição (2007) brochura 14x21cm, 118 pág., ISBN: 978-85-60156-23-8

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

naufrágio

Já fazia tempo que não lia um livro de Louis Begley. Ele é o autor dos ótimos "Sobre Schmidt" (que virou filme com Jack Nickolson em um belo papel) e "Despedida em Veneza". Os livros dele são sempre bem escritos e tratam de temas banais vividos sempre por pessoas bastante sofisticadas e ricas (não exatamente nesta ordem). Ele tem uma trajetória como escritor curiosa, pois começou a publicar relativamente tarde e vindo de um ramo de atividade (a advocacia bancária) de onde não se espera muito lirismo e/ou humanismo. De qualquer forma ele é um autor respeitado, apesar de estar longe da consagração de outros autores americanos de sua geração, como Philip Roth, Saul Below e John Updike por exemplo. O enredo deste livro envolve um escritor de sucesso que vive parte do tempo na América e parte do tempo na Europa, participando de campanhas publicitárias de seus livros, acompanhando a produção de um filme baseado em suas obras, recebendo prêmios literários, frequentando bons restaurantes e se divertindo com amigos de longa data. Apesar do sucesso ele está justamente em dúvida sobre o real valor literário do que tem produzido e isto provoca uma espécie de bloqueio emocional que ultrapassa os limites de sua escrivaninha. O livro descreve uma longa conversa de bar entre dois sujeitos, o protagonista (escritor) que precisa desabafar uma história de amor e ódio e um interlocutor monosilábico que por quase por acaso ouve a narrativa. Tive a curiosidade de mais ou menos cronometrar as conversas. Descobri que entre whiskeys, charutos e jantares os dois personagens conversaram por aproximadamente quatro ou cinco horas em três encontros em três dias seguidos. Verossímel portanto, mas cansativo. Como o personagem principal é um escritor muito das técnicas do romance e da composição ficcional é descrito no livro, mas isto não chega a comprometer a trama. A história que está sendo contada é, claro, sobre uma paixão destuidora entre o escritor e uma jovem jornalista. Sem ser exatamente pornográfico o livro é repleto de contínuas descrições de trepadas, mas como o tema do livro é mesmo o conflito entre sexo e amor, estas não chegam a ser mecânicas ou repetitivas (um personagem de Borges dizia que os espelhos e o sexo eram abomináveis, pois multiplicavam o número de homens, mas esta é outra história). É um livro fácil de ler, mas a última terça parte é previsível, sabemos mais ou menos como vai se dar o desfecho, mas Begley se esforça para manter algum suspense. Para quem quer se informar um tanto sobre como é o estilo de vida dos ricos e famosos que frequentam "The Hamptons" e arredores e que se hospedam nos melhores hotéis de Paris sem se preocupar com a conta o livro é pleno de detalhes, mas é mesmo um mundo distante e artifical demais para nos deixar comover com as dúvidas, os medos, problemas e ansiedades de seus habitantes.
"Naufrágio", Louis Begley, tradução de Sérgio Tellaroli, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2007) brochura 14x21cm, 240 pág., ISBN: 978-85-359-0950-0

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

animal agonizante

Já li vários livros de Philip Roth. Sempre instigante ele é um de meus favoritos. Lembro sempre do impacto da leitura de "O teatro de Sabbath" e das diversões de "O complexo de Portnoy". Noutro dia achei perdido na estante este "O animal agonizante", sua capa vermelha, vibrante, parecia mesmo me chamar atenção. Li rápido e com muito prazer (são pouco mais de 150 páginas). Acho mesmo que serve para um leitor conhecer o ritmo e os temas do sujeito. Não que seja um livro fácil, longe disto. Os temas principais são duros, tratados sem dó pelo autor, afinal ninguém fala de educação, sexo e morte sem deixar marcas indeléveis pelo caminho. Não li os livros anteriores dele onde o personagem principal (David Kepesh) também aparece (O seio, O professor do desejo, publicados no Brasil em meados da década de 1970). De qualquer forma "O animal agonizante" se explica sozinho: um professor universitário bastante respeitado descreve como uma aluna de seios generosos muda radicalmente sua forma habitual de envolvimento afetivo e amoroso (sempre com moçinhas muito mais jovens do que ele). Escrito retrospectivamente, lembra algo de Proust, não o Proust de "O caminho de Swann" (óbvio demais), mas o Proust de "O fim do ciúme", um conto de "Os prazeres e os dias". Ao envolver-se com a ex-aluna o personagem principal fica dividido e impotente entre o turbilhão da paixão e o porto seguro da razão. Claro, Philip Roth, sem otimismo e sempre exagerado, não deixa apimentar um tanto o enredo incluíndo a descoberta de um câncer e seus desdobramentos, uma cruel descoberta que no fundo gera uma chance de redenção pessoal. Não somos mesmo apenas humanos afinal de contas?
"O animal agonizante", Philip Roth, tradução de Paulo Henriques Brito, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2006) brochura 14x21cm, 128 pág., ISBN: 978-85-359-0843-5

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

second son

Conheci o Ian por conta de um feliz acaso relacionado ao Joyce, sempre ele. Estávamos em uma reunião onde ele fez uma curta mas bastante correta apresentação sobre um trecho do Finnegans Wake. Logo após o encerramento pedi a ele o livro de referência que ele havia utilizado (lance arriscado) mas ele emprestou na hora, sem se preocupar muito com o fato de ali eu ser um completo desconhecido (cabe o registro de que eu devolvi o livro!!). Grande sujeito. Anos depois fiquei sabendo que ele havia escrito uma novela e talvez conseguisse sua publicação. Na última vez que nos encontramos o Roberto Cataldo nos disse que havia encomendado e recebido o livro, então resolvi arriscar também e em não mais que três semanas o livro atravessou o mundo e chegou a minhas mãos (a editora dele é australiana, aliás como ele próprio, cabe também dizer). "Second Son" é uma curta novela onde o narrador é o Judas bíblico conhecido em verso e prosa. São onze curtos capítulos que se não correspondem exatamente a um evangelho seguem em tom algo sarcástico algumas das passagens mais conhecidas da saga de Jesus, do nascimento à morte. Li em um final de semana inspirado. É de fato muito bem escrita, gostosa mesmo de ler. Talvez alguém não muito familiarizado com textos bíblicos perca uma passagem ou outra, mas o tema é conhecido demais para provocar estranhamentos definitivos. A idéia básica de Ian foi dar voz a Judas, o irmão imediatamente seguinte à Jesus. Em "Second Son" Judas é descrito como o tipo de sujeito que serve continuamente de referência para alguém mais articulado verbalmente. Por conta disto, Jesus, que se aproveita do bom senso de Judas sobre quase tudo mas que tem por sua vez um senso prático notável, utiliza as oportunidades que tem para granjear atenção a si e seus projetos de grandeza, por mais bizarros e equivocados eles possam parecer. Judas, descrevendo sob sua ótica a transformação do irmão mais velho algo apatetado em um mito vivo, tenta na novela entender como foi mesmo que ele próprio acabou condenado eternamente à execração e ao papel de vilão da história toda. Já velho, vivendo em uma espécie de gueto, conformado com a situação e rememorando os dias bons ao lado de Maria (que foi sua mulher afinal de contas), ele dá mostra de um estoicismo que seu irmão mais velho jamais seria capaz de sustentar caso tivesse sobrevivido. Gostei. Vamos a ver se o Ian se anima e publica mais no futuro.
Second Son, Ian Alexander, Ginninderra Press, 1a. edição (2007) brochura 14,5x21cm, 68 pág., ISBN: 978-1-74027-455-5