terça-feira, 31 de dezembro de 2013

a anatomia da influência

"Hannibal de Bréauté, morto! Antoine de Mouchy, morto! Charles Swann, morto! Adalbert de Montmorency, morto! Boson de Talleyrand, morto! Sosthène de Doudeauville, morto!". Harold Bloom, nesse seu "A anatomia da influência: A literatura como modo de vida", a exemplo do Barão de Charlus de Marcel Proust, parece nos lembrar, ou antes, a nos ensinar, algo sobre a crueldade da passagem do tempo. Bloom também elenca seu mortos, amigos de longo curso, colegas poetas, escritores, ensaístas, críticos ou professores: Northorp Frye, A.D. Nuttall, Anthony Burgess, Robert Penn Warren, Kenneth Burke, Anthony Hecht (para listar apenas o mesmo número mágico de seis utilizado por Proust). E os elenca por vaidade, para ilustrar os sessenta anos em que debateu sobretudo com eles suas idéias sobre literatura e sobre os conceitos utilizou para interpretá-la. Ele revisa seu inflamável conceito de "Angústia da influência", processo desenvolvido ainda nos anos 1970, através do qual um poeta forte experimenta a influência poderosa de seus precursores, também poetas fortes. Neste seu último livro, escrito entre 2004 e 2011, Bloom digressa sobre muitos poetas e escritores (Milton, Joyce, Dante, Shelley, Leopardi, Epicuro, Lucrécio, Shelley, Whitman, Lawrence, Wordsworth, Crane, Stevens, Yeats, Blake, Lawrence, Cervantes, Proust, Emerson, Browning), mas acaba sempre louvando a precedência singular de Shakespeare sobre tudo o que foi escrito nos últimos 400 anos. Talvez "A anatomia da influência" merecesse um corte, uma edição mais concisa, que não fosse tão didática e/ou repetitiva (afinal, desde o início do livro já se alcança entender os argumentos principais de Bloom). Paciência. Talvez seja correto (e ético) homenagear os esforços de convencimento de um senhor tão vetusto com algo tão simples quanto a leitura atenta. Todavia, este leitor atento acaba percebendo que Bloom parece metamorfoseado num Falstaff moderno (um personagem tão caro a ele afinal de contas). Mesmo com seu usual otimismo em relação a seus detratores críticos (como quando ele afirma: "a literatura superior sempre retorna, enterrando seus coveiros acadêmicos, ...chatos e pedantes críticos acadêmicos") Bloom parece arrastar consigo as palavras cruéis de Henry V ("I know thee not, old man: fall to thy prayers") quando advoga não temer a solidão, a loucura e a morte, já que tem a boa poesia para aquecê-lo e iluminá-lo. Quem gosta de poesia certamente tem algo a aprender com as conexões e sínteses apresentadas neste livro. Sua crítica é pessoal, apaixonada, mercurial até; para ele não há distinção entre literatura e vida; nenhum livro pode ser verdadeiramente terminado (nem quando os escrevemos nem quando os lemos), porque o certo é sempre continuarmos buscando as bênçãos de mais e mais vida, e tempo, para ler os bons livros. Há algo de nobre nesta ambição (todavia Charlus e Falstaff também eram nobres). 
[início: 23.11.2013 - fim: 17.12. 2013]
"A anatomia da influência: Literatura como modo de vida", Harold Bloom, tradução de Ivo Korytowski e Renata Telles, Rio de Janeiro: editora Objetiva, 1a. edição (2013), brochura 16x23 cm., 458 págs., ISBN: 978-85-390-0541-3 [edição original: "The anatomy of Influence" (New Haven/Connecticut: Yale University Press) 2011]
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Balanço final [31.12.2013]
Como fazer uma síntese de um ano tão amalucado quanto 2013? Para um morador de Santa Maria e professor da UFSM como eu esse ano sempre ficará marcado como aquele no qual 250 pessoas muitos jovens morreram num incêndio, mas ao mesmo tempo o ano no qual estas mortes foram usadas das formas mais sórdidas e canalhas por jornalistas, advogados e políticos, dentre muitos outros trapaceiros (algo muito comum num país tão ridículo como o Brasil). Esse foi o ano em que os brasileiros provaram que são mesmo apenas massa de manobra de grupos políticos e econômicos, que esquecem e perdoam com uma facilidade absurda, e que são incapazes de se livrar de manipuladores e mentirosos, por mais óbvio que seja a manipulação e a mentira. Esse foi o ano em que só mesmo os abúlicos e os néscios não se deram conta dos roubos que foram cometidos para viabilizar a realização da copa do mundo de futebol do ano que vem e dos jogos olimpícos de 2016 (só mesmo num país ridículo como o Brasil uma fração tão grande da população se orgulha em ser roubada, algo quase inacreditável, mas estamos aqui, no país onde se elogia e se incentiva a estupidez, a ineficiência e a loucura). Paciência. Vamos deixar essa realidade de lado e inventar outra (como Isak Dinesen nos ensinou). Doña Natália terminou seu segundo ano de psicologia e continua entusiasmada. Doña Helga se envolveu em muitos projetos interessantes e levou sua boa arte por aí. Aachnald Severinovich continua capitaneando as cousas em São Bernardo, com sua valente doña Vic o auxiliando (ou seria o contrário, não seria ela a capitã de longo curso e ele o leal auxiliar nas aventuras desta vida?, nunca saberemos). Os gatos continuam generosos conosco: Salen, Lilica, Nihan, Kyo e Leon são mesmo divertidos e carinhosos. Seguro que tratei mal os amigos este ano, com minhas ausências e costumeiras rabugices. Preciso acertar as cousas com Cristina, Jesus, Manolo, Toninho, Frank, Luísa, LOTS, Cohen, Valdo, Melo, Ernani, Tondo, Fazzio e tantos outros amigos queridos. Organizei o vigésimo Bloomsday em Santa Maria, mas talvez seja o caso de melhorar a organização das futuras edições. Deixei muitos livros pelo caminho. Preciso terminar o Laurence Sterne, o ensaio sobre o Javier Marías, o Milton, os gregos, o Singer, o Cervantes, vários didáticos e de divulgação científica. Atrasei mais do que usualmente, mas consegui fazer o registro dos 103 livros que li nesse ano. Foram 25 romances; 13 de crônicas e ensaios; 13 de contos; 10 de histórias em quadrinhos, graphic novels, cartuns ou mangás; 8 de poesia; 8 de perfis, memórias e relatos; 6 infanto-juvenis; 4 romances policiais; 4 de gastronomia; 3 novelas; 2 peças de teatro; 2 livros de arte; 2 de cartas; 1 catálogo de exposição e 1 de divulgação científica. Acho que fui um tanto mais eclético nesse ano, li coisas mais variadas, abandonei projetos antes que começassem a me irritar definitivamente, fiz os desvios para melhorar o humor, li minha cota de espanhóis, deixei os livros me encontrarem. O que será de 2014? O que será deste velho e cansado Guina?  Logo veremos. =========================================

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

lucian freud: corpos e rostos, gravuras, pinturas e fotografias

Nas curtas férias de inverno, em meados de agosto, fiquei uns bons dias na São Paulo dos Campos de Piratininga que eu amo e que me envisga. Tive a boa sorte de conseguir participar do décimo "Hora H", evento que comemora e rememora a obra de Haroldo de Campos e inventei outros passeios e delícias sem fim, como sempre, "drowning in honey, stingless", todavia fiquei algo aborrecido logo ao chegar à exposição de Lucian Freud no MASP. O erro maior foi meu, de minha própria ansiedade, que fez-me acreditar que veria de perto uma vez mais quadros a óleo de Lucian Freud (aqueles que rivalizam com as maravilhas que produziu Francis Bacon, sempre meu favorito). Talvez eu devesse ter lido com mais cuidado o material de divulgação da exposição, mas esqueci-me disso. O que me incomodou foi que a exposição, apesar de ser muito boa, incluía apenas cinco ou seis telas que estavam distribuídos dentre num mar de águas-fortes (quarenta e quatro delas) e fotografias (talvez trinta, em grandes formatos, impressas pelo processo C-type). Claro, eu gosto muito de gravuras (by the way minha querida Helga é gravadora e foi ela quem ensinou-me a potência que se extraí da madeira, da pedra, do linóleo e do metal), mas eu queria mesmo é ver uma vez mais (e de perto) as pinturas de Lucian Freud. Paciência. Passado o aborrecimento inicial, a exposição acabou me conquistando. Os trabalhos em exposição percorriam os anos iniciais de sua produção (1947/1948) e alguns seus últimos trabalhos (2005/2006). Assisti um documentário de uns trinta minutos que oferecia uma mostra de como era seu método de trabalho (e também dava uma mostra de seu humor mordaz e de seu olhar quase etéreo). As fotografias de David Dawson, modelo e assistente de Freud por alguns anos, reproduzem também algo do dia a dia do artista, que era conhecido pelas longas sessões de trabalho com os modelos e o longo tempo que levava para decidir como finalizados seus quadros. O catálogo da exposição, que li com calma nestes meses últimos meses, é bastante completo. Trata-se de uma edição bilíngue, com textos relativamente curtos de Beatriz Pimenta Camargo (diretora-presidente do MASP); Teixeira Coelho (curador do MASP); Marc Balakjian (o mestre impressor das gravuras produzidas por Freud); Sally Clarke (uma de suas modelos); Craig Hartley (um especialista em gravura, autor do catálogo Raisonné de Freud) e David Dawson (fotógrafo, modelo e assistente de Freud). Esses textos ocupam metade do catálogo. A outra metade incluí todas as reproduções das gravuras, fotografias e pinturas da exposição. Boa parte das gravuras vieram da Fundación Museos Nacionales e do Museo de Arte Contemporáneo (ambos de Caracas, Venezuela), além dos acervos do Arts Council, do British Council e de coleções privadas inglesas. Já as pinturas foram emprestadas por coleções públicas inglesas. Nunca um catálogo substitui a experiência estética de ver uma exposição, mas esse em especial dá um boa idéia do que foi oferecido nela. E para quem tem paciência para uma exposição digital, muitos dos potentes óleos de Lucian Freud podem ser visto no The Athenaeum Artworks. Bom divertimento. Evoé.
[início: 10.08.2013 - fim: 29.12.2013]
"Lucian Freud, corpos e rostos: gravuras e pinturas com fotografias de Lucian Freud por David Dawson / Lucian Freud, portraits and figures: etchings and paintings with photographs of the artist by David Dawson", David Dawson (fotografias), Richard Riley e Delphine Allier (curadores), Teixeira Coelho (colaborador), tradução de Ana Goldberger, São Paulo: Comunique Artes editorial, 1a. edição (2013), capa-dura 21,5x28,5 cm., 142 págs., ISBN: 978-85-89496-23-0

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

cozinha judaica de maria

Comecei a ler este belo livro no início da festival das luzes deste ano, na Chanuká, no final de novembro. Segui a leitura, com suas histórias e receitas por dias a fio, mas não consegui terminar no 05 de novembro, quando os derradeiros braços das Chanukiás mundo afora foram acesas, por conta da correria típica deste mês onde os dias terminam, mas as aulas não. São vinte e uma histórias de vinte e uma famílias judaicas que de alguma forma tiveram como cozinheiras vinte e uma mulheres oriundas de famílias simples e não judaicas, mas que se tornaram senhoras das tradições culinárias e até religiosas das famílias que as receberam. São histórias cheias de sentimento, de emoção, onde as "Marias" (como os autores preferem chamar estas cozinheiras - que é como prefiro chamá-las para tornar um tanto mais precisa a descrição) dão relatos de como e de quem receberam os ensinamentos das receitas utilizadas em cada festa religiosa dos anos judaicos e de como estes ensinamentos se incorporaram na vida de cada uma delas. O projeto foi idealizado por Léo Steinbruch e a coordenação dele foi capitaneada por Viviane Lessa. A idéia de Steinbruch é interessante pois ao mesmo tempo em que conta a historia de algumas famílias judaicas que emigraram para o Brasil (e os vinte e um registros percorrem vários estados brasileiros, notadamente São Paulo, Bahia, Pará e Minas Gerais) dá conta também das origens e histórias das cozinheiras e de suas famílias, narrativas incríveis elas mesmas.  Trata-se de qualquer forma de um livro de imagens (as fotografias são belíssimas), e sobretudo de um livro de receitas. Os pratos que tipicamente são produzidos nas festas religiosas judaicas (Yom Kippur, Pessach, Shabat, Rosh Hashaná, Chanuká, Sukoth, Shavuoth, Purim, dentre outras) são descritos pelas cozinheiras, da forma como aprenderam e/ou adaptaram a partir dos ensinamentos das avós, mães e irmãs das pessoas que as empregaram. Os nomes dos pratos e a forma de prepará-los, a diferença entre as tradições Ashkenaze e Sepharade, sobretudo na culinária, são discutidos com bom humor no livro, já que é impossível elas concordarem sobre quem faz mesmo o melhor "gefilte fish", "cholent", "kugel", "borsche". "Cozinha judaica de Maria" é um livro para ler com calma, para folhear em dias vagabundos, experimentar na cozinha, apreciar plenamente, como quem recebe um presente (de pessoas que não conhece, mas que fazem a cada um de nós um grande bem). Mazel tov! ["B'hatzlacha" (בהצלחה)]
[início: 27.11.2013 - fim: 24.12.2013]
"Cozinha judaica de Maria", Viviane Lessa e Léo Steinbruch, imagens de Chris Ceneviva, São Paulo: Alaúde editorial, 2a. edição (2012), capa-dura 31x22 cm., 248 págs., ISBN: 978-85-7881-123-5

sábado, 21 de dezembro de 2013

um elefante em albany street

Este é o octingentésimo registro de minhas leituras neste blog, registros iniciados em janeiro de 2007. Com ele quero homenagear um grande sujeito, o amigo Luiz-Olyntho Telles da Silva, um artífice de idéias, realizações e amizades, que fez 70 anos há dez meses, num glorioso 21 de fevereiro, numa gloriosa festa que tive o privilégio de participar. Talvez fosse por isso apenas que este registro em particular seja muito caro a mim. Mas penso que há outros motivos para que ele seja assim apresentado. Afinal ele foi adiado por tanto tempo, trata-se um livro tão especial e representa uma forma de entender outros livros, aqueles que todos lemos e tentamos decifrar, que compartilho com Luiz-Olyntho, pois há um justo equilíbrio entre critério e emoção. Li os ensaios reunidos em "Um elfante em Albany street" ainda em janeiro deste conturbado ano, mas como queria usar a publicação da resenha como propaganda de seu lançamento aqui em Santa Maria, adiei diversas vezes sua escritura. Infelizmente, a cada camada de atrasos nos planos que don Robson Gonçalves e eu tínhamos para viabilizar a vinda de Luiz-Olyntho para cá, como pretendíamos, aos aborrecimentos que justificaram os adiamentos somou-se a certeza que o ele e seu livro mereciam uma divulgação mais digna. Os livros se defendem sozinhos, claro, mas os exegetas (mesmo este menor dos anões dentre eles, como eu) podem ao menos fazer com que um determinado círculo de leitores os encontrem. Em "Um elefante em Albany street" estão reunidos dezoito ensaios que são frutos de um ciclo de palestras proferidas em Porto Alegre ao longo de 2010 chamado "Janelas para o mundo". Alguns são longos e detalhados, mas a maioria é de textos relativamente curtos, que se prestam a uma apresentação em público seguida de debates e/ou reflexões improvisadas. São textos ambiciosos, no sentido que almejam trazer ao leitor maior compreensão sobre coisas difíceis, mas o autor nunca se sobrepõe aos textos originais que critica e resenha. Os autores que Luiz-Olyntho escolheu apresentar compõe um panorama bastante eclético. Encontramos Homero e Eurípides; Beckett e Joyce; Machado de Assis e Chesterton; Vargas Llosa e Érico Veríssimo; Ferenc Molnár e Enrique Vila-Matas, Garcia-Roza e Cristovão Tezza, dentre outros. Os gêneros também são variados. A maioria dos ensaios discute romances, mas também há livros de poesia, de contos, teatro e épicos. Em todos encontramos muitas citações e indicações de leitura que estimulam a imaginação do leitor quando somados aos temas discutidos nos livros que ele analisa. Talvez um ou outro texto peque por um exagerado acúmulo de detalhes ou mesmo excesso de citações, mas a maioria deles são mesmo um deleite para os sentidos, para os leitores. O texto final, dedicado ao Ulysses é uma pequena jóia, que todo leitor de Joyce saberá apreciar. E então don Robson, vamos ou não vamos convencer don Luiz-Olyntho a vir à Santa Maria relançar este belo livro? Evoé.
[início: 13.01.2013 - 27.01.2013]
"Um elefante em Albany Street: A arte da descrição discreta", Luiz-Olyntho Telles da Silva, Porto Alegre: HCE editora, 1a. edição (2012), brochura 16x23 cm., 240 págs., ISBN: 978-85-65026-03-1

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

el asedio

Publicado em 2010, "El asedio" é um romance ambicioso que reúne várias tramas, uma ficção policial ambientada no início do século XIX que deve muito a fatos históricos e personagens reais. A narrativa acontece durante o cerco de Cádiz, na Andaluzia, numa operação militar dos tempos das guerras napoleônicas. Pérez-Reverte alterna, como num jogo de xadrez, os movimentos de um diligente investigador espanhol (que procura descobrir a identidade de um assassino) e um eficiente artilheiro francês (que tenta provocar o maior dano possível à cidade com as bombas que lança sobre a cidade). Além destes dois protagonistas uma legião de personagens secundários povoam o livro. O leitor acompanha os passos do assassino, as conversas em cafés entre o investigador e um velho professor, o relacionamento impossível entre um jovem capitão com patente de corso e a herdeira de uma importante casa comercial da cidade. Pérez-Reverte usa seu livro para falar do passado (principalmente sobre "La Pepa", a constituição espanhola de 1812 que foi discutida e promulgada em Cádiz e é um dos primeiros documentos constitucionais democráticos e/ou liberais do mundo) mas claro, tem os olhos no presente, pois descreve características perenes da complexa e intrinsecamente contraditória sociedade espanhola contemporânea (ele fala de coisas como a tediosa burocracia, o orgulho nacional, a aristocracia sempre corrupta, o papel perverso da igreja, o mosaico cultural da península ibérica). Seu livro leva o leitor por assuntos diferentes: há algo sobre espionagem, balística, marinharia, política, religião, arquitetura, geografia, tortura, história, teoria dos jogos, probabilidades e xadrez, mas o resultado é bom. Há dois bons vídeos no youtube onde Pérez-Reverte fala sobre seu livro e suas motivações (um curto e outro bem mais longo, onde ele interage com seus leitores). Vale a pena assisti-los (e ler o livro, claro). Em tempo: Quinze dias atrás Amanda, amiga querida, esteve em Cádiz num congresso e vagou por aquele labirinto, viu de perto os laranjais ao sol, sentiu o vento salgado que vem do mar. Ah, Amanda, que beleza tudo aquilo, não é mesmo?
[início: 05/11/2013 - fim: 10/12/2013]
"El asedio", Arturo Pérez-Reverte, Madrid: Alfaguara (Santillana Ediciones Generales), 1a. edição (2010), brochura 15x24 cm., 727 págs., ISBN: 978-84-204-0555-1

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

fugitiva

Sobre o encantamento que experimentei ao ler contos de Alice Munro pela primeira vez já registrei aqui, ao falar sobre "Felicidade demais". Tentarei desta vez não adjetivar muito essa curiosa (ops!) escritora. Javier Marías já nos ensinou que é a boa literatura que explica um povo e uma época (e não os documentários, os romances históricos, os filmes documentais, o realismo forçado da literatura ruim). Há uma crônica recente dele onde este argumento é apresentado. Alice Munro alcança apresentar ao leitor, claramente, sem retórica vazia ou malabarismos mentais, toda uma sociologia (de seus contemporâneos e de sua época) em poucos parágrafos. "Fugitiva" é a exemplo de "Felicidade demais" surpreendente e bom. São oito contos longos. Em todos são mulheres as protagonistas das narrativas. O controle do fluxo do tempo em suas histórias é total. Munro o acelera ou quase o congela, dependendo do efeito que espera ou precisa provocar no leitor. Há temas que se repetem: o estranhamento, a loucura silenciosa, os conflitos familiares, a velhice, o desdém discreto pela vida acadêmica, o acaso da vida e das escolhas. Três das histórias tratam de uma mesma mulher, mas se a cada vez ela desse nomes diferentes para os personagens, talvez não os associaríamos tão facilmente entre si. A estrutura destas três histórias lembra aquele conceito caro à Robert Graves, o da trindade das deusas (e das mulheres), no qual a deusa assume em fases distintas os aspectos de ninfa, mãe e anciã, subsequente e cumulativamente. Uma das histórias começa como um diário, algo secreto, pessoal, intransferível, mas depois passa a uma estrutura de tópicos, como num ensaio, como se estivéssemos (sim, nós, os leitores) assumindo o controle do diário de uma pessoa e o interpretando. Muito curioso. Nestes oito contos, bem mais que nos dez de "Felicidade demais", são quase palpáveis a violência ou antes, a crueldade, que homens e mulheres sabem viver e trocar entre si. O que ela nos oferece em suas narrativas é ouro fino. Haverá mais coisas dela por aqui, seguro que sim.
[início: 29/10/2013 - fim: 30/11/2013]
"Fugitiva", Alice Munro, tradução de Sérgio Flaksman, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2006), brochura 14x21 cm., 385 págs., ISBN: 978-85-359-0855-2 [edição original: Runaway (Toronto: McClelland & Stewart - Randon House) 2004]

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

a james joyce chronology

Comecei esse livro perto do Bloomsday deste ano, em junho, mas acho que nunca vou parar de consultá-lo. Trata-se exatamente do que o título promete, uma cronologia da vida de James Joyce. Nele podemos verificar rapidamente o que fazia Joyce em cada ano, mês e dia de sua vida, ou seja, trata-se de um guia imprescindível para os obsessivos joycemaníacos deste mundo, interessados naqueles detalhes bobos que sustentam horas de conversa sobre ele e sua obra. A cronologia obviamente começa no 2 de fevereiro de 1882, data de nascimento de Joyce, e se estende até o 15 de janeiro de 1941, dia em que Joyce foi enterrado (no Fluntern, em Zürich). O livro incluí também uma tabela de equivalentes monetários entre o período da vida de Jocye e os dias de hoje (que ajuda muito a entender o quão Joyce era incorrigivelmente perdulário); quadros sinóticos sobre a estrutura de dois de seus livros (Dublinenses e Ulysses); curtos resumos biográficos de escritores, jornalistas, políticos, atores e personalidades que por alguma razão são citados na cronologia; uma enorme e completa bibliografia (que corresponde ao que existia até a data de publicação do livro, 2004) e uma curta apresentação assinada pelo autor. O material reunido é muito interessante. Ficamos sabendo que num 02 de novembro, por exemplo, Joyce leu uma versão da passagem conhecida como Anna Livia Plurabelle para um grupo de 25 amigos (em 1927), ou que escreveu um carta agradecendo Michael Healy o dinheiro que este lhe enviara (em 1915), ou ainda que deu a sua mulher, Nora, um par de luvas, para lembrar-lhe dos cinco anos que haviam se passado desde que se conheceram (em 1909); ou que escreveu neste dia a Padraic Colum sobre a saúde de sua filha, Lucia, e que esqueceu em um táxi um manuscrito que deveria ter sido publicado na revista Transition (em 1931). É portanto um livro para consultas rápidas; para verificar onde Joyce morou em cada dia de sua vida; verificar o processo de produção e publicação de cada uma de suas obras; para saber detalhes sobre sua saúde; acompanhar os acontecimentos de sua família; enfim, para que possamos evitar erros bobos (e se furtar de enganos enraizados ou propositais) que todos podemos cometer ao citar fatos de sua vida. Que livro! Em tempo: Na falta deste livro um leitor curioso pode conseguir alguma informações similares no The Modern World ou no James Joyce Centre.
[início: 11/06/2013 - fim: 01/12/2013]
"A James Joyce Chronology", Roger Norburn, New York: Palgrave Mcmillan (Author Chronologies Series, editado por Norman Page), 1a. edição (2004), capa-dura, 14,5x22,5 cm., 230 págs., ISBN: 1-4039-1283-3