segunda-feira, 24 de setembro de 2012

tenía mil vidas y elegí una sola

Publicado em 2008 por iniciativa do filósofo e escritor alemão Rüdiger Safranski, "Tenía mil vidas y elegí una sola" fez parte das comemorações dos 75 anos de Cees Nooteboom. Tanto a edição original quanto essa chamam o livro de "Breviário", que é o nome dos livros de horas, aqueles que reúnem ofícios que os sacerdotes católicos devem rezar diariamente. É um subtítulo muito apropriado para a função que esse livro pode ter para os entusiastas da prosa de Nooteboom. Podemos ler trechos aleatoriamente e ficar um tanto disfrutando cada um dos recortes que encontramos. Li e reli o livro, aos poucos, com renovado prazer, tentando emular o que já conhecia. Safranski compilou trechos de todas as obras publicadas por Nooteboom até 2008, começando com seu primeiro romance, "Phillip en de anderen", de 1954 e até chegar as crônicas publicadas originalmente em jornais e reunidos recentemente em livro, na Alemanha (Gesammelte Werke, Suhrkamp Verlag, 2003-2008). Além de trechos destas crônicas, de suas peças e seus romances, o livro inclui vários poemas, muito bons, interessantes mesmo. Já li um bocado de cousas dele, mas há muito material que foi traduzido para o espanhol pela primeira vez. Há vários Nooteboom reunidos no livro. O principal é calro, o Nooteboom viajante, que sintetiza muito habilmente suas impressões sobre a paisagem, a história e a personalidade os povos que encontra; mas há também o crítico de arte, que descreve tão bem os quadros ou a arquitetura que o leitor chega a sentir-se a seu lado em uma galeria ou museu; há o jornalista, o sujeito que enxerga as injunções políticas e econômicas do que vê; há o humanista, uma espécie de filósofo amador, que reflete sobre seu tempo; há o linguista, que usa sua erudição e conhecimento das línguas para interpretar o que lê e ouve pelo mundo; há o leitor disciplinado, que pontua seu texto com citações das mais variadas fontes, incentivando o leitor a compartilhar de suas impressões e por fim há o criador genial, que inventa mundos e fantasias, personagens e diálogos, sempre com maestria. Ainda tenho um último livro dele para ler, seu ensaio fotográfico sobre Zurbarán, mas este prazer deixarei para os dias vagabundos desta primavera, dias que prometem tanto. Será tempo de viajar. Pronto.
[início 11/08/2012 - fim 22/09/2012]
"Tenía mil vidas y elegí una sola: un breviario", Cees Nooteboom, Rüdiger Safranski (editor),  tradução de Francisco Carrasquer, Fernando García de la Banda, Pedro Gómez Carrizo, Julio Grande, Felip Lorda i Alaiz, Isabel-Clara Lorda Vidal, María Condor, Anne-Hélène Suárez Girard, ediciones Siruela (Nuevos Tiempos), 1a. edição (2012), brochura 14x21,5 cm, 150 págs. ISBN: 978-84-9841-824-8 [edição original: "Ich hatte tausend Leben und nahm nur eins. Ein Brevier" (Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag) 2008]

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

o prazer de ler

Neste pequeno livro Heloisa Seixas apresenta onze curtas crônicas sobre o prazer especial que é ler. Não são textos robustos como, por exemplo, "A biblioteca: à noite" ou "A cidade das palavras", de Alberto Manguel, ou "No mundo dos livros", de José Mindlin, reconhecidos especialistas na área, mas tem lá seu encanto. Heloisa Seixas é escritora experiente, tem mais de uma dezena de livros publicados. O que faz em "O prazer de ler" é basicamente registrar alguns aspectos de seus hábitos de leitura, de suas paixões literárias, de suas pequenas obsessões livrescas. Na última das crônicas ela elenca uns setenta livros que levaria para uma ilha deserta. Desde a época dos gregos listas deste tipo são produzidas por amantes dos livros, mas a frase mais poderosa relacionada que conheço sobre esse hábito é de Shakespeare, em "A tempestade" ("Knowing I loved my books, he furnished me, from mine own library, with volumes that I prize above my dukedom"). O texto de Heloisa Seixas é sintético e realmente fácil de ler. Vamos em frente.
[início - fim: 16/09/2012]
"O prazer de ler", Heloisa Seixas, Rio de Janeiro: editora Casa da Palavra, 1a. edição (2011), brochura 13x18 cm, 78 págs. ISBN: 978-85-7734-123-8

sábado, 15 de setembro de 2012

o fim das forças

Publicado originalmente em 1902 [em um volume que incluía também "Youth" (1898) e famoso "Heart of Darkness" (1899)] encontramos nesse "O fim das forças" uma história de estoicismo e coragem. O título original pode ser traduzido mais literalmente por "o fim da corda". Joseph Conrad nos conta a história de Henry Whalley, um velho e experiente capitão que é forçado a voltar a navegar por conta da falência de seu banco (e consequente perda de toda riqueza que ele havia acumulado durante a vida). Ele faz isso pois tem um compromisso moral com sua filha única, dependente financeiramente dele apesar de já estar casada há muitos anos. Whalley sabe que vive uma situação anacrônica. O tempo dos capitães de navio independentes e venturosos já faz parte do passado. As rotas comerciais importantes estão sob disputa de grandes companhias inglesas, holandesas e alemãs. Mas o projeto de Whalley é simples: tornar-se sócio de algum navio mercante durante um período curto, economizar o máximo possível e entregar todo o dinheiro que amelhar para a filha (que já vive na Austrália). Whalley, famoso por suas habilidades no comando de velozes "clippers", navios à vela largamente utilizados no século XIX, acaba tornando-se capitão de um navio à vapor, o Sofala, cujo proprietário também atua como maquinista chefe. Este navio percorre rotas comerciais secundárias na região de Singapura, no Oceano Índico. A história é concisa. Um terço dela apresenta Whalley e suas tribulações até conseguir a sociedade no Sofala. Nos capítulos correspondentes às duas últimas terças partes encontramos Whalley já no terceiro ano desta sociedade, prestes a terminar o que havia planejado. As descrições da psicologia e/ou caráter dos personagens criados por Conrad são muito poderosas, impressionantes mesmo. Rapidamente sabemos como se comportam, o que pensam, do que são capazes Massy (o maquinista-proprietário), Sterne (o imediato), John (o segundo maquinista), Van Wyk (um plantador de tabaco, amigo de Whalley, "Serang" (o piloto malaio de Whalley), Ned Elliot (um capitão contemporâneo de Whalley). Na transição entre a primeira parte do livro e a final, Conrad cria um fato surpreendente que prenderá o leitor ao destino do velho capitão, até a última página. Não é o desfecho da história que importa, mas sim a forma e a maestria com que Conrad acumula idéias e sensações, diálogos e possibilidades, parecendo estar literalmente nos transportando para o conves de navio em um grande mar, para vermos de perto "o fim das forças" do capitão Whalley. Bom livro.
[início: 08/09/2012 - fim: 13/09/2012]
"O fim das forças", Joseph Conrad, tradução de Julieta Cupertino, Rio de Janeiro: editora Revan, 1a. edição (2000), brochura 14x21 cm, 190 págs. ISBN: 85-7106-211-0 [edição original: The end of the Tether (Youth - a narrative; and two other stories (Londres: Blackwood's Magazine) 1902]

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

o sentido de um fim

"O sentido de um fim" é um livro curioso. Ao mesmo tempo que conta uma história interessante, que oferece ao leitor material suficiente para boas reflexões sobre memória, culpa, filosofia, história, conflitos entre gerações e até teoria da literatura, o livro irrita ao leitor, ao expor tão insistentemente seus truques e malabarismos (a concisão forçada, a economia, a ambiguidade, simples artificios, mas que acabam por dar sentido formal ao livro). Autor experiente (e premiado) Julian Barnes domina completamente o processo. Já conhecemos sua versatilidade desde seu primeiro livro, o exuberante "O papagaio de Flaubert". "O sentido de um fim" é  um livro curto, onde se narra os desdobramentos de uns poucos fatos realmente importantes. Claro, para cada indivíduo, cada protagonista, mesmo o menor dos gestos pode vir a ser capital, mas para a humanidade, para a história (e para o leitor), tudo é irrelevante. A graça do livro está em uma questão sobre a qual não é possível comentar detalhadamente sem ser tendencioso, e como isso contaminar a apreciação futura de quem vier a se interessar em lê-lo. O livro é dividido em duas partes. Na primeira conhecemos o narrador (Anthony) e seus amigos mais próximos (Colin, Alex e Adrian - que não é inglês, mas sim americano), estudantes na Londres suburbana do início dos anos 1960 que terminam o nível médio e entram na universidade. Adrian é o mais inteligente do grupo e chama a atenção pela abordagem filosófica com a qual experiencia a vida. Nesta parte o narrador descreve o suicídio de um rapaz da escola (não exatamente de seu círculo de amizades), fato que é discutido em sala de aula e também entre Anthony e seus colegas; seu relacionamento com uma garota (Veronica) - que é de uma classe social um tanto maior que a sua (na Inglaterra essas questões sempre são importantes); uma viagem para os Estados Unidos e um outro suicidio, agora sim de um de seus amigos. Na segunda parte há um deslocamento temporal de mais de quarenta anos. O narrador já casou-se, separou-se, viu crescerem filha e netos, aposentou-se (aparentemente teve uma vida anódina). Em determinado momento ele recebe uma correspondência oficial dando conta de seu direito, por herança, do diário daquele amigo seu que havia cometido suicidio, há quarenta anos. A partir daí Barnes faz com que o narrador se comporte como um detetive (ou romancista policial) que investiga questões de seu próprio passado, tateando entre a realidade factual (a historiografia possível deste passado) e os destroços de sua memória. O livro ganhou o "Man Booker Prize" de 2011, e aparentemente vendeu bem mundo afora, mas o resultado me parece ruim, por mais suspense que seja criado, ou por mais maestria com que Barnes leve seu livro ao final. Tanto a culpa de Anthony, quanto a irracionalidade de Veronica são artificiais demais para meu gosto. Os outros personagens são rasos demais para que inspirem alguma simpatia ou admiração. Mas nunca podemos confiar nos narradores (qualquer leitor aprende isso cedo ou tarde), assim como não podemos confiar na realidade de nossas memórias. Talvez seja essa a mensagem que Barnes queira uma vez mais nos transmitir. A realidade sempre é mais surpreendente e insana que qualquer ficção, qualquer texto ou cousa imaginada pelos homens.
[início 09/09/2012 - fim 10/09/2012]
"O sentido de um fim", Julian Barnes, tradução de Léa Viveiros de Castro, Rio de Janeiro: editora Rocco, 1a. edição (2012) brochura 14x21cm, 159 pág. ISBN: 978-85-325-2755-4 [edição original: The sense of an ending (Londres: Jonathan Cape) 2011]

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

la noche del tren

Li quase todos contos deste pequeno livro ainda nas férias, em agosto, mas só li o último neste final de semana, ao reencontrá-lo escondido entre papéis avulsos e guardados (e esquecidos sem dó na biblioteca, claro, assim se passam as férias). Quem recomendou-me cousas de Mempo Giardinelli foi don Tailor Diniz, naquele dia adorável do lançamento de seu "A superfície da sombra". Giardinelli é argentino. Atua como jornalista, escritor, produtor cultural. Transita regularmente também pelo meio acadêmico, tanto em seu país quanto na Europa. Em "La noche del tren y otros cuentos" encontramos sete contos sintéticos e curtos, muito interessantes. "Ocho hermanos" trata da partilha de uma herança e da agressividade que brota entre familiares nestas horas; "Kilómetro 11" de um grupo de amigos que reconhecem por acaso, num músico menor de uma banda de música, durante uma festa, seu algoz nos tempos de ditadura argentina; "Vuelta al ruedo" trata da lída final que um picador experiente concede a um velho e valoroso touro; "Sueño del exilado" fantasia o desejo de retorno e de felicidade de um rapaz que vaga incerto por uma cidade européia; "Tito nunca más" conta o destino funesto (no qual a nobreza parece equivocada) de um promissor jogador de futebol convocado para a guerra das Malvinas, onde tem sua cota de aborrecimentos; "Turbulencia" fala de um náufrago que delira e espera seu resgate, espantando abutres; "La noche del tren" é o recorte lírico de um encontro casual entre tia e sobrinho, durante uma longa e acidentada viagem de trem, no interior da Argentina. São histórias muito bem escritas, que fixam sentimentos e experiências, e revelam um autor muito seguro de si. O tom é quase sempre cruel, mas não a ponto de nos apiedarmos dos personagens, como nas boas tragédias gregas (que parecem influenciar o Giardinelli). Boas histórias, de um autor que pretendo conhecer melhor.
[início 05/08/2012 - fim 08/09/2012]
"La noche del tren y otros cuentos", Mempo Giardinelli, editorial Hugo Kliczkowski - Onlybook, 1a. edição (2007) brochura 13.5x20cm, 61 pág. ISBN: 978-84-96592-63-6

domingo, 9 de setembro de 2012

españa en los diarios de mi vejez

Neste livro encontramos o que o título promete: transcrições dos diários de Ernesto Sábato produzidos durante suas últimas viagens à Espanha. No prólogo ele já adverte: "Creo haber expresado algo de lo que siente un hombre al inminente borde de la muerte. Pido perdón a los lectores si no encuentran en ellos más que esbozos, apenas borradores. El diario parece ser un escrito a mitad de camino entre la ficción y el ensayo". Com essa advertência o leitor pode situar-se melhor. O conjunto é todo ele bem escrito, mas o tom muda bastante. Há reflexões amargas sobre temas contemporâneos importantes: guerra, xenofobismo, migrações, democracia; reflexões quase aborrecidas sobre a velhice, a doença e a morte; descrições alegres sobre os reencontros com amigos na Espanha ou familiares (uma neta principalmente); relatos calorosos sobre visitas a lugares da Espanha que ele aprendeu a amar (Toledo, A Coruña, Sevilla, entre uma dezena de outras cidades); causos divertidos, como o relato de uma partida de futebol entre Barcelona e Real Madrid que denuncia um portenho clássico, mercurial. Enfeixando todos os apontamentos está o amor pela literatura, o entendimento dele sobre o poder que a literatura tem de esclarecer as diferenças entre os homens. A edição original do livro é de 2004. Sábato morre apenas em abril de 2011, já muito mais debilitado do que depreendemos dos diários. São duas viagens na verdade, uma longa em 2002 e outra mais curta, em 2003, separadas por uns meses que ficou em Santos Lugares, a cidade próxima a Buenos Aires onde ele passou os últimos anos de sua vida. Nas duas viagens ele recebe homenagens, participa de debates e lançamentos de livros. Além da transcrição de uma das conferências de Sábato o livro inclui discursos em homenagem a ele produzidos por Rafael Argullol, Pere Gimferrer, Félix Grande, Fanny Rubio, Claudio Magris e José Saramago. Li este livro durante a viagem que fiz para participar dos festejos de formatura de Ana Costa, amiga querida. Um tanto contaminado pelo humor avinagrado de Sabato fiquei feliz ao ouvir seu discurso de oradora da turma e suas palavras na pequena festa que se seguiu ao ato oficial de formatura. Alguns jovens tem tamanho poder e entusiasmo que, mesmo sabendo o quão terrível e desafiador pode ser o futuro deles ou da humanidade, parecem ter a esperança de todos alcançarem uma compreensão maior do mundo, saberem de sua cota de responsabilidade em qualquer transformação viável, atribuirem algum sentido a loucura que pode ser a vida.
[início 24/08/2012 - fim 25/08/2012]
"España en los diarios de mi vejez", Ernesto Sabato, Barcelona: editorial Seix Barral (sello Austral), 1a. edição (2011), brochura 12,5x19 cm, 237 págs. ISBN: 978-84-322-4832-0 [edição original: Seix Barral, 2004]

sábado, 8 de setembro de 2012

freya das sete ilhas

"Freya das sete ilhas" é uma história de amor. Todavia Conrad não é nada condescendente ou piegas ao contar os sucessos dela, um triangulo amoroso clássico. Uma garota chamada Freya, filha de Nielsen, um velho dinamarquês radicado em uma possessão holandesa no Oceano Índico, tem planos de casar-se com um intrépido capitão de navio (um inglês chamado Jasper Allen, que aparentemente alterna trabalhos convencionais e o contrabando). Um tenente chamado Heemskirk também se interessa por Freya e usa seu cargo na marinha holandesa para pressionar o pai da garota, ameaçando expulsá-lo da ilha onde vive. Conrad utiliza como subtrama o conflito de interesses econômicos e políticos entre ingleses e holandeses nos mares do sul, no início do século passado. O narrador relembra esta velha história ao receber uma carta com o relato do desfecho do caso, despertando nele nostalgia de seus dias como capitão de longo curso, bem como sua amizade com todos os personagens. De fato não é a narrativa mais poderosa que já li dele, mas Conrad sabia mesmo apresentar a seus leitores análises convincentes sobre as sutis mudanças de humor dos personagens. O livro inclui uma boa apresentação de Antonio Olinto. [Em tempo: (i) O livro é bem editado, mas na ficha catalográfica há um erro absurdo, daqueles que irritam o leitor e o fazem desconfiar da qualidade do que tem em mãos. (ii) Li no The Conradian que Conrad não tinha muito apreço por ela, considerando-a uma bobagem feita para jornais, sem muito estofo. Após a pequena repercussão obtida na Inglaterra ele teve dificuldades de vender o texto para ser publicado nos Estados Unidos. Todavia ali o livro vendeu muito bem e ele recebeu muitas cartas reclamando do destino reservado a seus protagonistas. Ele, que esperava reconhecimento por obras mais ambiciosas (Nostromo e O agente secreto são do mesmo período) teria ficado intrigado com o gosto de seus leitores americanos. Aparentemente nem a dicotomia num mesmo escritor - que consegue produzir textos intelectualmente ambiciosos e literatura de entretenimento igualmente interessantes -, nem o controle sobre a recepção de uma obra no público leitor são questões realmente novas. (iii) Sim, existe uma revista acadêmica dedicada exclusivamente a análises de obras de Joseph Conrad. Adorável e surpreendente é esse maravilhoso mundo das letras].
[início 30/08/2012 - fim 31/08/2012]
"Freya das sete ilhas", Joseph Conrad, tradução de Julieta Cupertino, Rio de Janeiro: editora Revan, 1a. edição (2003), brochura 14x21 cm, 158 págs. ISBN: 85-7106-288-9 [edição original: Freya of the Seven Isles (Londres: The Metropolitan Magazine - 'Twixt Land and Sea) 1912]

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

el color del sol

Aborrecido por três vezes ter inutilmente tentado ver a exposição de pinturas de Caravaggio no MASP, durante minha última excursão paulista, resolvi procurar algo sobre ele para ler. Apesar de encomendada naqueles dias de férias paulistas a biografia do artista, assinada por Roberto Longhi, demorou demais para chegar. Mas acabei lembrando deste pequeno livro "El color del sol", de Andrea Camilleri e resolvi procurá-lo em meus guardados. Camilleri é conhecido por seus romances policiais, sua série de livros com o comissário Montalbano, mas tem muitos outros romances, poemas e dramas publicados. "El color del sol" é um deles. Trata-se de uma pequena biografia dos últimos anos de Caravaggio (que de resto morreu muito jovem, com 38 anos) e foi produzida por encomenda, para ser incluída no catálogo de uma grande exposição realizada em Düsseldorf, em 2006. Camilleri narra uma história onde pretensamente ele mesmo, o sujeito chamado Camilleri, escritor italiano nascido no século XX, tem acesso a notas autobiográficas de Caravaggio produzidas em seus anos de exílio em Malta e na Sicília (entre 1607 e 1608, poucos anos antes de sua morte). Estas notas dão conta de seus problemas com a Igreja e outros inimigos, seus relacionamentos amorosos, suas bebedeiras e uma fuga mirabolante da prisão. Simultaneamente as notas descrevem também a inspiração de algumas das obras dele produzidas neste período. Doze delas estão incluídas no livro, em belas reproduções coloridas. Lê-se "El color del sol" em um par de horas. Camilleri alterna a transcrição das notas e suas reflexões sobre as motivações do artista. Uma nota da tradutora do livro para o castelhano dá conta que o livro foi escrito originalmente emulando um "patois" do italiano corrente no século XVII, mas que esta característica não foi seguida em sua tradução. Não é o tipo de livro que um sujeito que mal conheça a obra de Caravaggio possa aproveitar muito. Talvez seja o caso de ler a biografia escrita pelo Roberto Longui, talvez seja o caso de enfrentar de uma vez por todas aquelas filas intermináveis do MASP, talvez seja o caso de viajar e procurar suas pinturas, mundo afora. A ver.
[início - fim 30/08/2012]
"El color del sol", Andrea Camilleri, tradução de María Antonia Menini Pagès, Barcelona: ediciones Salamandra, 1a. edição (2009), brochura 12,5x20 cm, 125 págs. ISBN: 978-84-9838-251-8 [edição original: Il colore del sole (Milano: Arnoldo Mondadori editore) 2007]

terça-feira, 4 de setembro de 2012

história do pé

São dez histórias, dez fantasias, como J.M.G. Le Clézio prefere chamá-las. A última delas é um tanto diferente das demais, já que se trata de uma espécie de posfácio ("Quase apólogo"), no qual ele narra o que o leitor pode entender como a gênese de cada uma delas. Le Clézio fala de suas viagens no metrô parisiense, um microcosmo de vida, de aventuras, de misérias e alegrias que eventualmente podem ser recolhidas por um observador atento e eventualmente podem ser transformadas em literatura, em ficção. Inspiradas pelo que se vê nos vagões do metrô as nove histórias surgem, inventadas ou compiladas, tanto faz. Mesmo em um mundo em que tudo, inclusive a vida, pode ser um espetáculo, pode ser consumido, qualquer história pode ser transcendental para quem as vive, mas são banais, irrelevantes e comuns para o mundo. Em "História do pé" uma garota experimenta uma vida monótona em Paris, mas descobre durante uma gravidez que há algo de grande valor em sua capacidade de amar; em "Barsa, ou Barsaq" dois jovens arriscam e testam seu amor ao fugir de uma vida miserável na África equatorial, tentando chegar a Europa (que também sabe ser miserável, mas metamorfoseada em outra forma, como todo mal); em "A árvore Yama" uma garota consegue sobreviver durante uma guerra civil (e salvar uma amiga) unindo-se espiritualmente a um grande baobá; em "L.E.L., últimos dias", Le Clézio sugere quais foram as circunstâncias que levaram a poetisa inglesa Letitia Elizabeth Landon até Gana, no ínício do século XIX, onde ela morre; em "Nossas vidas de aranhas" Le Clézio dá voz a uma legião de aranhas, escondidas em uma grande caverna, que velam os sucessos da passagem do tempo pela vida dos homens; em "Amor secreto" uma freire passa seus dias inventando histórias e registrando-as em livro, para lê-las para detentas de uma prisão; em "Felicidade" acompanhamos como num mundo pós-apocalíptico um sujeito conta sua conversão às verdades de uma espécie de messias e das perseguições, torturas e prisão que sofre em nome dele; em "Yo" um sujeito com algum grau de deficiência mental narra sua vida, seu mundo, seu entendimento das coisas e na última das histórias/fantasias, "Ninguém", a alma ou espírito de uma criança não nascida (cuja mãe foi morta em uma guerra civil) vaga por fronteiras violentas do mundo, fazendo o censo de outras mortes (algo que lembra aspectos do filme "Asas do desejo", do Wim Wenders). As histórias povoam geograficamente países que fizeram parte de impérios coloniais (franceses ou não): Senegal, Argélia, Gana, Caribe, México, Libéria. Todas elas flertam com o que há de primitivo e terrível na experiência humana, mas em todas elas encontramos um grande amor pelo poder da palavra, da literatura, como fonte de esperança em nossas aventuras.
[início 20/08/2012 - fim 29/08/2012]
"História do pé e outras fantasias", J.M.G. Le Clézio, tradução de Leonardo Fróes, São Paulo: editora Cosac Naify, 1a. edição (2012), brochura 15,5x22 cm, 288 págs. ISBN: 978-85-405-0211-6 [edição original: Histoire du pied et autres fantaisies (Paris: editions Gallimard) 2011]

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

através: inhotim

A experiência estética que alcançamos ao ver uma exposição nunca é reproduzida ao consultarmos um catálogo dela. Entretanto, talvez otimistas, talvez iludidos, acabamos voltando sempre a esses livros especiais quando queremos voluntariamente recordar algo daquela experiência, numa espécie de garimpo mental ou afetivo. No caso deste livro, deste catálogo específico, a proposta é ainda mais modesta, pois não há como fixar exatamente em palavras ou imagens o assombro que temos ao visitar Inhotim. Trata-se de um lugar situado a 60 quilometros de Belo Horizonte dedicado a exposição permanente de arte contemporânea, mas que também é um imenso, exuberante, jardim botânico e também um lugar repleto de edificações e equipamentos arquitetônicos que em si valem uma boa parte do tempo que dedicamos a visita. Idealizado por um empresário e colecionador de artes mineiro chamado Bernardo de Mello Paz, o acervo do Instituto Inhotim está aberto a visitação pública desde meados de 2006. A história, as propostas museológica, paisagística e artística, de desenvolvimento regional, de sustentabilidade e inclusão, assim como depoimentos de entusiastas e informações turísticas podem ser conferidas em detalhe no site do Instituto Inhotim. Mas o que um eventual leitor encontra neste catálogo? Trata-se do primeiro livro dedicado ao acervo artístico de Inhotim. Publicado originalmente em 2008, reúne obras de 57 artistas, aproximadamente um terço de todos artistas da coleção (mas este número deve estar desatualizado, pois nos últimos anos o Instituto manteve uma política agressiva de aquisição de obras e inauguração de galerias - já são quase vinte delas, espalhadas por uma área de mais de um milhão de metros quadrados). Em "Através: Inhotim" há cerca de vinte textos, assinados por Bernardo de Mello Paz, Adriano Pedrosa, Allan Schwartzman, Ana Paula cohen, Carla Zaccagnini, Janaina Melo, Jochen Volz (o diretor artístico e de programação à época da edição do catálogo), José Augusto Ribeiro, Júlia Rebouças, Lisette Lagnado, Luisa Duarte e Rodrigo Moura. Uns poucos falam do projeto ou do conceito utilizado na concepção do acervo artistico; a maioria apresenta peças e/ou trabalhos de cada artista individualmente e algumas justificam sua incorporação à coleção do Instituto. Dentre os artistas que são discutidos no catálogo encontramos Tunga, Hélio Oiticica, Miguel Rio Branco, Adriana Varejão, Cildo Meireles, Olafur Eliasson, Ernesto Neto, Vik Muniz, José Damasceno e Artur Barrio (para citar apenas um terço dos que são citados explicitamente nos textos). As fotografias e reproduções das obras são belíssimas. O catálogo acerta em também apresentar um tanto das belas paisagens do Instituto, mas nem de longe faz juz à força arquitetônica das edificações do lugar. O que este catálogo oferece não é pouco, mas na verdade talvez a função dele seja mesmo apenas nos lembrar da necessidade de voltar a Minas Gerais, voltar a Brumadinho, voltar a Inhotim. E ver. 
[início 02/08/2012 - fim 02/09/2012] 
"Através: Inhotim", curadoria de Allan Schwartzman, Jochen Volz e Rodrigo Moura, coordenação editorial de Rodrigo Moura e Adriano Pedrosa, Brumadinho: Instituto Inhotim, 1a. edição, 4a. impressão, revisada (2012), brochura 19,5x27 cm, 399 págs. ISBN: 978-85-61614-00-3 [edição original: 2008]