quarta-feira, 27 de junho de 2007

espanha

Muito provavelmente você deve ter espiado este livro em uma estante de livraria e torceu o nariz, imaginando ser um pastiche qualquer para turistas de aeroporto. A capa é plastificada; o formato do livro quadrado, não convencional; ele é parte de uma série que incluí outras nacionalidades; a capa mostra típicos touros em uma arena, incrivelmente kitsh. Mas este livro é muito bem escrito e é muito informativo e instigante. É também bastante atual, pois inclui dados de até 2004 ainda que superficialmente. Resumir 2500 anos de história em 350 páginas é impossível, mas o esforço por contar uma boa história é plenamente alcançado. Para aqueles que têm curiosidade pela cultura espanhola este é certamente um bom início, pois os temas mais importantes e caros à Espanha são descritos com muita propriedade e correção. Tópicos mais específicos como as artes, as várias línguas faladas na península, aspectos econômicos e orográficos são tratados em sessões distintas. Também são descritos à parte os mitos usualmente identificados com a Espanha: O Quixote, El Cid, Don Juan, Carmem, o turismo, os reis católicos, o machismo, o ETA, as touradas, o catolicismo, o flamenco, a monarquia, as antigas colônicas, a ditadura franquista. Josep Buades é um maiorquino radicado no Brasil há muitos anos e soube fazer uma apresentação da cultura espanhola que deixa o leitor ao final bem informado para enfrentar textos mais técnicos e mais áridos. Com belas ilustrações e fotografias e, de fato, em uma edição muito bem cuidada, este livro merece mais que uma folheada despretenciosa entre uma viagem e outra de avião. A Espanha como conhecemos talvez não exista em um futuro próximo e todo aquele interessado em acompanhar os desafios que estão na pauta do povo espanhol encontrará argumentos para melhor entendê-los neste belo texto.
Os Espanhóis, Josep M. Buades, editora Contexto, 1a. edição (2006) ISBN: 978-85-7244-344-9

sexta-feira, 22 de junho de 2007

sessão da tarde


Há dois ou três anos atrás li os primeiros livros de Patrick O´Brian traduzidos para o português (O Mestre dos Mares, O Capitão, O Lado Mais Distante do Mundo). Os livros haviam sido publicados na esteira do sucesso da versão em filme, dirigido por Peter Weir. De fato eram livros gostosos de ler e repletos de ação, bem como um personagem singular que é uma mistura de Darwin com 007. Gostei. Agora recentemente "A Fragata Suprise" foi lançado. Resolvi ler para recuperar aquele espírito juvenil de sessão da tarde mas não funcionou. Os elementos são os mesmos de sempre: muita marinharia, termos náuticos, batalhas minunciadamente descritas, bons personagens e uma boa dose de humor. Todavia desta vez as longas passagens que antecipam as duas únicas batalhas navais do livro nem de longe têm o frescor encontrado nos livros anteriores. Pode ser que eu esteja mais casmurro e exigente atualmente mas não gostei mesmo. Desta vez o comandante Aubrey e seu escudeiro Maturin se aventuram pelo Oceano Índico, inicialmente para transportar um alto dignatário inglês para um posto na Malásia, mas após trocentas linhas explicando a necessidade imperiosa do governo inglês em estreitar laços com aquele país o autor mata o sujeito e o enterra anônimo em uma praia da costa oriental da Índia. Incrível. As reviravoltas românticas dos personagens principais e suas princesas consortes também é muito difícil de se ler, chato mesmo. Paciência. Ainda vou dar uma chance para o O´Brian e experimentar algum outro livro dele, mas fiquei com uma forte prevenção contra ele desta vez.
"A Fragata Suprise", Patrick O´Brian, tradução de Alves Calado, editora Record, 1a. edição (2007) ISBN: 978-85-01-07528-4

terça-feira, 19 de junho de 2007

gregos

Este é um livro da série Carvalho escrito à beira mar, perto da Barceloneta, com a estátua de Colón apontando a direção das américas ao fundo. O livro fala de gregos e falar de gregos é falar um tanto do mar e da relação dos homens com o mar. Há as inevitáveis e pantagruélicas receitas de Carvalho para seu amigo Fuster; há as choramingas de Charo e seus planos de se mudar para Andorra; há os lamentos pela morte recente de Bromuro; há dois casos em paralelo para serem resolvidos e duas mulheres a enrodilhar Carvalho. O livro se passa às vésperas das olimpíadas de Barcelona, a cidade repleta de obras e de seres humanos antecipando os lucros com a enxurrada de turistas. Como se trata do início dos anos 1990 há um pouco da decadência dos projetos socialistas, do enfrentamento com a agressividade da AIDS, do reposicionamento de todos frente a modernidade e do milênio que se aproxima. É um belo livrinho, com poucas reviravoltas desta vez, mostrando um detetiva Carvalho na crise da meia idade, chorando por perceber em si comportamento típico de um adolescente cansou de interpretar um papel mais cínico e auto-suficiente. O amor e o amor ao mar são os temas dominantes. Recomendado para todo aquele que não perdeu a capacidade de amar nestes tempos bicudos em que vivemos.
"O Labirinto Grego", Manuel Vázquez Montalbán, tradução de Bernardo Joffily, editora Companhia das Letras, 1a. edição (1992) ISBN: 85-7164-258-3

segunda-feira, 18 de junho de 2007

amazônia

Este é curto livro de um autor chileno de seus quase 60 anos. É uma bela história de um senhor perdido no interior da amazônia equatoriana. Ele é recrutado e se envolve na caça de uma onça raivosa pela mata e deve usar toda a experiência que tem para levar a bom termo o feito. Lembra um tanto "O Velho e o Mar", do Hemmingway. Talvez esta novela viesse a fazer parte de uma narrativa mais longa, enfeixando outras histórias deste personagem realmente instigante, dono de um humor muito particular. Sabemos pouco da amazônia real, longe de tudo o que vemos pela televisão. Todas decisões têm conseqüências práticas na vida do povo que vive na mata. Pequenas perturbações no sistema provocadas por visitantes indesejados geram grandes tragédias e sofrimentos sem fim. É uma bela narrativa de um autor que vou passar a garimpar nas livrarias.
"O Velho Que Lia Romances de Amor", Luis Sepulveda, editora Relume Dumará, tradução de Josely Vianna Baptista, 1a. edição (2005) ISBN: 85-7316-451-4

franquismo

Este livro é de 3 anos atrás mas só fiquei sabendo de sua existência através de meus amigos lvireiros no último final de semana. Está esgotado na editora mas se acha aqui e ali nos sebos. Vendou milhões no mundo todo e o velho guina não ficou sabendo. Que coisa. Resolvi enfrentar o volume. A idéia é curiosa. Na Espanha franquista de meados do século passado um grupo de amantes de literatura se encarrega de guardar a memória de livros pouco vendidos, que cairiam no esquecimento caso não houvesse uma iniciativa deste tipo. Um garoto escolhe e lê um destes livros raros e se interessa por descobrir algo mais sobre o autor. A partir o ritmo é de novela policial, folhetinesco: cheio de desencontros, suspeitos, pessoas enigmáticas, vilões , moçinhas, segredos, mortes. Apesar do tema ser caro a todo aficcionado por literatura (o amor aos livros) este é um livro descartável, um "código da vinci" com pretensões ainda mais intelectuais. Claro que as descrições dos horrores da ditadura de Franco na Espnha são valiosas e gostamos de lembrar do prazer que a leitura dos primeiros livros provocou em cada um de nós, mas não é um livro que desafie minimamente o leitor, ou que o faça pensar um tanto mais sobre temas filosóficos, históricos ou mesmo contemporâneos. De qualquer forma o livro está lido e aqui segue mais uma resenha. Nota mental: claro que a editora objetiva não iria arriscar e editar algo não potencialmente vendável. Quero registrar uma outra informação que li noutro dia, dando conta do fato das grandes editoras nacionais estarem racionalizando tanto o processo de produção que mesmo um livro que por acaso venha a ser muito vendido e tenha sua edição esgotada, não interessa mais ser reeditado no curto prazo, pois o sistema editorial mantêm uma agenda de publicações quase inflexível. Tempos bicudos estes.
"A Sombra do Vento", Carlos Ruiz Zafón, tradução de Márcia Ribas, Editora Objetiva (selo Suma de Letras), 1a. edição (2004) ISBN: 978-85-7302-604-7

quinta-feira, 14 de junho de 2007

ulysses again

Depois do grande envolvimento que teve na tradução do Finnegans Wake, de James Joyce, e de colher os louros e os sucessos da empreitada Donaldo Schüler começou um outro grande projeto, a tradução da Odisséia. A LP&M acaba de lançar o primeiro volume desta tradução já que a edição (bilíngüe) foi planejada para divisão em 3 volumes. Este primeiro volume abarca os quatro primeiros cantos da obra. Há ao menos dez outras traduções completas da Odisséia no mercado livreiro brasileiro (vale lembra algumas: a clássica de Manuel Odorico Mendes, a antiga de Carlos Alberto Nunes, a em prosa de Jaime Bruna, a inovadora de Frederico Lourenço, a ligeira de Fernando C. de Araújo Gomes). Reconhecido como um grande helenista a tradução de Donaldo Schüler deve estimular jovens leitores ao clássico de Homero, pois é conhecido seu esforço, nas traduções, por criar neologismos e incorporar termos contemporâneos. Certamente aqueles familiarizados com o grego aproveitarão a chance para cotejar suas interpretações àquelas escolhidas por Donaldo e mesmo com as traduções mais antigas. Há um curto ensaio no final, onde o Donaldo reflete sobre seu projeto de tradução e justifica algumas de suas escolhas. Eu, que guardo na memória e canto as primeiras estrofes desde trinta e tantos anos atrás, por conta de uma leitura apaixonada na juventude, estranhei um tanto o ritmo e a musicalidade oferecida por Donaldo, mas não há porque desdenhar de seu genuíno esforço. Vou aguardar o segundo volume com um quase açodamento.
"Odisséia I - Telemaquia", Homero, tradução de Donaldo Schüler, editora LP&M, 1a. edição (2007) ISBN: 978-85-254-1636-0

f for fake

Fui visitar uns amigos e bisbilhotando na biblioteca encontrei este livrinho. Fiquei curioso e acabei comprando para ler um tanto sobre o Rio de Janeiro. Não é um livro memorável. Me parece que a idéia de Motta, jornalista muito conhecido por seu envolvimento com a música popular brasileira e os batidores do poder, era contar em ficção um pouco daquele Rio de Janeiro que ele viu morrer durante o golpe militar de 1964. Seu livro descreve um pouco dos anos loucos do governo Juscelino Kubitschek, onde parecia que o Brasil estava destinado mesmo a ser feliz e dormir para sempre em berço explêndido. Me parece que ele fez uma lista de tudo de exótico à nossos olhos de hoje que ele lembra daquela época e foi citando aqui e acolá no livro os termos, as marcas, as gírias, o linguajar carioca arrastado, os mitos e os preconceitos, o carnaval e o futebol. Claro que este é um assunto caro a memória afetiva dele, um paulista que adotou o Rio e fez toda sua carreira profissional em torno da vida cultura de lá, mas a história é muito simples, linear mesmo, difícil você ser surpreendido com as muitas reviravoltas e o desfecho. Certamente ele é melhor produtor musical que um imaginativo escritor que pretende ser. Tudo é glamuroso demais, artificial demais. Marx dizia que você só conhece de fato um povo se comer seu pão e beber seu vinho e conversar com cada sujeito deste povo olhando-o nos olhos. Nelson Motta neste livro parece a antítese disto, pois o dia a dia da classe média carioca é mostrado como em uma novela de época pasteurizada. Talvez eu esteja sendo cruel demais, mal acostumado que estou com as belas descrições de Barcelona que o Vazquez Montalbán faz, mas o livro está lido, então deve ser aqui registrado. Vamos em frente.
Ao Som do Mar e à Luz do Céu Profundo, Nelson Motta, Editora Objetiva, 1a. edição (2006) ISBN: 978-85-7302-793-2

milênio

Mais um Montalbán. O quê fazer? O sujeito escreve bem, os livros estão à mão e me lembram as Ramblas e o bacalao, asssim eu sigo lendo, com renovado prazer. Este foi o último livro publicado dele. Trata-se de um volume que havia sido planejado 30 anos atrás, quando Montalbán e seu editor acertaram os detalhes do projeto de publicar romances policiais tendo a espanha pós-Franco como pano de fundo. Anos antes um personagem secundário de um de seus livros, Pepe Carvalho, havia chamado a atenção do público, que praticamente pediu desdobramentos e explicações sobre o curioso dedetive ex-comunista, gourmet e literato. Montalbán intuiu que havia lugar nas letras espanholas para um personagem deste tipo e consagrou-se, apesar do romance policial ser também na Espanha considerado um estilo menor. A idéia envolvia escrever o ciclo e terminá-lo na virada do século 20 para o século 21, acompanhando a entrada do estado espanhol na modernidade adindo a inserção no mercado comum europeu. O livro é um relato de viagens, confessadamente baseado no Bouvard e Pecuchet de Flaubert, no Don Quixote de Cervantes, no Robinson Crusoe de Defoe e no Volta ao Mundo em 80 dias de Julio Verne. Pepe Carvalho e seu ajudante Jordi Biscuter saem de Barcelona e vivem uma série de peripécias, reencontrando amigos e rivais, resolvendo pendengas e casos antigos ao longo de uma viagem pelos países mais afetados pela globalização e pelas crises deste início de século. Não é um passeio por hotéis cinco estrelas ou recheado de conversas em praias enluaradas. Acredito que Montalbán queria mesmo que refletissemos sobre os problemas contemporâneos. Não chega a ser um livro pessimista, pois já estamos acostumados com a ironia e a crueza dos comentários do detetive Carvalho. Montalbán morreu logo após de enviar os originais para sua editora, em uma viagem de férias no sudeste asiático, assim ficaremos sem saber se haveria ainda algum desfecho acrescentado à serie. Cabe dizer que apesar deste ser um romance policial o que menos importa no livro é descobrir o autor dos crimes. Acho que ainda vou ler uns pequenos volumes que tenho dele neste ano Montalbán, afinal de contas.
"Milênio", Manuel Vázquez Montalbán, tradução de Rosa Freire D'Aguiar, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2007) ISBN: 978-85-359-0957-9