quinta-feira, 31 de maio de 2007

carvalho em madrid


Acabei de ler mais um livro do Manuel Vazquez Montalbán e justamente mais um da série Carvalho. Já escrevi anteriormente como sua narrativa é realmente bem apurada e suas descrições dos hábitos e costumes espanhóis são muito bem feitas. Neste volume o cenário muda bastante. Quase toda a ação se passa em Madrid, para onde o detetive Carvalho vai contratado para descobrir o autor do assassinato do secretário-geral do Partido Comunista Espanhol. O esquema é o clássico assassinato em uma sala fechada, muitas vezes utilizado em romances policiais. Apenas um dentre os membros de um grupo é o autor do crime, mas todos são igualmente suspeitos e têm motivação para cometer o crime. Carvalho faz uma investigação paralela à oficial, comandada por seu antigo algoz, do tempo do regime franquista, o comissário Fonseca, personagem muito interessante, apesar de obviamente odiável. Há muita ação, lutas, persiguições de automóveis pelas autopistas madrilhenhas. Aliás são as andanças pela a pé pela Madrid dos anos de redemocratização e as inevitáveis receitas e conversas bem afiadas sobre política, eurocentrismo, religião e gastronomia que dão estofo ao livro. A geografia de Madrid permite ao autor nos levar pelos monumentos, restaurantes, praças, museus e bares populares, como um atento guia durante uma excursão. O personagem principal já havia vivido ali vinte e cinco anos atrás e faz um balanço sentimental desta volta, após ter se radicado definitivamente na sua adorável Barcelona. Salvo melhor juízo este deve te sido um dos primeiros livros de Montalbán traduzidos para o português, ainda na década de 1980 (o livro é de 1981). Apesar de não ter o original espanhol para comparar posso afirmar que há erros aqui e acolá na tradução, nada muito absurdo, mas que gera ruídos estranhos na leitura. Por exemplo, um Bar de Sidras madrilenho virou um "bar sidrado", seja lá o significado deste neologismo; o Paseo de la Castellana virou avenida castelhana; o distinto jamón virou um presunto presunto ordinário, o personagem Bromuro foi traduzido por Bromato, como se fosse mesmo um íon BrO3- (paciência). A ação se dá nos anos de transição entre a ditadura de Franco e a entrada da Espanha no mercado comum europeu, época muito turbulenta da sociedade espanhola. Para quem já fez parte de partidos de esquerda ou conviveu com militantes na juventude, o livro propicia uma aventura especial, pois toda a desesperança que antecede a queda do comunismo na europa no final dos anos 1980 está ali retratada. É mesmo um belo livro.
"Assassinato no Comitê Central", Manuel Vázquez Montalbán, tradução de Flávio Moreira da Costa, editora Graal (coleção Local do Crime), 1a. edição (1986) ISBN: 85-7038-042-9

segunda-feira, 28 de maio de 2007

leituras


Este é um livro sobre livros. Virgínia Woolf apresenta suas opiniões sobre escritores que ela considerava particularmente importantes: Joseph Conrad, Tolstoi, Tchekov, Dostoievski, Jane Austen, Montaigne, Shakespeare e Daniel Defoe. Ela também escreve sobre o ato comum de ler e se embriagar da leitura, de como é possível simplesmente ler algo para maior erudição ou deleite. Como ela bem registra trata-se de um livro de crítica literária, uma coisa muito distinta de resenhas, que podem ser feitas por pessoas sem o menor envolvimento com a literatura além do simples prazer de ler. Há um capítulo muito bom de se ler sobre "Como se deve ler um livro?", realmente soberbo. Há uma discussão importante sobre o papel do crítico literário realmente digno de nome no processo de formação do gosto pela leitura no leitor médio. Há uma tentativa de prospectar a nova literatura britânica do início do século passado, com resultados ambíguos. Em um primeiro momento ela louva o James Joyce do Retrato do artista quando jovem, para logo alcunhar Ulysses de um naufrágio literário completo. É conhecido o asco com que ela recebeu as passagens mais escatológicas do Ulysses, mas não podemos dizer que Ulysses seja uma unanimidade mesmo quase um século após sua publicação. É um livrinho curto, cento e poucas páginas, que se lê em um bom final de semana de sol e vagabundagem, por puro prazer (como eu fiz).
"O Leitor Comum", Virgínia Woolf, tradução de Luciana Viégas, editora Graphia Editorial, 1a. edição (2007), ISBN: 978-85-85277-54-3

montalbán

Este vai ser um ano não muito difícil de definir literariamente, pois os livros do Montalbán vão se acumulando nas minhas leituras e minha admiração por ele só aumenta. Assim quando quiser lembrar de 2007 sempre poderei dizer que foi o ano da viagem à Barcelona e a descoberta de Montalbán (ao menos a primeira metade do ano que estamos quase a começar será definida assim). "Os mares do sul" ganhou vários prémios europeus logo após seu lançamento em 1986. A ossatura do livro é a típica dos romances policiais: um detetive sem ambigüidade moral e maniático têm um crime invulgar para investigar e ao longo do livro descreve as paixões humanas de seu tempo com muita argúcia e precisão (desnecessário dizer que no final ele descobre os detalhes escondidos de toda a trama e sai com seu polpudo cheque de pagamento pronto para ser descontado). Mas, como li de um outro resenhador recentemente, é mesmo difícil não se entusiasmar com a riqueza das descrições que Montalbán faz dos costumes e tradições, da política e da gastronomia catalãs, e a sutil crítica da sociedade onde viveu, demonstrando um conhecimento profundo dos homens de seu tempo. Nem todo catalão deveria gostar da rudeza de seus comentários pouco auto-indulgentes com "la vieja catalunya": tubarões em um mar de sardinhas!. O procedimento de queima de livros, hábito do personagem principal do livro, é algo que me exaspera menos sabendo-o ficcional. A forma como ele se faz entender com tiradas rápidas e irônicas quase transforma-o em um onisciente super-homem. As receitas espalhadas pelo livro são um convite a retomarmos a cozinha e abrirmos as janelas da imaginação. Como é curioso o acaso de meu encontro com este livro. Assim como no caso do Durrell, outro parceiro da memória literária desta primeira parte deste ano, não parece que são os livros que vêm e escolhem seus leitores? Em uma biblioteca então teríamos uma constante competição entre eles pela nossa atenção, dispersivos que somos. Esta é uma idéia para se pensar. Bom. Apesr de recomendar o livro sem reservas já gastei adjetivos demais com este sujeito. Tenho mais três livros dele para enfrentar, mas antes há outros três pelo menos: um livrinho de ensaios da Virginia Woolf que começei, um Enrique Vila-Matas recomendado pelo Luiz-Olyntho e um ensaio científico sobre a idade média que está lá pelo meio, mas já merecedor de uma resenha. Vamos a ver quem me escolhe primeiro desta vez. "Os Mares do Sul", Manuel Vázquez Montalbán, tradução de Cid Knipel Moreira, editora Companhia das Letras, 1a. reimpressão (2001) ISBN: 85-7164-750-X

quarta-feira, 23 de maio de 2007

clea

Começei a ler o último volume do "Quarteto de Alexandria" ainda no início de maio, quando viajava a Minas Gerais para um congresso. Estava já no fim da primeira terça parte do livro, no caso a bela edição da Ediouro, recém traduzida pelo Daniel Pellizzari e dormi no avião. Quando o avião tocou o solo paulista acordei, começei a me organizar para sair e surpresa: onde está o livrinho? Procurei feito um louco sonânbulo e continuei a procurar até todos descerem da aeronave e ficarem apenas os comissários de bordo a me ajudar. Conclusão, havia um ladrão de livros naquele avião. O maior crime da humanidade havia sido cometido, um cidadão havia roubado o livro de outro cidadão. Fazer o quê? Mas vamos falar de literatura. Encomendei este novo Clea (mas uma edição portuguesa, de 1976, que talvez eu estivesse fadado a reencontrar). Li rápido a última camada de experiências e aventuras dos personagens do Quarteto. Há passagens muito bonitas, vários ensaios sobre a arte de escrever e mesmo a arte de se tornar um artista, descrições belíssimas de uma Alexandria que suporta e sobrevive a passagem da segunda grande guerra. Há muitas surpresas e reviravoltas, mas este volume é muito fragmentado acho eu. Há vários narradores e muita informação nova é apresentada sem a destreza dos volumes anteriores, principalmente do Balthazar, meu favorito. As comparações com "Em busca do tempo perdido" são inevitáveis, mas o resultado é muito mais favorável a Proust, pois poucas coisas são descartáveis no seu livro (talvez o homosexualismo de Saint-Loup seja o único ponto questionável). Já em Durrell, ao menos neste último volume, algumas pinceladas deixam muito a desejar. Em ambas séries de volumes os personagens se metamorfoseiam e reencarnam surpreendendo o leitor, mas no Proust tudo parece bem menos artificial e cheio de vida. Em Clea é citado o incrível papel que a literatura pode representar em nossas vidas, por vezes nos distraindo da realidade inexorável. Muito apropriada a lembrança. Difícil não terminarmos de ler esta série e não imaginarmos nossas pequenas histórias enfeixadas em algum volume por força da arte de algum escriba menos indolente. De qualquer forma o Quarteto é algo que se lê com enorme prazer e nos deixa um tanto menos auto-indulgentes e tolos (ao menos é esta a sensação que tenho imediatamente após terminar o livro). Este projeto está executado. Agora faço parte desta confraria silenciosa que descobri em torno de Lawrence Durrell. Espero um dia voltar a outros livros dele. Por enquanto voltarei ao submundo barcelonês da série Carvalho, do surpreendente Manuel Vazquez Montalbám, voltarei ao garimpo dos sebos e das leituras de ônibus, voltarei a corrida contra o relógio e os prazos, mas talvez sabedoria mesmo seria concluir que talvez seja a hora daquelas voltas regulares ao Proust, senhor dos sentimentos e humores dos homens.
"Clea - O Quarteto de Alexandria", Lawrence Durrell, tradução de Daniel Gonçalves, editora Ulisseia, coleção clássicos do romance contemporâneo, volume 30, 1a. edição (1976) sem ISBN.

alaputcha!

Qualquer vivente que tiver interesse em entender um tanto a alma gaúcha vai encontrar neste livro material à beça. O louzada publica suas tiras nos jornais da regiào já há um bocado de tempo e aos pouquinhos conquistou respeito e admiração. Este volume (o número 1 é promessa de outras publicações) reune uma boa parte das aventuras de Tapejara e seus inevitáveis Cigano, Mulita, Guria, Tia Arnica e Tio Gamela. Alarife, loscanha e fachudo Tapejara encanta neste início de século onde tudo se vive em ritmo alucinante. Nenhum CTG destes pagos vai reclamar da falta de genuíno sentimento gaúcho neste belo livro. Vou comprar uns exemplares a mais e enviar para os amigos paulistas aprenderem algo sobre o Rio Grande do Sul. Muito divertido.
Tapejara, o último guasca, Paulo Louzada, edição do autor, 1a. edição (2007) ISBN: 978-85-7782-007-8

terça-feira, 15 de maio de 2007

confrades

Estamos vivendo em uma época onde podemos sem pejo ser cabotinos, falsos, inconstantes, mentirosos, traidores, agressivos, hipócritas, tolos ou quaisquer outros atributos que no passado seria ofensivo ostentar. Na leitura de qualquer jornal ou em um par de minutos na frente da televisão somos apresentados a uma fauna de homens de quem não compraríamos um carro usado, quanto mais convidar para uma mesa de bar. Mentir, trapacear, mudar de opinião, roubar idéias e virtudes, comprar votos e consciências parece ser a moeda de troca da franca maioria dos políticos e homúnculos que habitam o noticiário neste início de século brazuca. Fazer o quê? Ler um bom livro, namorar a menina bonita, pescar um bom peixe, nadar em um bom mar, ouvir uma música cara à memória, cozinhar para os amigos, cousas assim são soluções válidas. O problema da primeira sugestão é que o livro em questão aí à esquerda tem textos meus e mesmo o mais corrupto dos senadores e mais torpe dos deputados desta república teria certo pudor de fazer prosa laudatória de suas próprias garatujas (em geral eles pedem para um colega fazê-lo, com a obrigação do favor ser devolvido logo, claro). Este livro foi produzido por muitas mãos e é irmão de um outro, de poesias. Do livro dos poetas eu poderia falar mais e com mais isenção, por isto vou deixar isto para uma outra resenha. Do livro de crônicas basta eu dizer que são sete autores (seis autores e uma autora, a Sione, que ficou por último na lista ordenada alfabeticamente e parece carregar à todos nas costas). São sete crônicas de cada autor, a grande maioria inéditas, recém saídas dos fornos e dos dedos dos viventes. Seguramente eu sou o menor dos anões ali. O Candinho, o Diomar, a Sione, o Larré, o Canellas, mestres que são, têm suas colunas fixas nos jornais locais. O Athos não publica toda semana mas é escritor prolífico e não tem medo de ouvir uma recusa dos editores de plantão quando submete suas crônicas ligeiras. Assim, bem acompanhado, fica fácil empurrar meus textos goela abaixo do leitor. Se o leitor se engasgar com meus erros de concordância ou com minha rude verve certamente encontrará cronistas mais equilibrados nas páginas seguintes às minhas no livro. Gostei muito de fazer parte deste projeto. Vamos a ver o que você acha afinal de contas. Se é que você vai se interessar por ele, diga o que achou dos textos afinal. É isto. Bom divertimento.
O Maquinista Daltônico - Crônicas, Aguinaldo Medici Severino, Athos Ronaldo Miralha da Cunha, Antônio Candido de Azambuja Ribeiro, Marcelo Canellas, Diomar Konrad, Ludwig Larré, Sione Gomes, editora Manuzio, 1a. edição (2007) ISBN: 978-85-89833-99-8

segunda-feira, 14 de maio de 2007

bibliófilos


Este livro fica devendo muito ao leitor. Não chega a ser um romance, nem de longe. Na verdade é uma pequena novela, mas uma novela que deixa algo matutando nas memórias do leitor. A maioria dos leitores ou amantes da literatura têm uma relação com livros, o objeto livro, muito distinta que aquela experimentadad pelas pessoas comuns. Não chega a ser uma relação notadamente ambígua pois há de tudo neste mundo: há aqueles que colecionam a leitura dos livros e se sentem possuidores de seu conteúdo, com suas preferências, obssessões, manias particulares; há outros que têm o distinto prazer em ir distribuindo os livros que leram, como se neste processo eles ficassem mais caros a eles; há ainda alguns que preferem queimar um livro a emprestá-lo ou mesmo imaginar vê-lo nas mãos de outra pessoa; há os disciplinados que montam coleções realmente importantes ao longo da vida, cuidando dos livros com o mesmo zêlo dos botânicos em relação às flores. A Casa de Papel conta um pouco sobre um sujeito que tão envolveu-se com seus livros que resolveu fazer uma casa com eles, usando-os literalmente como tijolos de uma construção. A idéia do livro é curiosa, o exercício de desapego da paixão pelos livros genuíno, a descrição das viagens sentimentais ao passado que vez ou outra fazemos magistral, enfim é um livro de alguém familiarizado com o tema e dono dos meios para escrevê-la, mas o livro fica sem fôlego, muito cedo. Quando somos apresentados ao bibliófilo já percebemos que sua biblioteca está condenada. A novela é curta demais para que nos afeiçoemos ao sujeito ou mesmo a professora de literatura que nos leva até ele ao morrer em um acidente de trânsito. Gostei da idéia dos "corredores" que se podem encontrar nas páginas impressas dos livros com estilo, mas ela morre na mesma página em que nasceu. Paciência, don Carlos é o autor e eu sou apenas este resenhador contumaz. Vou procurar outras coisas do Carlos María Domíngues (argentino radicado em Montevidéu) para entender um pouco mais sua literatura.
"A Casa de Papel", Carlos María Domínguez, tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro, editora Francis, 1a. edição (2006) ISBN: 85-89362-54-5

terça-feira, 1 de maio de 2007

music is the best

Frank Zappa só é precedido no meu panteão de grandes músicos pelo inevitável Miles Davis. Do Miles já li várias biografias, ouvi centenas de músicas e invejei a história, a voz e a coragem. Quando terminar de ler a biografia dele, escrita por Ian Carr que acabei de comprar vou falar com gosto do velho Miles, mas desta vez o sujeito é Francesco Zappa. Perfeccionista, seminal, maior guitarrista deste mundo, baita compositor, escrachado e outros adjetivos mil, coleções e rosários deles, recheiam este livro, uma coletânia de depoimentos que o torna uma quase-biografia "in progress". Com Zappa é fácil a vida, ou você gosta alucinadamente e não se preocupa com o fato do resto da humanidade ter muitas reservas, ou você odeia olímpicamente e o evita. Um dia, no 41B do Martinica, casa do Marcelão, fui a uma festa onde estavam Uruba, Paula, Cosme, Lili, Perin, Mitsue e tantos outros amigos da física. Pois neste dia ouvi o Joe's Garage e o Zappa passou a fazer parte da minha mitologia particular. Detritos Cósmicos é uma compilação de várias histórias que se iniciação desta forma. Quarenta sujeitos nascidos dos anos 60 para cá contam como esbarraram com Zappa e sua música e como se definiram musicalmente após este encontro. Alguns tiveram a oportunidade de assistir seus shows (hiper ensaiados, ritualísticos, mágicos, três ou quatro horas de música sem intervalo para o patrocinador), outros o entrevistaram, outros apenas ouviram seus discos e sairam para a luta, outros brigaram com os irmãos mais velhos (que gostavam mais dos Beatles ou dos Rolling Stones). A legião de fãs não tem medo de ser açucarada quando declara sua paixão por ele. Fábio Massari é o organizador do livro, editado pela Conrad, a mesma dos mangás. Há um apêndice com toda a discografia do Zappa. Os oficiais são mais de 60 títulos. Olhei para minha CDteca meio triste e fiquei checando quais não tenho e nem virei a ter pois é impossível garimpar todo este tesouro hoje em dia. Paciência. Há também transcrições de entrevistas publicadas na Folha e no Estadão anos atrás. Belo livro. Um tanto irregular aqui e ali, pois nem todo mundo tem o dom de transformar sua paixão em um texto agradável, mas o conjunto é espetacular. Recomendo com um copo de bourbon e "Just another band from L.A." na "vitrola" (se é que alguém sabe o que é isto ainda).
"Zappa. Detritos Cósmicos", Fábio Massari (organizador), editora Conrad do Brasil, 1a. edição (2007) ISBN: 978-85-7616-229-2