sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

maigret se diverte

Nestes dias vagabundos de verão um romance policial relaxa um sujeito. Fazia tempo que não lia nada tão ligeiro como este "Maigret se diverte". O comissário está de férias, oficialmente na Côte d'Azur, mas ele prefere passar os dias discretamente em Paris, em seu próprio apartamento, desfrutando com sua mulher os bistrôs do bairro e fazendo com ela longas caminhadas. Seu substituto provisório, durante as férias, é o fiel inspetor Janvier. A trama da vez envolve o assassinato de uma jovem mulher no boulevard Haussmann, endereço dos endinheirados de Paris (estamos nos anos 1950, vale registrar). Os suspeitos são dois, seu marido e seu amante, ambos jovens médicos. Enquanto Janvier faz a investigação padrão, usando os recursos da polícia judiciária, Maigret acompanha tudo pelos jornais, assumindo sua condição de "flâneur". Simenon abusa do acaso, para proporcionar acesso de Maigret às informações que necessita para chegar a solução do caso simultaneamente ao investigador Janvier. Algo forçado, mas nada que impeça o leitor de passar bons momentos na companhia deste livro. Diversão tranquila de verão. [início - fim 12/01/2011]
"Maigret se diverte", Georges Simenon, tradução de Celina Portocarrero, editora L&PM Pocket (v. 767), 1a. edição (2009), brochura 11x18 cm, 169 págs. ISBN: 978-85-254-1887-6 [edição original: Maigret s'amuse, Presses de la Cité (França), 1957]

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

dublin ao sul

Em "Dublin ao Sul" estão reunidos 12 contos de Isidoro Blaisten, escritor argentino, morto em 2004. Comprei o livro por conta da menção a Dublin, pois imaginei que deveria haver algo relacionado ao velho e cansado James Joyce. Os contos me pareceram irregulares, mas é difícil julgá-los, pois o próprio tradutor reconhece alguma dificuldade em fixar em outra língua a prosa frenética e pontuada por coloquialismos utilizada por Blaisten. Ele foi membro correspondente da Real Academia Española e um escritor respeitado em seu país. Não tenho notícia de algum outro livro dele publicado aqui no Brasil. Dos contos, os que mais gostei foram "A pontualidade é a cortesia dos reis", uma história tensa, sobre um suicídio com hora marcada; "os tarmas", uma divertida história onde se conta a filosofia e a ética de um casal especialista em entrar em festas sem serem convidados; "o tio facundo", a história de um sujeito que chega de repente e transforma o cotidiano de toda uma família; "quebradeira em áries", o engraçado monólogo interior de um bêbado que acredita em horóscopos e "a porta em duas", uma tensa história onde um sujeito resolve construir uma estante para uma coleção de gibis. O conto que dá nome ao livro, "Dublin ao sul", fala sim de Joyce e do Ulysses. A idéia inicial é boa: um sujeito especialista no Ulysses participa e ganha um concurso televisivo, mudando-se para Dublin, onde passa seus dias em um castelo, seduzindo garotas irlandesas, se embebedando e relendo o livro. Divertido, mas o nonsense cansa o leitor. Os contos são sempre bem humorados e de fato bem escritos, mas há histórias onde a fantasia é demasiado franca para o meu gosto. De qualquer forma é sempre bom conhecer um novo autor e algo de sua obra. Vamos em frente. [início 21/12/2010 - fim 11/01/2011]
"Dublin ao sul", Isidoro Blaisten, tradução de Mauro Gama, São Paulo: A Girafa editora, 1a. edição (2007), brochura 14x21 cm, 206 págs. ISBN: 978-85-7719-020-1 [edição original: Dublín al sur, El Cid editor (Buenos Aires), 1981]

sábado, 22 de janeiro de 2011

no caminho de swann

Não me lembro de um único momento de aborrecimento ou tédio em nenhuma das vezes em que li "Em busca do tempo perdido". É verdade que na primeira vez, ainda no final dos anos 1970, em São Bernardo, tive de voltar várias vezes a biblioteca pública e renovar o empréstimo, pois Proust teimava em solicitar de mim um esforço não habitual. Lembro-me sim do velho professor Piccini, em uma manhã estival no Instituto de Física, sorrindo de minha concentração já nas páginas finais do ciclo (isto já era em meados dos anos 1980), comentando que as releituras seriam ainda mais prazerosas, apesar de igualmente trabalhosas. Nas palavras do próprio Proust: Sejamos gratos às pessoas que nos propiciam felicidade, são elas os adoráveis jardineiros que nos fazem florir a alma. Agora em 2011 farei cinquenta anos. Decidi que voltarei aos prazeres e os dias de leitura de muitas coisas, como este "No caminho de Swann". É o primeiro de um ciclo de sete volumes que conta a história de um aprendizado, que é vasto e complexo como a vida. Desafortunadamente destas vastidão e complexidade só teremos consciência plena após vivê-la completamente. Marcel Proust publicou-o em 1913. Nos nove anos seguintes ele se dedicaria a completar os demais volumes, mas só chegaria a corrigir completamente as provas tipográficas dos três volumes seguintes, mas isto tenho tempo de contar depois. "No caminho de Swann" é dividido em três partes: Combray, Um amor de Swann e Nome de terras: o nome. Em Combray, cidade do campo, afastada de Paris, acompanhamos as lembranças do narrador. Inicialmente ele é um jovem muito frágil, que cobra a presença da mãe para dormir, principalmente nos dias em que sua família recebe a visita do sofisticado Sr. Swann, pai de uma filha da mesma idade que o narrador. Os dias do narrador, na casa de sua tia-avó Léonie, são dados a conversações e passeios; um curto, o de Méséglise, passa perto da propriedade do Sr. Swann, e um outro caminho, longo, o de Guermantes, passa pelas terras dos senhores da região, perto de velhas igrejas românicas. As lembranças não são apenas da juventude do narrador, mas de todas suas, digamos assim, encarnações, fases de sua vida, pois ele sempre dá a entender ao leitor aspectos da evolução e das metamorfoses por que passarão ele, as coisas e as gentes que ele conheceu. Na segunda parte, um amor de Swann, voltamos no tempo, para os anos em que o Sr. Swann ainda não era casado. Ele é um sujeito muito rico e muito bem relacionado com a aristocracia - decadente, logo saberemos, na sociedade francesa do final do século XIX. Apesar da diferença de interesses e cultura ele se aproxima de um grupo de burgueses enriquecidos que se reune em um salão, o da Sra. Verdurin. Ali ele se envolve com uma jovem, Odette de Crécy, que certamente não é de sua classe social e nem do "seu tipo", como confessará a si mesmo anos depois. O leitor tem de ter um coração emparedado para não sofrer com Swann. Qualquer um que já amou lê como suas as paixões descritas por Proust. Qualquer um que já se desgraçou inutilmente por amor ou pela ilusão que o amor engendra irá se enredar na prosa de Proust como quem se afoga nas águas de um grande mar. Estas devem ser as páginas mais tristes que alguém já escreveu, principalmente por ser efêmera a eficácia do desgosto. Na última parte do livro, bem menor que as duas primeiras, encontramos o jovem narrador fazendo planos de ir as praias, ou a Veneza, no verão, mas sua saúde acaba prendendo-o em Paris. Ele passa as tardes nos Campos Elíseos parisienses, em jogos e brincadeiras, seu coração devotado à filha de Swann, Gilberte. Como em um sonho o livro termina e deixa o leitor a percorrer sua própria história, tentando encontrar ecos de si nos destroços de suas memórias. Não há nada que substitua a experiência de ler cada um dos livros deste ciclo. São tantos detalhes, alusões, digressões, que apenas o leitor atento e dedicado que completá-lo repetidas e entusiásticas vezes poderá, um dia, sorrir algo arrogante e dizer: Entendi, mas ainda há tanto para ser garimpado. Vamos começar novamente! A edição que li desta vez é a terceira, de 2006. É ainda a do Mario Quintana, publicada originalmente em 1948, mas revista e atualizada. A edição inclui uma cronologia da vida de Proust, um prefácio assinado por Olgária Matos, um longo posfácio assinado por Jeanne-Marie Gagnebin e um pequeno resumo e notas assinados por Guilherme Ignácio da Silva. Há notas que são curiosas e que apimentam a curiosidade do leitor, porém há coisas que são totalmente dispensáveis. Não há porque um leitor neófito saber que tal ou qual personagem se metamorfoseará em outro. Será somente no último volume do ciclo que as descrições do efeito da passagem do tempo nos personagem serão confrontadas com aquilo que o leitor imagina para o desfecho da trama. Acho inútil uma tola nota de rodapé roubar estes prazeres do leitor. Paciência. Dias após ter terminado soube que a Companhia das Letras irá publicar a partir do ano que vem uma tradução inteiramente nova de todo o ciclo. Incrível. Será esta provavelmente que lerei quando voltar aos "caminhos" quando tiver sessenta ou setenta anos. Com Proust estas felicidades nunca são mirradas. [início 01/01/2011 - fim 10/01/2011]
"No caminho de Swann: Em busca do tempo perdido (vol.1)", Marcel Proust, tradução de Mário Quintana, São Paulo: editora Globo, 3a. edição, revista (2006), brochura 16x23 cm, 558 págs. ISBN: 85-250-4225-0 [edição original: Du côté de chez Swann (Bernard Grasset), 1913]

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

historia abreviada de la literatura portátil

Os romances de Vila-Matas são essencialmente divertidos e brincam com a vontade do leitor de sempre saber mais, de fazer conexões eruditas, de se deleitar intelectualmente. Não é um exercício exatamente fácil, mas depois que entramos em seu jogo nos divertimos à beça (os leitores vaidosos de sua inteligência e/ou modernidade hão de sentir-se mais gratificados do que aqueles que apenas querem um par de horas de um bom livro). No fundo o que ele nos ensina é que não podemos ter fé cega em tudo o que é escrito, em tudo que é publicado, pois a palavra foi mesmo inventada para esconder o pensamento. O recorte que ele faz no livro, sua "história da literatura", é algo híbrido: um ensaio literário, um manual literário e também uma carta de intenções como autor. Publicado originalmente em 1985 "Historia abreviada de la literatura portátil" foi o livro que lhe trouxe reconhecimento em grande escala, tanto entre os leitores quanto entre a crítica literária. Vila-Matas parte de textos reais de dadaístas, surrealistas e outros escritores dos mais variados estilos, das duas primeiras décadas do século XX, para construir/inventar uma improvável sociedade literária secreta (chamada Shandy, algo emprestado à Lawrence Sterne) que teria existido entre 1924 e 1927 (da qual fariam parte Scott Fitzgerald, Walter Benjamin, Marcel Duchamp, Valery Larbaud, Georgia O´Keefe, Man Ray, Francis Picabia, Aleister Crowley, Blaise Cendrars e muitos outros). O livro é movimentado, leva o leitor de uma cidade européia a outra, de um encontro amalucado entre escritores e intelectuais e outro. É de fato muito instigante. Tudo tem algo de verossímel, mas Vila-Matas deixa toda história em um mar de contradições, que não permitem ao leitor descobrir de imediato o que é factual e o que é invenção. De qualquer forma achei tudo mesmo bem escrito, encontramos nesta "Historia abreviada..." um festival de jogos mentais agradáveis de se ler. Descobri que Vila-Matas mantêm (ou alguém mantêm para ele), um blog inteiramente dedicado a experimentação iniciada com o livro (http://www.enriquevilamatas.com/obra/l_halp.html). Aparentemente este jogo metaliterário continua funcionando bem, mais de vinte e cinco anos após sua publicação inicial. Bueno. Este é o quarto ou quinto Vila-Matas que já li. Comecei com o penúltimo, Dublinesca, que fala de seu Bloomsday particular, mas li também "La asesina ilustrada", seu segundo livro e o movimentado "Paris no se acaba nunca", de 2003. Tenho um bocado de outros livros dele, que vou ler com vagar ao longo deste ano. Ainda vou fazer uma conexão entre ele e o poderoso Javier Marías. Há tempo. [início 01/01/2011 - fim 05/01/2011]
"Historia abrevida de la literatura portátil", Enrique Vila-Matas, Barcelona: editorial Anagrama (colección compactos), 5a. edição (2009), brochura 13,5x20,5 cm, 125 págs. ISBN: 978-84-339-6648-3 [edição original: Anagrama (narrativas hispánicas), 1985]

sábado, 15 de janeiro de 2011

a balada do velho marinheiro

No primeiro dia do ano resolvi ler um poema forte, algo que marcasse as horas iniciais daquele dia vagabundo, silencioso, que parecia demorar mais para realmente começar, pois a maioria das gentes ainda dormia profundamente, recuperando-se dos festejos da noite. Calhei de escolher "A balada do velho marinheiro", poema romântico de Samuel Coleridge. Conhecia o poema por uma tradução do Paulo Vizioli, mas lembro-me que só realmente entendi a história por conta das interpretações do Harold Bloom e da Camilie Paglia. Já esta edição da Ateliê, cuja tradução é assinada por Alípio Correia de Franca Neto, é muito boa. Além do texto original e da tradução a edição inclui uma apresentação do professor Alfredo Bosi, sempre objetivo em suas considerações; uma detalhada cronologia da vida e da obra de Coleridge; ilustrações belíssimas de Gustave Doré e um ensaio longo de Franca Neto sobre os desafios da tradução de Coleridge. Ah!, a edição inclui também o "Kubla Khan", o mítico poema de Coleridge que foi imaginado em sonho e interrompido por um sujeito desastrado (mas esta é outra história). "The rime of the ancient mariner" foi publicado originalmente em 1798 e é considerado o poema inaugural do romantismo inglês. Nele acompanhamos alegoricamente a queda e a redenção dos homens. Um velho marinheiro se aproxima de um rapaz que se dirigia a um casamento e conta a ela sua desgraça: durante uma longa viagem pelo mar seu barco é desviado para o gélido atlântico sul; um albatroz parece guiar o barco para fora desta inóspita região, mas o marinheiro, inadvertidamente, mata o pássaro; a tripulação do barco culpa o marinheiro por sua má fortuna e amarra o albatroz morto em seu pescoço; um navio fantasma se aproxima e a alma de todos a bordo é disputada por dois espíritos: a morte e a vida-em-morte (death and life-in-death); a primeira ganha toda a tripulação e a segunda ganha a vida do marinheiro, que daí em diante terá uma vida pior que qualquer morte - punição por ter morto o albatroz; a morte leva os membros da tripulação e o barco afunda em um redemoinho (mas as almas dos marinheiros parecem ser levadas ao céu por bons espíritos; o marinheiro não afunda com o barco e é resgatado por um eremita e seu filho; novamente em terra o marinheiro cumpre seu destino: vagar pelo mundo, contando repetidas vezes sua funesta história. Cada vez que um sujeito lê um texto deste tipo encontra algo novo, possibilidades de interpretação novas, faz alusões, cria imagens, enfim, aprende algo que não havia entendido antes. "A balada do velho marinheiro" não é um conto de fadas, um conto gótico, mas sim um poema rico, poderoso, que leva o leitor a pensar. Não é isto o que sempre esperamos de um bom livro? [início 01/01/2011 - fim 02/01/2011]
"A balada do velho marinheiro", Samuel Taylor Coleridge, tradução de Alípio Correia de Franca Neto, ilustrações de Gustave Doré, Cotia - SP: Ateliê Editorial, 1a. edição (2005), capa-dura 20x27 cm, 240 págs. ISBN: 85-7480-273-5 [edição original: The rime of the ancient mariner (Lyricall Ballds), 1798]

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

contra um mundo melhor

Nos dois últimos dias do ano passado li este "Contra um mundo melhor", de Luiz Felipe Pondé, divertindo-me à beça. Enquanto cozinhava e enfrentava o fogo vez ou outra até ensaiva umas boas gargalhadas, pois o sujeito sabe criar argumentos fortes que não deixam a ironia e o sarcasmo de lado. Já tinha lido uma ou outra crônica dele na Folha de São Paulo, mas só agora, lendo estes "Ensaios do afeto", como ele mesmo chama estes textos, alcancei apreciar de fato seu trabalho. Que sujeito. Poético e erudito na medida certa. Ele fala da relação entre homens e mulheres; da vida em sociedade; da universidade brasileira; do judaísmo e da bíblia. Seus argumentos partem de seu cotidiano, de sua biografia, mas alcançam aquele território franco do universalismo. No fundo ele apresenta questões que incomodam o leitor e o levam a pensar. Nem sempre é isto o que um leitor acomodado e apático quer. Sua descrição de encontros e jantares "inteligentes" é impagável; sua crítica ao trabalho acadêmico frouxo, que se traveste de moderno, de pós-moderno, repleto de rótulos vazios, é muito pertinente; a forma como ele execra o provincianismo e a condescêndencia, expondo a hipocrisia das relações sociais é muito apropriada. O livro inclui muitas fotografias que criam uma atmosfera de sonho, gostei delas. Mas como em todo texto marcadamente confecional não sabemos se o que o autor conta representa um apenas um recorte de sua vida, reflexões que vão se modificar, se transformar, ou é algo perene, consolidado (afinal de contas cada um deve construir suas próprias idéias a partir do que está exposto por Pondé). Ao final do livro o leitor deixa o autor em um deserto, refletindo sobre possíveis religiosidades, sobre seu titubeante gnosticismo. Apesar de honesto (o livro é honesto como poucos) isto me parece algo artificial, algo pernóstico, pois lembra o isolamento de um Moisés, de um são Jerônimo, de um Buda (a vaidade é mesmo sempre onipotente nos homens). Mas isto não é exatamente um problema. "Contra um mundo melhor" é um livro que agradou-me como poucos, como só alguns livros o fazem, de tempos em tempos. [início 30/12/2010 - fim 31/12/2010]
"Contra um mundo melhor: Ensaios do afeto", Luiz Felipe Pondé, São Paulo: editora Leya, 1a. edição (2010), brochura 16x23 cm, 216 págs. ISBN: 978-85-62936-69-2

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

la muerte hace buena letra

"La muerte hace buena letra" é um romance coletivo assinado por onze escritores uruguaios: Mario Benedetti, Hugo Burel, Miguel Àngel Campodônico, Enrique Estrázulas, Milton Fornaro, Suleika Ibáñez, Sylvia Lago, Juan Carlos Mondragón, Teresa Porzecanski, Omar Prego Gadea e Elbio Rodríguez Barilari. A idéia original deste formato de produção literária foi de Omar Prego Gadea ainda no início dos anos 1970. Todavia, o golpe militar de 1973 no Uruguai adiou o projeto e somente vinte anos depois ele pôde ser concretizado. Prego Gadea convidou dez escritores (não exatamente os mesmos do projeto original). Foi acordado que cada um dos onze escreveria dois capítulos de uma história, em duas rodadas alternadas com os demais, seguindo a ordem alfabética de seus sobrenomes. Não houve regras restritas quanto ao gênero da história, o desenvolvimento do enredo e os estilos literários a serem seguidos. Após os vinte e dois capítulos terem sido escritos eles todos se reuniram e imaginaram um final coerente para o livro. Prego Gadea foi incumbido de escrever este último capítulo. A história é bem movimentada e talvez em função do número grande de autores cheia de reviravoltas e surpresas. O personagem principal é um escritor, Govoni, que foi casado duas vezes, publicou livros de sucesso, mas se encontra bloqueado. Ele dá uma entrevista falando sobre suas dificuldades em escrever que provoca muitas reações (sendo que a principal delas é sua morte, alguns capítulos depois). "La muerte hace buena letra" se transforma então um romance policial, mas um romance policial atípico, podemos dizer pós-moderno, com múltiplas vozes, pois há muitas citações literárias na história, o uso de cartas, sonhos, deslocamentos temporais, que dão a história alguma ossatura e que mantêm o leitor interessado no desenvolvimento do enredo. Mas o resultado final não me impressionou muito. As reviravoltas, o surgimento e ressurgimento de personagens secundários, as mudanças algo abruptas na personalidade deles tornam o livro artificial demais. Uma possível leitura do livro é a de que a morte do autor é uma metáfora do fim do processo autoral, das possibilidades de construir algo novo, artística e literariamente falando. Exótico, mas eu me diverti mais com as dificuldades para conseguir importar este livro. O Athos me alertou que havia um romance coletivo publicado no Uruguai nos anos 1990, no estilo que cá em Santa Maria se tem experimentado, ainda em março ou abril do ano passado. Tentei com várias importadoras, mas foi a velha Amazon quem me alcançou este volume. Vamos em frente. [início 25/12/2010 - fim 29/12/2010]
"La muerte hace buena letra", Omar Prego Gadea (org.), Montevideo: ediciones Trilce, 5a. edição (1994), brochura 13,5x21 cm, 215 págs. ISBN: 9974-32-063-1

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

diálogos sem fronteira

Por sugestão do industrioso Roberto Cataldo ainda antes de ler "A cidade silenciosa", que resenhei há pouco, encomendei este "Diálogos sem fronteira". Nele estão reunidas cartas, escritas por Sergio Faraco, brasileiro do Alegrete, e por Mario Arregui, uruguaio de Trinidad, entre julho de 1981 e fevereiro de 1985. A edição original, publicada em 1990 no Uruguai, coligiu um número bem menor das cartas, o que valoriza em muito esta edição brasileira. Faraco tinha quarenta anos quando teve a iniciativa de escrever a editora de Arregui no Uruguai solicitando sua autorização para a tradução e eventual publicação no Brasil de alguns de seus contos. Arregui (uns vinte e cinco anos mais velho) responde a carta e a partir daí uma amizade epistolar se inicia (eles só se encontraram uma única vez, na feira do livro de Porto Alegre de 1984, quando "Cavalos do amanhecer" foi lançado). No início as cartas tratam de questões técnicas de tradução. Aos poucos as cartas passam a englobar também questões pessoais. Na verdade desde o início Arregui trata Faraco como um "publisher" mais do que um tradutor, repassando a ele dúvidas editoriais, financeiras, pedindo a ele opiniões sobre seus projetos literários. Apesar de forte e significativa a obra de Arregui é pequena (ele não publicou mais do que cinquenta contos, muitos realmente bons, mas no conjunto trata-se de uma obra bastante irregular). À época desta troca de cartas praticamente todos os contos já havia sido publicada, - à exceção do póstumo "Ramos generales". Parte do trabalho de Faraco envolve selecionar dentre os contos publicados no Uruguai aqueles que comporiam os livros a serem lançados no Brasil. Através das cartas Arregui se apresenta quase sempre inseguro, tímido, transferindo a Faraco decisões sobre a própria construção dos contos, seus títulos, fechamentos, a estrutura deles, além de outras questões editoriais. "Diálogos sem fronteira" é um livro que conta a história de uma amizade sutil, um encontro de dois sujeitos com muitas afinidades (ambos marxistas, preocupados com questões sociais, ligados a produção primária). O livro inclui um prefácio e algumas cartas assinadas pelo filho de Arregui (Martin), um artista plástico muito ligado ao pai que também tornou-se amigo de Faraco. Curiosamente a capa do livro induz a uma troca de identidades, pois a foto de Faraco é de um senhor mais velho, enquanto a de Arregui é de um jovem senhor, o que - ao menos para mim - indica que a troca de papéis entre eles (a troca do papel de pupilo e o papel de mentor) não é algo a ser desconsiderada, por mais trivial e irrelevante que seja. Enfim, acho que é o tipo de livro que ajuda a entender melhor a obra dos dois missivistas. Bom divertimento. [início 01/12/2010 - fim 26/12/2010]
"Diálogos sem fronteira", Mario Arregui, Sergio Faraco, Porto Alegre: editora LP&M, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 244 págs. ISBN: 978-85-254-1941-5 [edição original: Mario Arregui & Sergio Faraco: Correspondência, editorial Monte Sexto (Montevideo), 1990]

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

excursão a tíndari

Publicado originalmente em 2000 "Excursão a Tíndari" é o sétimo volume de Andrea Camilleri dedicado as aventuras do comissário Montalbano. Neste livro o comissário mostra seu lado mais "utilitarista", vamos dizer assim. Pois na iminência de perder seu braço direito Mimí Augello (por transferência para outra comissaria, outra cidade) Montalbano desdobra-se em criar um vínculo afetivo entre ele e uma jovem guia turística que ambos conheceram em função de uma investigação. Esta jovem (Beba) aparecerá nos volumes seguintes de Camilleri já casada com Mimí. Bueno. Montalbano e sua equipe (um bando de "camorristas", como bem define seu superior imediato) investigam dois crimes muito distintos: o assassinato de um jovem e o desaparecimento de um casal de velhinhos. Com alguma arte e muito engenho Montalbano encontra a ligação entre os dois crimes e desvenda um caso de tráfico de orgãos, transplantes clandestinos, gerenciado pela máfia local e abastecido pelas levas de imigrantes pobres extra-comunitários (albaneses, tunisianos, magrebinos). Crimes cruéis porém verdadeiros. É curioso como Camilleri inclui objetivamente situações e temas terríveis, próprios de nosso tempo, no desenrolar das tramas de suas mirabolantes histórias policiais. Isto dá verossimilhança e força à elas. O tom ameno nas passagens onde Montalbano faz as vezes de cupido entre Mimí e Beba serve de contraponto aos temas mais espinhosos do livro. A ironia e o xadrez mental entre ele e um velho capo mafioso são o ponto alto do livro. A erudição, a intuição e mesmo a força física de Montalbano são exploradas no enredo. "Excursão a Tíndari" é um romance policial ligeiro, honesto. Com este acredito que terminei minha cota das traduções brasileiras dos livros de Camilleri. Acho que ainda tenho um ou dois exemplares em espanhol nos meus guardados. Se eu os encontrar logo ainda haverá livros dele neste ano. Veremos. [início 16/12/2010 - fim 23/12/2010]
"Excursão a Tíndari", Andrea Camilleri, tradução de Joana Angélica d´Avila Melo, Rio de Janeiro: editora Record (coleção Negra), 1a. edição (2002), brochura 14x21 cm, 223 págs. ISBN: 978-85-01-06093-3 [edição original: La gita a Tindari, Sellerio editore (Palermo), 2000]

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

a cidade silenciosa

Depois que o Ronaldo Lippold fez propaganda de Mario Arregui li "Cavalos do amanhecer" com muita satisfação (o povo das quintas-feiras também leu e se divertiu, cousa boa). Na feira do livro de Porto Alegre encontrei esta outra compilação de contos dele, também traduzidos pelo Sérgio Faraco. Comecei o livro animado mas se percebe logo que esta edição tem muito menos estofo que a anterior. São treze contos curtos, que se deixam ler em minutos. Não gostei da maioria deles. O tradutor, Sérgio Faraco, diz nas orelhas do livro que eles compõem um "hemisfério sombrio", de fato o rumor da morte percorre quase todas as histórias, mas eu acho apenas que eles são contos góticos de segunda linha, apenas contos de horror algo pretensiosos. Quando as histórias incluem diálogos o leitor fica hipnotizado de verdade, o sujeito sabe amarrar o ritmo de pessoas que conversam, que interagem, mas quando ele é apenas descritivo, quando cria o clima sombrio de suas monótonas histórias não há como o leitor não ficar entendiado. Estes personagens que estão sempre presos entre o sonho e a vigília, em transe, dominados por alguma maldição ou culpa são mesmo de amargar. Pode ser que eu tenha lido estes contos de mal humor, mas não tenho mesmo a menor paciência para isto. Claro, há dois ou três contos muito bons, que deixam o leitor apreciar a erudição e o domínio técnico de Arregui, mas um bom livro não pode contar apenas com um punhado de boas passagens para se sustentar. Além da apresentação de Sérgio Faraco e de ilustrações de Martin Arregui (filho do autor) o livro inclui um prólogo do próprio Mario Arregui, onde ele fala sobre seu projeto literário, de sua idéia do ofício de construir contos. Interessante, mas ele mistura o ensaio com umas idéias marxistas que são anacrônicas demais para serem apreciadas. Paciência, vamos em frente. [início 17/12/2010 - fim 23/12/2010]
"A cidade silenciosa", Mario Arregui, tradução de Sérgio Faraco, Porto Alegre: editora Movimento, 1a. edição (1985), brochura 14x21 cm, 88 págs. sem ISBN

sábado, 1 de janeiro de 2011

Le Cordon Bleu

Neste dias vagabundos de festas de final de ano pouco fiz além de ler e cozinhar um bocado. Além do trivial do dia a dia experimentei uns pratos novos, umas receitas que teimavam em me assombrar. Tentei usar tudo o que havia esquecido no freezer, fazer uma limpa, cousa boa, mas ainda deixei cositas por lá! Infelizmente os dias são finitos para esta classe de prazeres, o ano novo se apresenta e toma conta das vontades. Cozinhar é uma eterna luta contra o fogo e neste ano os combates culinários envolveram muito suor e paciência, tudo muito divertido afinal de contas. Entre um projeto culinário e outro tive a chance de ler bastante sobre a arte na cozinha (apesar de alguma invenção e improvisação serem bem vindas o ato de cozinhar envolve principalmente técnica e disciplina). “Técnicas culinárias essenciais” é um guia completo o suficiente. Aprendemos sobre as diferenças de tratamento que cada ingrediente merece, da terminologia e dos procedimentos para assar, guisar, grelhar, fritar e trinchar. Além disto, encontramos nele informações sobre os utensílios e equipamentos adequados à este prazeroso ofício. Com ilustrações e fotografias belíssimas o livro se deixa folhear como poucos. Quantos detalhes, quantos dados (quanto tempo devemos mesmo deixar um maço de espinafres cozinhando; por onde mesmo devemos destrinchar uma peça grande de porco, as caldas doces sobrevivem quanto tempo na geladeira?). Gostei mesmo deste livro (sei que ele me acompanhará por todo este ano - e provavelmente também nos próximos). Ulalá. Começamos bem. [início 10/11/2010 - fim 01/01/2011]
"Le Cordon Bleu: Técnicas culinárias essenciais", Pat Alburey, Chrissie Ingram, tradução de Eni Carmo de Oliveira Rodrigues, São Paulo: editora Nobel (Marco Zero), 1a. edição (2010), capa-dura 23x26 cm, 256 págs. ISBN: 978-85-213-1637-4 [edição original: Le Cordon Bleu kitchen essentials, Carrol & Brown Publishers Limited (Londres), 2006]