sexta-feira, 19 de outubro de 2007

taxi


Arre! Terminei de ler este Berenice Procura e fui logo procurar algo com mais estofo, esgotado que fiquei. Chega. Vou ficar um bom tempo sem ler nada de Garcia-Roza para ver se aparece uma saudade do Rio de Janeiro que me faça voltar a ler algo dele. O livro é repetitivo, surreal, quase risível acreditar que algo ali possa ser verossímil: uma taxista se faz detetive e investigadora, pesquisa, conversa, interroga, achaca, confronta, tudo isto entre uma corrida de taxi entre ipanema e o leme, aprendendo filosofias com seus cerebrais clientes. Tudo me pareceu artificial demais. Uma caverna artificial escondida a meio caminho do posto 6 e da lagoa Rodrigo de Freitas, só frequentada pelo trio de personagens principais da trama. Incrível. A idéia inicial segue o manual dos livros de detetive: um sujeito vê um crime na praia, logo percebe que uma outra pessoa também testemunhou a cena. Dias depois o segundo sujeito morre, de forma que a primeira testemunha deve começar por si mesma desvendar um crime torpe demais para interessar delegados e investigadores. Aliás neste volume não temos o curioso delegado Espinosa (ao menos não explicitamente, ele bem que poderia ser um dos passageiros da taxista voluntariosa da trama). Berenice me lembra Miss Marple, personagem de Agatha Christie que se fazia de boba para descobrir as soluções para enigmas e crimes misteriosos. O final lembra um epílogo de teatro grego, onde os personagens principais discutem o desfecho da trama. De qualquer forma este livro está longe de ser interessante. Fiquei entediado mesmo e só meu estoicismo para fazer-me terminar de lê-lo. Vamos ao Javier Marias que eu deixei de lado e já está a se mostrar deveras interessante.
Berenice Procura, Luiz Alfredo Garcia-Roza, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2005) ISBN: 85-359-0753-X

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

divâ


No mês passado comentei aqui que já que estava a ler os romances policiais de Montalbán sempre com renovado prazer havia chegado a hora de experimentar um autor brasileiro do mesmo gênero para compará-los. Li o primeiro Garcia-Roza publicado, ganhador do prêmio Jabuti, O silêncio da chuva. Fiquei dividido. O livro é bem escrito, mas a trama frouxa demais para meu gosto lapidado pelo Montalbán. Bom, a comparação é cruel, mas não há o que fazer. Resolvi ler dois dos últimos livros do Garcia-Roza publicados, fáceis de encontrar, para entendê-lo melhor. O que vou resenhar aqui é Espinosa sem saída, o outro, Berenice procura, ainda não li, mas vou resenhar na seqüência. Neste Espinosa sem saída temos uma trama que faz parte da experiência profissional do autor, um psicanalista, professor e autor de livros técnicos de psicanálise. Um crime incomum é cometido e um dos suspeitos é um sujeito casado com uma psicóloga bem-sucedida. O delegado Espinosa e sua brigada de auxiliares usam seu tempo livre para continuar a investigar um crime que usualmente seria arquivado pela irrelevância, pois o morto é um indigente, sem família, sem documentos, um não-cidadão. Um outro crime acontece e o desfecho do enredo entrelaça a elucidação de ambos. Esta elucidação passa pelos divâs dos personagens e também da própria cidade, assombrada por seus fantasmas e suas complexas camadas de extratos sociais. Uma farta descrição dos mecanismos dos traumas de infância, de perversões sexuais e patologias clínicas entram no enredo. Descobrimos quem são os assassinos. Fim do livro. Bem, o livro é bem escrito, os personagens interessantes, o cenário da zona sul carioca radiante em suas páginas, mas eu ainda não fui arrebatado por este delegado que gosta de literatura e filosofia e que tem uma ética incomum. Claro, vou me esforçar e ler mais livros deste sujeito. Quero tentar entender um tanto mais o Rio de Janeiro, que ele explica sem se utilizar dos argumentos batidos que usualmente associamos à cidade. Entretanto, assim como com o Montalbán, vou ter de garimpar nos sebos os livros mais antigos dele, esgotados que estão (este é mesmo um curioso fenômeno editorial brasileiro, as edições são tão pequenas, que mesmo um livro de relativo sucesso deve esperar anos para ser reeditado).
Espinosa Sem Saída, Luiz Alfredo Garcia-Roza, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2006) ISBN: 85-359-0939-7

domingo, 14 de outubro de 2007

anarquia

Woody Allen é um de meus cineastas favoritos (se não for o favorito, eu mesmo não se dizer isto). Seus livros de ficção são igualmente instigantes. Tenho vários, desde livros de contos humorísticos (Sem Plumas, Efeitos Colaterais) até os roteiros (Zelig, Manhattan, Hanna e suas irmãs, Stardust) e peças de teatro (Sonhos de um Sedutor, A lâmpada flutuante). Este Pura Anarquia, editado pela Tusquets espanhola e recém publicado ganhei de presente de dueña Helga. São contos curtos publicados na revista americana The New Yorker. Quase todos são desenvolvimentos de fatos bizarros que ele leu em jornais (um ator que é sequestrado na India, uma empresa que lançou uma roupa que exala diferentes odores, uma escola que faz exames de admissão para crianças recém nascidas). Todos são francamente debochados e muito bem escritos. Há muito de fantasia, humor, claro, e expressionismo no texto. Parte considerável deles gira em temas do mundo do cinema americano (atores, roteiristas, diretores, jornalistas), mas há muitos outros onde é o americano médio que está sob análise. Os desfechos dos contos são como manda o manual: rápidos e surpreendentes. Há muitos jogos mentais entre os personagens e também entre o autor e o leitor. Entretanto acredito que não é um livro para se ler de uma vez, de uma sentada só. Como em uma sessão de piadas há uma cota certa para a diversão, precisamos tomar fôlego entre um set e outro. Se é que eu posso sugerir algo voltaria a este livro para ler os contos sem ordem, abrindo o livro aleatoriamente e me divertindo até cansar, mas parando quando isto acontecesse. Gostei particularmente de um terço das histórias: uma que envolve uma reforma maluca de um apartamento (a receita para um desastre); uma em que um bebê recém nascido foi reprovado em um teste de admissão para sua escolinha (seus pais experimentam um ostracismo social medonho); um onde Woddy Allen comenta o que um leitor comum entende das trancendentais teorias físicas que são publicadas nos jornais; um outro onde Mickey Mouse se defende em um tribunal ; ainda um onde ficamos sabendo dos hábitos gastronômicos de Nietzsche. Não que as outras sejam menores ou mal escritas, mas em uma coleção de contos naturalmente fazemos estas eleições mentais. Gostei muito do livrinho.
Pura Anarquia, Woddy Allen, tradução de Carlos Milla Soler, editores Tusquets, 1a. edição (2007) ISBN: 978-84-8383-010-0

futuro

Alaor Chaves é um dos físicos brasileiros mais brilhantes de sua geração. Atual presidente da Sociedade Brasileira de Física é também autor de excelentes livros texto que são largamente utilizados nas universidades brasileiras em cursos de graduação de física e engenharia. Preocupado com o problema energético publicou recentemente um romance de ficção onde discute este tema. O romance é Nanocarbon, publicado pela Editorial LAB, selo da editora livros técnicos e científicos, LTC, muito conhecida no meio científico universitário. O livro é fácil de ler, o tom é francamente de divulgação científica, em que pese o esforço de Alaor Chaves em introduzir outros elementos ficcionais na trama. Toda a ação do livro se dá em um futuro não muito distante nos EUA. Um jovem físico desde seu curso de graduação demonstra um talento não usual em diferentes áreas da física, química e engenharia. Antes mesmo de terminar seu doutoramento tem uma idéia seminal que revoluciona o mercado mundial de energia e, com o dinheiro de um grande investidor, funda uma empresa que em um curto período de tempo, torna-se detentora do monopólio do fornecimento mundial de energia baseada em hidrogênio. A partir daí o tom é de um romance policial. O livro começa com um atentado terrorista em uma das instalações da empresa deste sujeito. Nos primeiros capítulos há uma fração maior daquilo que eu acredito ser o maior mérito do livro: a inclusão de conceitos importantes da ciência em uma linguagem bastante acessível sem a perda do ritmo da leitura e do desenvolvimento da trama. Mesmo correndo o risco de se tornar professoral demais Alaor Chaves consegue manter o interesse nestes temas espinhosos. Na segunda metade do livro estas definições e conceitos diminuem bastante pois o interesse se desloca em descobrir o autor do atentado e alcançar o desfecho da trama. De qualquer forma eu acho que o final do livro não ficou bom. Nos últimos capítulos o desfecho da trama foi muito acelerado e talvez em função disto eu não tenha entendido como uma pessoa que passou por tantas atribulações possa relaxar tanto a ponto de não se preocupar com algum tipo de vingança. Mas estamos no mundo da ficção e o Alaor é o senhor do destino dos personagens que criou e sabe para onde eles devem ir. Como toda a ação se passa nos EUA eu incluiria também algum jornalista na trama, para o bem da verossimilhança, pois me parece que seria impossível tudo o que acontece no livro se dar sem alguma cobertura feroz da mídia, mesmo se estamos falando de um futuro distante. Há pequenos truques literários na trama que fragilizam o texto, como um em que o personagem principal (logo após sofrer um atentado e ter se submetido a uma cirurgia plástica) telefona para meu antagonista (e provável mandante de um atentado) informando-lhe que estava vivo, tinha alterado a voz e estava com o rosto diferente. Qual a vantagem prática (mesmo para a trama literária) de dar estas informações ao sujeito? Como o livro se passa nos EUA há vários termos que me parecem brasileiros demais (pescou, detonou, tal e tal, gostosa, bagos, etc) que não se ambientam bem no cenário americano. Mas estou seguro que este é um livro que merece ser lido por todo aquele que gosta de um romance de ficção honesto. Se o livro fosse traduzido para o inglês e publicado nos EUA provavelmente faria algum sucesso. O tema é realmente atual e Alaor sabe como poucos as muitas implicações tecnológicas dos conceitos e idéias científicas básicas que incluiu na trama. Achei o livro bem escrito e como proposta editorial de fato interessante. Recomendo o livro sem medo.
Nanocarbon, Alaor Chaves, editora LTC (editorial LAB), 1a. edição (2007) ISBN: 978-85-216-1560-6

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

fútebol

Don Cataldo encontrou este livro em um centro catalão de reciclagem e o trouxe consigo para o Brasil. Antes mesmo de ler foi generoso e emprestou-me. Os curtos dias em que esteve em Santa Maria foram suficientes para que eu lesse o livrinho e conseguisse devolvê-lo antes da sua partida para Porto Alegre. Este é um Montalbán do final dos anos 80 (1988 para ser exato). Corresponde a algo imediatamente antes do "Labirinto Grego", que eu já resenhei por aqui. Como o projeto literário de Montalbán envolvia fazer um panorama da Espanha da transição para a democracia seguro que um tema como fútebol, caro aos espanhóis, teria de ser abordado por ele. Neste curto livrinho Carvalho é contratado para descobrir quem são os sujeitos que estão a ameaçar um centroavante recém contratado (por um time que é a própria alma da Catalunha, o Barcelona, apesar de não nominá-lo explicitamente). O mundo da política, do futebol e da especulação imobiliária, às vésperas das olimpíadas, se entrelaçam. Para descrever como não há competição esportiva separada de interesses econômicos terríveis, um outro time catalão, da medíocre terceira divisão, é invocado, e um outro centroavante faz par ao primeiro, aquele ameaçado de morte. Ao redor deste segundo centroavante, um antigo ídolo da cidade, há o mundo dos drogaditos da movida espanhola, o mundo dos deserdados pela modernidade. O futebol pode maravilhar a muitos mas é apenas uma máquina de fazer dinheiro para uns poucos, parece dizer-nos Montalbán, não pleno de razão. Enquanto Carvalho teima em entender o que há de comum (e de diferente) entre os dois centroavantes seu principal infomante das ruas, espécie de faz-tudo do submundo catalão, o engraxate Bromuro, um antigo combatente da divisão franquista Condor nas estepes russas, padece de uma doença terminal. O velho engraxate divide as atenções de Carvalho com o complexo mundo do futebol profissional. O que dizer de mais este Carvalho: literatura da melhor qualidade. Lê-se mesmo com genuíno prazer. Em tempo: desta vez há poucas receitas, mas o tema do livro vai se tornando indigesto demais para lembrar-mos destes bárbaros rituais gastronômicos.
El Delantero Centro Fue Asesinado al Atardecer, Manuel Vázquez Montalbán, editorial Planeta, 3a. edição (1997) ISBN: 978-84-0802-087-5

terça-feira, 2 de outubro de 2007

carioquices

Quem me apresentou a este livro foi don Frank Missell, que agora é um habitante eventual do bairro peixoto e se sente feliz no Rio de Janeiro com um peixe nas ondas de um mar. Por sugestão dele comprei este livro quando estava com planos de ir ao Rio, participar do LAW3M. Li algumas partes ainda em trânsito e com os sucessos dos passeios com minhas anfitriãs Cristina e Taiane, bem como Guto, Gabriela e Samuel, ele se revelou muito útil mesmo. Acabei deixando de presente para Cristina, amiga de muitas baladas e que realmente é apaixonada pelo Rio de Janeiro sentimental que todo brasileiro deve conhecer, mas logo encomendei outro à CESMA. Noutro dia uma lembrança de lá me fez voltar ao livro e acabei de lê-lo, aproveitando as muitas receitas que ele oferece. O formato deste misto de guia turístico e gastronômico da cidade do Rio de Janeiro é um tanto diferente das edições anteriores. Aqui o foco são os petiscos e as comidas de bar, os bolinhos de bacalhau, a carne-seca, as casquinhas de siri, a feijoada, o cabrito, a rabada. Descritos os pratos e as receitas o guia dá sugestões dos lugares onde aquele petisco ou prato em especial é melhor servido na cidade ou, ao menos, servido da forma mais tradicional e consagrada. A memória gastronômica de cada um de nós é sempre surpreendente. Marx dizia que somente conhecemos um povo ao tomarmos contato com seu pão e seu vinho. Se é que ele estava certo, no caso específico dos cariocas, somente vamos entendê-los ao compartilharmos seus bolinhos de camarão, seu chopp, sua carne-seca, seu caldinho de feijão, sua caipirinha. Este belo livro, cuja diagramação e ilustrações lembram um tanto a poluição visual típica deixada pelas quinquilharias dos botecos reais mais "pé sujos" é de fato muito bonito e sem dúvida editado com bom gosto. Como nas edições anteriores temos uma seção de serviços bem feita, com os horários de funcionamento e o endereço completo de todos os bares e restaurantes citados. Há espaços generosos ao longo do livro para fazermos nossas anotações, registrarmos nossas experiências pessoais. Meu exemplar virou uma espécie de diário atrasado daquela experiência, com lembranças da Tasca do Edgar, do Lamas, do Belmonte, do Bar Luiz, do Bracarense, do Jobi, do Garota de Ipanema, do Nova Capela. Mas do que isto um diário dos passeios pelas praias e a água de coco das manhãs longas de agosto. Eu confesso que gostaria de uma edição de bolso, com uns bons mapas nas guardas para facilitar a aventura de percorrer estes templos sagrados da gastronomia brazuca, mas esta é só uma idéia de um viajor contumaz. Belo livro.
Rio Botequim, os melhores petiscos e comidas de bar, Guilherme Studart, editora Casa da Palavra, 7a. edi ção (2006) ISBN: 85-77-3402-52

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

haroldo

Este pequeno livreto editado pelo industrioso Marcelo Tápia em colaboração com Ivan de Campos foi publicado como uma espécie de homenagem ao Haroldo de Campos morto em 2003. Trata-se da tradução de curtos fragmentos de cinco dos cantos da Odisséia. Sabe-se que após a publicação em 2002 do segundo volume da tradução completa da Ilíada, Haroldo de Campos (que preferia o termo transcriação à simples tradução) foi muitas vezes perguntado sobre a continuação natural da empreitada, que envolveria prosseguir em sua investigação do mundo grego relatado por Homero iniciando a transcriação completa também da Odisséia. Mas como a tarefa de traduzir a Ilíada levou o mágico número de dez anos (número idêntico ao de anos da batalha pela cidade de Tróia), ele sabia que a Odisséia certamente comprometeria número similar de anos. O agravamento de seu estado de saúde logo após a publicação da Ilíada impediu-o de continuar mesmo com suas atividades regulares, o que dizer do trabalho de joalheria pura que foram suas traduções. Ficamos assim sem mais este trabalho de Haroldo de Campos. Trajano Vieira (que não lamenta este fato) faz uma breve apresentação do livro e dos motivos que levaram Marcelo Tápia e Ivan de Campos a publicarem estes pequenos extratos de tradução. É uma edição bem cuidada, com o texto original velando a transcriação. Foram incluidas várias reproduções manuscritas do autor, que mostram um tanto do processo do trabalho utilizado por ele e tornam o livro muito agradável de se ler. Resolvi encomendar este livro e lê-lo pois ainda estou envolvido com o combate que é a leitura da tradução de Donaldo Schüler publicada pela LP&M. Ainda vou resenhar aqui o terceiro volume dos cantos traduzidos por Donaldo e voltarei, seguro como Ulisses, a cotejá-la com este breve livrinho de Haroldo de Campos.
Odisséia de Homero, fragmentos, Homero, tradução de Haroldo de Campos, editora Olavobrás, 1a. edição (2006) ISBN: 978-85-88-9331-87

grande guerra

Lourdes, já faz tempo, virou uma leitora disciplinada, que aceita e dá sugestões para os amigos. Vi este "a menina que roubava livros" com ela e pedi emprestado. Ao terminá-lo fiquei um tempo a pensar sobre o tempo que já fazia desde minhas últimas incursões nos temas espinhosos que envolvem a segunda grande guerra, a morte de inteligentes e tolos, fortes e fracos, ricos e pobre, bem como a morte de ciganos, russos, judeus, negros, deficientes, azarados simplesmente ou apenas os diferentes de todas as outras classes, sempre em grande escala. O livro de Markus Zusak, um australiano descendente de alemães, foca sua descrição da guerra na experiência vívida de uma menina de pouco mais de dez anos, Liesel Meminger, em uma pequena cidade do sul da Alemanha. Os crescentes desastres e horrores da guerra e o contato da pequena menina com os livros são marcadamente contrastantes. Cada um de nós normalmente esquece estes anos mágicos em que somos apresentados aos livros e que aos poucos vamos aprendendo a amá-los. Não é o caso dela, pois todas suas experiências estéticas são marcadas pela brutalidade da guerra de uma forma muito particular para serem simplesmente esquecidas. Repleto de ironias e nem um pouco auto-indulgente o livro faz também algumas experiências literárias, incluindo verbetes de dicionário para explicar o desenvolvimento quase embrionário da linguagem e do vocabulário da pequena leitora e também incluindo uma narradora eficientemente onisciente: a própria morte. Nos anos oitenta eu me lembro repetindo uma piada do Woody Allen onde ele dizia ter como única curiosidade em relação a morte sabê-la boa de cama ou não. Hoje sei que a morte é ainda mais cruel que a mais indiferente das mulheres sabe ser, portanto não haverá este tempo para uma última cantada às margens do Estige, do Aqueronte, do Lete e do Cócito. Mas voltemos ao livro. Apesar do carimbo indelével de best seller é mesmo um livro que se lê com um genuíno prazer. Há algo nele que me lembra aquela série de livrinhos da Natália: "Desventuras em Série", mas esta é outra história. Recomendo sem medo.
"A Menina que Roubava Livros", Markus Zusak, tradução de Vera Ribeiro, editora Intrínseca, 1a. edição (2007) ISBN: 978-85-980-7817-5