sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

juro no decir nunca la verdad

Em "Juro no decir nunca la verdad" encontramos 95 crônicas publicadas originalmente no El País Semanal entre 10 de fevereiro de 2013 e 01 de fevereiro deste terrível 2015 que se encerra. Mesmo passados os muitos meses de sua publicação nenhuma das crônicas parece datada ou envelhecida, nenhuma soa incongruente ou irrelevante. O estilista Javier Marías dos romances e contos é também um inventor inspirado em suas crônicas. Marías sobretudo argumenta, defende uma posição, contrasta seu entendimento das coisas com o senso comum ou com opiniões de terceiros. Ele sempre é implacável em seu juízo, mas nunca mal educado ou descortês. É justo (como sabem ser Eáco, Minos e Radamanto, os juízes do inferno), seja com os políticos de seu país, com o patético ex-treinador do seu time de futebol, com os funcionários de um aeroporto em Londres que roubaram pertences seus, com  colegas escritores, ou ainda com vizinhos de bairro e conterrâneos madrilleños. Trinta ou quarenta por cento dos textos são marcadamente políticos, onde Marías interpreta o momento político e econômico do seu e dos demais países da comunidade européia, mas há um número maior de textos sobre outros assuntos, como seu ofício, suas influências literárias, sua família e amigos, sua memória das coisas da infância ou juventude, seu azedume em relação a onipresença da igreja no cotidiano espanhol, sua paixão pelo cinema ou sua prática como acadêmico nas reuniões da Real Academia Española de la Lengua. Dos disparates que presencia ou lê brotam crônicas nada ligeiras. Produzidas para emular falsa simplicidade, elas se deixar ler nos domingos pela manhã ora com sorriso ora com esgar. Nelas encontramos argumentos vigorosos e complexos, seminais e definidores. Ele nunca é panfletário ou engajado (no mau sentido da palavra, ou seja, no sentido que experimentamos, por exemplo, na quase totalidade das opiniões de intelectuais e escritores brasileiros contemporâneos). Ele nunca se ilude com a aparência do que vê, reproduz versões oficiais, aceita as promessas ou regras dos jogos de poder (coisa que os servis jornalistas brasileiros, quase todos escravos mentais de alguma forma pagos com dinheiro público, fazem rotineiramente). Quando ele acusa um erro ou atenta para um problema sempre encadeia seus argumentos com lógica e método. Ele antecipa movimentos e/ou desdobramentos dos fatos aparentemente corriqueiros que registra. Apesar de reiteradas mostras de sabedoria Marías nunca é pedante (seu humor é algo que encanta o leitor mesmo quando o assunto é árido, complicado, de entendimento sutil). Como não rir do sarcasmo de um "Si los tontos volaran no se vería el sol"? Pois então. Quer ler algo não ficcional de Javier Marías? Experimente a leitura de qualquer um de seus conjuntos de crônicas: Mano de sombraSeré amado cuando falteA veces un caballeroHarán de mí un criminalEl oficio de oír lloverDemasiada nieve alrededorNi se les ocurra disparar e Tiempos ridículos. Em todos encontramos aulas exemplares da história recente da Espanha. Bom divertimento. Cabe aqui uma última nota. Há um causo que vou lamentar por muitos anos ainda. Acontece que perdi a oportunidade, em fevereiro último, de cumprimentar don Javier Marías. O vi na Calle Cava Baja, em Madrid. Estávamos Lola, Manolo e eu saindo da Taberna e Posada de la Villa, onde havíamos tomado umas copas e fazíamos planos para jantar. Lola chamou nossa atenção e disse que o Marías estava ali, na diagonal, do outro lado da rua, fumando calmo seu cigarro debaixo do dintel de uma porta. Fiz menção de irmos lá cumprimentá-lo, porém Lola lembrou do quão zeloso de sua privacidade era ele. Estava frio naquele inverno e o lusco-fusco do início da noite fazia as luzes bruxulearem. Ficamos uns minutos ali parados, indecisos, em quase transe. Manolo bromeava como sempre faz, nos incentivando a cruzarmos a rua e eventualmente recebermos nossa cota de impropérios marianos. Lola lembrou de uma amiga que não foi exatamente bem recebida em circunstâncias parecidas. Fomos covardes, ai de nós, decidimos deixá-lo na paz de seu santo cigarro. Seguimos no sentido oposto, Cava Baja abaixo e ficamos um bom tempo falando dele e de seus livros. Manolo ria de nossa continuada timidez. Nem Lola nem eu sabíamos explicar o que de fato nos impediu. Era tarde. Como teria sido divertido ter ao menos balbuciado um par de frases com ele naquele dia. Vale.
[início: 07/10/2015 - fim: 05/12/2015]
"Juro no decir nunca la verdad", Javier Marías, Madrid: Alfaguara (Grupo Santillana de ediciones), 1a. edição (2015), brochura 14x22 cm, 378 págs. ISBN: 978-84-204-1210-8
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Balanço final [25.12.2015]
Ninguém intelectualmente honesto pode dizer que 2015 foi um bom ano para o Brasil e para os brasileiros. E mais não digo sobre a irreversível miséria mental e moral que se abateu sobre esse desgraçado país. Ponto. Li um bocado, 109 livros, mas não consegui produzir as resenhas no mesmo ritmo das leituras (o fato de mudar de apartamento e queimar meu computador semanas atrás explica um tanto, mas não tudo deste descompasso). Estou devendo escrever registros de livros que li ainda no início de novembro. Paciência. Esse foi o ano dos romances. Foram 41 (38% do total). Só em 2009 havia lido tantas narrativas longas (talvez para compensar o fato de ter-me dedicado no ano passado a ler muitos ensaios e outros volumes de não-ficção). Nessa cota de romances quase um terço é invenção do Patrick Modiano, prêmio Nobel do ano passado, que li com disciplina e método (a obra dele é mesmo um interessante mosaico de livros curtos e potentes). Li um bom conjunto de livros em espanhol e vários em inglês comprados em Dublin, livros que tratam do mundo de James Joyce, pomos de ouro colhidos numa viagem há tanto tempo planejada. Li volumes do Haruki Murakami que não me agradaram nada, coisas da Natalia Ginzburg que me agradaram um bocado e reli o ciclo Fundação do Asimov com pouco mais que tédio (Noigandres, eh noigandres). Gostei dos vários Joseph Roth que li e fiquei realmente impressionado com o poder da narrativa do romeno Mircea Cartarescu (haverá vários dele em 2016, seguro que sim). Dediquei bom tempo ao robusto conjunto de ensaios sobre J.M. Coetzee editado pelo Lawrence Flores e a Kathrin Rosenfield. Aproveitei cada minuto da leitura da tradução que o Lawrence fez do Hamlet. Ouro puro. Li vários livros independentes (digamos assim), livros editados por pequenas editoras, de gente que acredita sobretudo no poder da palavra e de sua capacidade de contribuir com algo seu no mar revolto da literatura (autores que ou são vaidosos o suficiente ou muito seguros de si para se atreverem-se a publicar algo numa época em que a maioria das pessoas mais se orgulha de ser imbecil e/ou analfabeta do que qualquer outra coisa). Fiz 109 registros de leitura, um tanto acima da média dos três anteriores, mas algo abaixo da média histórica, iniciada em 2007, que é agora de 113 livros por ano. Foram 41 romances; 17 de crônicas e ensaios; 14 de contos; 7 de histórias em quadrinhos, graphic novels, cartuns ou mangás; 6 novelas; 5 de poesia; 3 de perfis, biografias, memórias e relatos; outros 3 de ficção científica; 2 de fotografias e 2 de turismo; além de apenas um dos seguintes nove gêneros: romances policiais; infanto-juvenis; gastronomia; arte; didáticos; dramas; cartas; catálogos e de divulgação científica. Abandonei uma miríade de projetos, desisti de coisas que sabia serem fundamentais, importantes até demais, mas que não resistiram a meu caótico processo de leitura. Ultrapassei a mítica marca dos 1000 livros lidos desde que comecei a fazer esses registros (sabe-se lá quantos livros li antes, entre meados dos anos 1970 e o final de 2006, mas sei que foram mais de 2000). Falei sobre a vertigem de fazer essa lista de livros lidos num artigo publicado na Revista Cândido (da Biblioteca Pública do Paraná). Fizemos a festa dos 90 anos para meu pai, o original Aguinaldo Severino, grande festa, grandes alegrias. O Sr. BB, o mais jovem de nossos gatos, morreu. A Pato, a nova mais jovem gata, apareceu. Helga e Natália seguem bem. Estamos a sair do #403 para o #902, animados. Organizei com ajuda da CESMA e do Ponto de Cinema mais uma edição do Bloomsday Santa Maria, a vigésima-segunda da série. No ano que vem faremos a edição número 23 e comemoraremos os cinquenta anos da tradução que o Antônio Houaiss fez do Ulysses (o Galindo até reclamou da escolha, mas para ele já tenho planos, em 2022). Viajei para Dublin, Pamplona e Madrid. Em Dublin tive a sorte de conhecer dois arquitetos, o Kevin e seu irmão John, esse último um sujeito que sabia um bocado de coisas sobre o Joyce e me abriu um bocado de portas mágicas (sem ele não teria conhecido o mercurial Brendan e sua James Joyce House, nem as casas onde viveu James Joyce, nos subúrbios ao sul de Dublin, Rathgar e Rathmines). Conhecer o adorável P.J. Murphy, o industrioso Conor Fennell e o povo amigo da Martello Tower também foram experiências dos diabos. Nunca há timidez quando se trata de verdadeiros viciados em James Joyce e sua obra. A cidade tratou-me com cortesia e eu soube bem minha cota de Guinness. Sláinte. Ah! E em 2016 começo o décimo ano desta série de registros de leitura. Veremos.
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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

o homem que queria ser rei

Em "O homem que queria ser rei" Kipling cria um narrador que nos conta a história de dois ingleses, Peachy Carnehan e Daniel Dravot, que empreendem a façanha de tornarem-se reis em um pequeno vale nos confins do Afeganistão. A história se passa na primeira metade do século XIX, quando a Inglaterra já controla e administra os territórios atuais da Índia, Paquistão, Bangladesh e Mianmar. O narrador é um jornalista que encontra por acaso um dos sujeitos ambiciosos em uma viagem de trem. Este o convence a entrar em contato com um seu colega e transmitir-lhe uma mensagem cifrada. Antecipando os riscos envolvidos no planos dos dois sujeitos o jornalista num primeiro momento consegue impedi-los de cruzar a fronteira em direção ao Afeganistão quando alerta as autoridades da presença dos dois aventureiros na região. Os dois posteriormente o procuram na redação do jornal e conseguem dele mapas e informações atualizadas sobre a geopolítica da região. Entediado no tórrido verão indiano e sem notícias importantes para divulgar dessa vez ele se diverte alimentando o mirabolante plano dos dois, já que no fundo pouco acredita em sua viabilidade. Despede-se dos dois quando ambos já estão disfarçados de peregrinos muçulmanos em uma caravana rumo à fronteira. Anos mais tarde, Carnehan, bastante ferido e visivelmente endoidecido, aparece na redação do jornal, conta detalhes de suas aventuras e as circunstâncias da morte de Dravot. Trata-se de uma novela engajada, moral, metafórica, através da qual Kipling denuncia os métodos de dominação inglesa do subcontinente indiano. A história faz várias alusões aos ritos e à simbologia maçônica (Carnehan e Dravot utilizam princípios e técnicas dos maçons para fazerem-se passar por deuses encarnados e submeterem os habitantes do longínquo e miserável vale afegão). A história é movimentada e divertida. Lembro-me de ter visto uma versão cinematográfica dela em meados dos anos 1970 (Sean Connery no papel de Dravot e Michael Caine no de Carnehan, John Houston assinou a direção do filme). Esse livro faz parte de uma coleção de histórias curtas (A arte da novela, da Grua Livros, originalmente produzidas pela Melville House Publishing, da qual já li "A briga dos dois Ivans", "A lição do mestre", "O colóquio dos cachorros", "Michael Kohlhass" e "O véu erguido").
[início: 02/12/2015 - fim: 03/12/2015]
"O homem que queria ser rei", Rudyard Kipling, tradução de Sérgio Flaksman, São Paulo: Grua livros, 1a. edição (2015), brochura 13x18 cm., 74 págs., ISBN: 978-85- 61578-49-7 [edição original: The Man Who Would Be King / The Phantom 'Rickshaw and Other Eerie Tales (Allahabad/India: A.H. Wheeler and Co. of Allahabad) 1888]

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

dicionário amoroso do rio de janeiro

Esse é um dos volumes da coleção "Dicionário Amoroso de ..." editados pela Casarão do Verbo. Já fiz visitas guiadas pelo Recife de Urariano Mota, a Salvador de João Filho, a Porto Alegre de Altair Martins e a Curitiba de Marcio Renato dos Santos, agora é a vez do Rio de Janeiro de Alvaro Costa e Silva. São 48 verbetes, 48 crônicas curtas, onde ele conta algo dos lugares que frequenta e aprendeu a amar. É um livro que canta mais a cidade, o centro da cidade, suas ruas e gentes, menos seu mar e suas praias, de seus morros e de sua periferia. Um outro escritor ou jornalista que fosse escalado para sua função talvez escolhesse outros temas, os abordaria de forma diferente, enfatizaria outros assuntos, elencaria outros personagens para ilustrar a persona do carioca arquetípico. Como não, em se tratando de uma cidade tão plural e encantadora quanto o Rio de Janeiro? Há temas inevitáveis, claro. Alvaro fala de bares e sambistas, das ruas e do futebol, dos blocos de carnaval e dos muitos cronistas que já contaram como ele a cidade, mas consegue escapar de esteriótipos e generalizações. Alguns verbetes são criações de amigos: Alexei Bueno fala das esculturas da cidade; Luiz Simas de velhos sambas de enredo; Ruy Castro dos sebos; Alberto Mussa dos romances ali ambientados; Kamille Viola de algo da vida noturna. As ilustrações do livro são assinadas por Aliedo Kammar. Divertido.
[início: 11/12/2015 - fim: 13/12/2015]
"Dicionário amoroso do Rio de Janeiro", Alvaro Costa e Silva, Anajé/Bahia: Editora Casarão do Verbo, 1a. edição (2015), brochura 15x23 cm., 272 págs., ISBN: 978-85-61878-45-0

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

o ano em que vivi de literatura

O ano de Graciliano, um escritor gaúcho radicado no Rio de Janeiro e narrador de "O ano em que vivi de literatura", é 2011, mas começa mesmo em novembro de 2010, quando encontra por acaso, num elevador de hotel paulista, uma das juradas de um grande prêmio literário. O sujeito eventualmente ganha o tal prêmio (que ele, antes um bom arrivista que um falso intelectual, transforma num apartamento no Humaitá, bairro de classe média carioca). Graciliano passa seu frenético ano de reinado mundano e literário tentando não pensar no livro novo que deveria escrever, trepando e se embebedando sempre que possível e assombrado com as lembranças de uma irmã de quem não tem notícias há vinte e cinco anos. Paulo Scott utiliza parágrafos longos onde registra muito bem tanto o fluxo de consciência de seu protagonista, seu mundo interior e suas dúvidas, quanto os diálogos exaltados que Graciliano mantém com os bizarros personagens que inventou. Ele descreve com sarcasmo tribos urbanas e literárias, hipsters e acadêmicos, jornalistas e blogueiros, editores e cineastas, todos iguais em suas ilusões, superficialidade, ufanismo, incomunicabilidade e inevitável decadência. O ritmo do livro e o protagonista lembram muito "La dolce vita" (de Fellini) e "Celebrity" (de Woody Allen). Assim como nesses dois filmes assistimos o falso glamour de certos ofícios e vidas (as de jornalista ou de cineasta, respectivamente), "O ano em que vivi de literatura" oferece ao leitor um antídoto à ambição de escrever e tornar-se um ícone literário. O livro termina reproduzindo um encontro casual num elevador de hotel, mas agora Graciliano é apenas cortês, não o escritor sedutor e envolvente que encontramos no início do livro, já parece imunizado do torpor que o cegava, parece ter se apercebido antes que os demais os desdobramentos inevitáveis de uma vida de auto-engano.
[início: 05/11/2015 - 09/11/2015]
"O ano em que vivi de literatura", Paulo Scott, Rio de Janeiro: editora Foz, 1a. edição (2015), brochura 14x23 cm., 253 págs., ISBN: 978-85- 66023-25-1

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

la hierba de las noches

Esse é o décimo-terceiro livro de Patrick Modiano que registro aqui. No ano passado só havia lido um, o infanto-juvenil "Catherine Certitude", logo após a notícia de que ele havia ganho o prêmio Nobel, mas nesse movimentado 2015 consegui encontrar vários outros volumes da serpeante obra desse prolífico escritor. Bueno. "La hierba de las noches" é recente, publicado originalmente em 2012 (o mais recente é "Para que no te pierdas en el barrio"). Como tantas vezes nos demais romances dele encontramos um narrador que explora um mundo que é como a vida real, sempre estranha, no limite do ponderável, surpreendente. Esse narrador descreve a vida como se estivesse encapsulada em uma redoma de vidro. Em algum momento (após muito ver, guardar, experimentar e esquecer) o narrador passa por uma metamorfose e torna-se um escritor, que registra o que lembra, como se sempre tivesse sido um duplo de si mesmo. Em "La hierba de las noches" o narrador é um jovem que nunca larga sua caderneta de anotações, sempre fazendo o censo das tribos urbanas da noite parisiense. Ele é sobretudo alguém que ouve os demais, dá atenção a estranhos, finge acompanhar o raciocínio e as histórias de pessoas desconhecidas. Ser dissimulado não é exatamente falta de caráter ou o comportamento de um trapaceiro, ele faz isso por hábito, como se fosse um colecionador de histórias, nomes e lugares. Esse narrador se envolve com uma garota, estudante universitária. Ela provavelmente anda em más companhias (talvez escroques menores, traficantes, bêbados da noite do Quartier Latin, aliciadores de sua amada, assim pensa o narrador quando jovem,  mas eles são mesmo um grupo de espiões do governo marroquino que atuam clandestinamente em território francês). Em algum momento a garota desaparece, alcança dizer a ele de sua iminente fuga para a Suiça. Ele apenas saberá algo da razões e da verdade quando escrever sobre ela, passados cinquenta anos, anos vividos à mercê dos silêncios, do esquecimento, dos enganos autoinfligidos. Modiano nos lembra que os encontros verdadeiros entre duas pessoas são aqueles nos quais ambas nada sabem uma da outra. Diz também que sempre somos mais discretos sobre nossos amores, sobre nossa vida íntima (do que somos com as paixões alheias) e portanto nunca escrevemos verdadeiramente sobre esses afetos. Fazemos isso porque talvez tenhamos muito medo de perder algo precioso ao ler o que escrevemos no passado sobre nosso arrebatamento, como se estivéssemos lendo um romance vulgar, uma ficção barata. É triste, mas verdadeiro.
[início: 28/10/2015 - fim: 31/10/2015]
"La hierba de las noches", Patrick Modiano, tradução de María Teresa Gallego Urrutia, Barcelona: editorial Anagrama (Panorama de Narrativas #864), 2a. edição (2014), brochura 14x22 cm., 166 págs., ISBN: 978-84-339-7894-3 [edição original: L'kerbe des nuits (Paris: éditions Gallimard) 2012]

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

o frango ensopado da minha mãe

Se lhe cabe nessas festas de final de ano presentear uma pessoa querida (e que goste simultaneamente de culinária e de boa literatura) talvez seja o caso de considerar esse livro da Nina Horta. Quem acompanha suas crônicas semanais na Folha de São Paulo sabe o quão bem ela escreve. Não se trata de uma neófita das letras, uma iniciante dos livros (ainda tenho em meus guardados - e uso - seu "Não é sopa", livro de crônicas e receitas lançado há vinte anos). Em "O frango ensopado da minha mãe" estão reunidas 115 crônicas. Seus assuntos são variados, ela fala do negócio da comida, da alimentação, dos hábitos culinários, da qualidade dos produtos, das memórias paulistas, da perenidade de certas receitas, da gastronomia como fenômeno social, das viagens pelo mundo, faz resenha de livros. Todavia o que torna esse livro especial é a qualidade do texto. Nina Horta faz associações poderosas, cria imagens vívidas de suas experiências, usa um vocabulário rico, cita autores clássicos sem nunca ser pedante. As décadas de experiência em sua empresa de buffet forjaram uma mulher que equilibra bem o humor e a seriedade, partilha sem medo sua sabedoria prática, demonstra ser boa observadora. Em certas crônicas ela está no campo ou na praia e ensina coisas como os passos rápidos para matar e preparar uma galinha; noutras ela está totalmente urbana, senhora dos jogos mundanos, como quando num restaurante sofisticado faz um censo quase cruel dos demais clientes, imaginando suas vidas e pequenas misérias. O livro inclui algumas invenções, bons textos de ficção (Seu "Otelmo" é divertidíssimo, um disfarçado Hamlet mineiro). Divertido.
[início: 09/11/2015 - fim: 11/11/2015]
"O frango ensopado da minha mãe: Crônicas de comida", Nina Horta, São Paulo: editora Schwarcz (Companhia das Letras), 1a. edição (2015), brochura 14x21 cm., 280 págs., ISBN: 978-85-359-2639-2