sexta-feira, 4 de março de 2011

a veces un caballero

Terminei de ler este "A veces un caballero" no dia 22 de fevereiro, dia em que o Aguinaldo Severino original, meu pai, fez seus 86 anos (há uns 70 certamente um perfeito cavalheiro). Escrevo estes apontamentos hoje, 04 de março, dia em completo meus 50 anos. Mas eu, se as vezes me comporto como um cavalheiro, o faço provavelmente mais por descuido que por hábito. Bueno. "A veces un caballero" é um livro muito bom. Javier Marías reune 104 crônicas, publicadas originalmente entre novembro de 1998 e fevereiro de 2011. Como um genuíno "antena da raça" ele antecipa temas e debates. Por exemplo, em uma das crônicas ele questiona o valor e a necessidade de uma lei aprovada pelo parlamento sueco onde um ato sexual consumado sem preservativos passava a ser considerado uma espécie de estupro. Escrita há dez anos esta crônica poderia parecer irrelevante, mas é exatamente esta lei que hoje esta sendo utilizada para extraditar Julian Assange, o fundador do wikileaks, para a Suécia (e de onde provavelmente será extraditado para Guantánamo, como quer os EUA). Noutra crônica ele desdenha da estupidez em se advogar que nas flexões de gênero todos os substantivos sejam biformes (cousa que nos dias que correm uma nova senadora da república brasileira - patética que é - se orgulha em defender). Em uma outra ele fala com derrisão da má qualidade do jornalismo praticado pelas novas gerações de jornalistas de seu país. E para citar apenas mais uma (dentre a centena restante) ele nos lembra em uma delas o quão fácil é cair na tentação do xenofobismo, apontando os pequenos deslizes do cotidiano com os quais os europeus do oeste e americanos do norte (de dez anos atrás, incrível) já sinalizavam segregar minorias, livres-pensadores e imigrantes. Defendendo em primeiro lugar sempre a liberdade individual e o bem coletivo não há tema, por irrelevante que seja, longe de suas análises e desconstruções, de sua ironia e sarcasmo. O que realmente me encanta em seu texto é sua capacidade de oferecer ao leitor um tempo de reflexão imerso em sua prosa. Ao mesmo tempo em que acompanhamos sua linha de raciocínio, refletimos e eventualmente o contra-argumentamos mentalmente. Nestes dias de imbecilidade reinante (principalmente no Brasil, onde muita gente parece ter orgulho de ser iletrado ou se comportar como massa de manobra) acompanhar suas reflexões e argumentos é um privilégio. Javier Marías é mesmo o sujeito mais lúcido, o articulista intelectualmente mais honesto e o pensador mais corajoso que li nestes últimos tempos. A frase completa (mais bem o lema) que Marías utilizou para definir o nome deste seu livro é: "A veces un caballero debe dejarse engañar". Talvez seja assim que eu deva fazer. Talvez seja através de reflexões desta natureza que homens como ele ou meu pai alcançaram algum conforto intelectual, alguma sabedoria prática, alguma ferramenta para louvar a liberdade nestes tempos tão medíocres. Vamos a ver. [início 01/02/2011 - fim 22/02/2011]
"A veces un caballero", Javier Marías, Madrid: Alfaguara (Grupo Santillana de ediciones) , 1a. edição (2001), brochura 14x22 cm, 398 págs. ISBN: 84-204-4289-5

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