quarta-feira, 28 de outubro de 2009

barcelona

De todos os guias e mapas que já comprei ao longo de minhas modestas e curtas viagens este é que mais me agradou, por isto decidi resenhá-lo aqui. Ele é pequeno, cabe no bolso de um casaco em um dia de inverno ou em uma bolsa à tiracolo em um dia de verão. Cada página se divide entre um mapa que se desdobra e uma página de informações. Assim o leitor, viajante, turista, curioso, vai de bairro a bairro da velha feiticeira sem chance de esquecer uma dica cultural, gastronômica, irrelevante que seja, por conta de divisões aleatórias do conteúdo "turístico" que cada cidade tem. O livro é bem ilustrado, as fotos são de boa qualidade. O texto é objetivo e direto, sem muita adjetivação. Depois dos mapas e da descrição dos bairros as usuais seções de um livro de viagens aparece: dicas de aeroporto e de translados, dicas de gastronomia e de compras, dicas de bancos e de festas. Na verdade cada um de nós deve construir seu guia pessoal de cada cidade que visita, de cada região que explora, de cada país com o qual se envolve, mas na falta deste envolvimento um bom guia sempre é fundamental. Bom divertimento. [início 01/08/2009 - fim 26/09/2009]
"Barcelona: Plano guia, la ciudad, plano a plano, guía práctica", Llátzer Moix, Josep Liz, editorial Turism de Barcelona - Triangle Postals (1a. edição) 2009, brochura 11x19,5, 64 págs., ISBN: 978-84-8478-367-1

sábado, 24 de outubro de 2009

lluvia roja

Cees Nooteboom é o tipo de sujeito que não me canso de recomendar. "Lluvia roja" foi publicado originalmente em 2007. Esta tradução espanhola que li foi publicada agora há pouco e está fresca como pão quente. A edição, muito bem cuidada, é de junho de 2009. Nooteboom colige três grupos de artigos curtos. São fragmentos de memórias, de experiências e fatos acontecidos com ele nos últimos quarenta, cinquenta anos, mas como bom ficcionista que é inclui textos algo mais inventivos, como em uma sinfonia: um prólogo, dois intermezzos e uma coda, muito boa mesmo, maravilhosa. Há também um poema, que fecha o livro e parece indicar um caminho para o leitor. Que sujeito! Boa parte dos textos falam de suas temporadas de verão em Menorca, a menor das ilhas Baleares espanholas. Ele descreve sua inserção em um canto afastado da ilha, como conheceu e fez amizades com os moradores, como aprendeu a respeitar o ritmo e as transformações do lugar. Ao mesmo tempo ele fala de suas viagens pelo mundo, da aventura de conhecer línguas novas e modos de pensar diferentes; fala também de seus companheiros de viagens e de trabalho, de sua admiração pelo teatro, pela culinária e a botânica; fala de suas leituras e dos escritores que o influenciaram; dos leitores que encontra e com quem conversa; da memória das coisas e das pessoas. Acho incrível como ele encontra poesia em assuntos tão distintos, por vezes tão áridos. Nooteboom descreve o ato de viajar sem glamurizá-lo, com sabedoria ele ensina ao leitor que o desejo de experimentar este estilo de vida, de ser nômade, deve respeitar nossa bússola interior, que afinal é a única que importa e é confiável. Quem tiver a sorte de viajar com este errante Nooteboom terá experiências incríveis. [início 20/09/2009 - fim 25/09/2009]
"Lluvia roja", Cees Nooteboom, tradução de Isabel-Clara Lorda Vidal, Ediciones Siruela - debolsillo (1a. edição) 2009, brochura 14x21,5, 205 págs., ISBN: 978-84-9841-258-1

domingo, 18 de outubro de 2009

pamplona

Quando lemos "O caminho de Swann" de Proust acompanhamos o narrador e sua família por dois passeios dominicais pelas vizinhanças da casa de campo em Combray. Um é o caminho de Swann propriamente, o outro o caminho de Guermantes. Em algum ponto após descrever um deles o narrador diz: "...je tourne une rue... mais... c’est dans mon coeur. - Dobro uma esquina..., mas dentro do meu coração." Estes desvios são sim sempre muito mais numerosos (e sempre mais poderosos) que aqueles que fazemos fisicamente em nossas vidas. Resolvi resenhar aqui o guia turístico da prefeitura de Pamplona em Navarra "Pamplona: guía breve", pois de uma certa maneira também lá fiz um desvio "dans mon coeur." Pamplona é uma cidade pequena para os padrões brasileiros (deve ter um pouco mais de 250.000 habitantes), mas causou-me um impressão muito boa (o que por si só já me preocupa um paranóico como eu). Tudo muito organizado, muito limpo, muito bonito. Pareceu-me que eles misturam bem o passado com coisas modernas, com facilidades modernas. Mas o que dizer de uma cidade onde se fica em "plan turístico" apenas dois ou três dias? O guía é muito bem produzido, com muitas fotografias e ilustrações, mas também com textos ricos onde os muitos aspectos relacionados à cidade são apresentados. com riqueza de detalhes Claro, um guía literário tem de incluir a história, falar dos lugares de interesse turístico, citar os monumentos importantes, os hotéis, os restaurantes. Mas neste guía os autores (não nominados, pois deve ter sido mesmo um trabalho coletivo de encomenda para a prefeitura da cidade) se preocupam também em incluir algo mais imaterial, registrar aqueles "desvios no coração" que todo aquele que viajando a esmo teve ao se aproximar de algo que não havia programado, a algo que se torna de pronto uma experiência nova. Apesar de ter sido convidado por Cristina há quinze anos para visitar Pamplona só agora tive a chance de conhecê-la. Assim, só por ser um cabotino contumaz é que registro aqui a vontade de um dia voltar as terras altas de Navarra, de cruzar uma vez mais o casco histórico, perder-me pela ciudadela, ver melhor o café Iruña - que me lembrou um filme com o Tyrone Power, passear pelos parques e os jardins, disfrutando tudo com calma, sem medo e sem temor. [início 06/08/2009 - fim 26/09/2009]
"Pamplona: guía breve", editorial Ayuntamiento de Pamplona (3a. edição) 2009, brochura 12.5x24cm, 88 págs., ISBN: 978-84-89590-83-4

terça-feira, 13 de outubro de 2009

la música del hambre

Comprei este "La música del hambre" em um sebo barcelonês, onde uma senhora e seu neto conversavam amigavelmente, mas quase aos berros, enquanto eu fazia o censo dos livros e decidia o que comprar. Le Clézio havia acabado de publicar este livro na França quando recebeu a notícia de que tinha ganho o prêmio Nobel do ano passado. Esta tradução espanhola foi publicada no início deste ano. O livro é quase um conto de fadas, uma história de reminiscências da segunda grande guerra, mas com o tratamento que a memória dá aos sucessos e venturas de um passado distante. Ao longo do livro há algumas menções a teoria musical e no fim parece que o autor gostaria que terminássemos de ler o livro ouvindo o Bolero de Ravel. Cabe lembrar que Bolero é aquela peça musical composta para um balé onde a melodia uniforme é produzida pela repetição de um número pequeno de compassos, alcançando um final vibrante. A história gira em torno de um núcleo familiar de emigrantes mauricianos (daí valer a pena a meu juízo ler-se antes "O Africano" e "A Quarentena", dois outros livros dele onde se explica um tanto a história deste grupo de pessoas). A personagem principal é Ethel Brun (ou Soliman), uma jovem que acompanha a decadência financeira de sua familia e a vertigem associada a forma degradante como a França caiu sob a dominação alemã na segunda grande guerra, ou seja, de como o cerco alemão se fecha não militarmente, mas antes abstratamente no coração da população, instigando divisões, gerando segregacionismo, em um processo de lento convencimento e dominação, como se o mal não pudesse ser evitado. Ethel é filha única de um casal de emigrantes da Ilha Maurício. Através dela ficamos sabendo um tanto da sociedade parisiense dos anos 1920, 1930. Aos poucos os temas fúteis e pretensamente intelectuais dos salões mantidos pelos membros de sua família são contaminados pelo um nome novo, progressivamente dominante, Hitler. Le Clezio mais do que analisar ou justificar o comportamento dos personagens ou mesmo de querer detalhar passagens da história da segunda grande guerra, retrata os movimentos de um grupo pequeno de pessoas, deste núcleo familiar que está condenado a sucumbir nas mãos dos nazistas. Uma história familiar é sempre mais rica que a história das nações. Se é que eu conheço a história de Le Clezio, Ethel é uma personagem que representa sua mãe, uma de suas avós ou outro alguém muito próximo dele, que também teve de fugir dos nazistas durante a ocupação da França, que também passou por dificuldades mil, que também teve seu passado material destruído e seu futuro imediato envolvido no mar de incertezas de um grande conflito. É um bom livro afinal de contas, um conto de fadas terrível - como sempre são os contos de fadas - mais ainda assim um bom livro. [início 24/08/2009 - fim 21/09/2009]
"La música del hambre", J.M.G. Le Clézio, Tusquets editores (1a. edição) 2009, brochura 14x21, 210 págs., ISBN: 978-84-8383-153-3

sábado, 10 de outubro de 2009

antichrista

Meses atrás indiquei alguns livros de Amélie Nothomb para doña Natália. Mas este em especial, "Antichrista", foi ela quem me indicou, ou melhor, apontou na estante, quando escolhíamos algo para comprar (ela estava dividida entre Camus e Keret - um israelense jovem, eu entre Juan Benet e o inevitável Nooteboom, mas estas são outras histórias). "Antichrista", originalmente publicado em 2003 é, como a maioria dos livros de Nothomb, curto e intenso. Seus livros são monotemáticos, ou melhor dizendo, sempre focam em um aspecto específico da psique humana. No caso deste ela descreve os conflitos da adolescência de uma menina. Blanche é uma jovem que acabou de entrar na universidade. É disciplinada e estudiosa, tem boas notas, mas também é tímida e introvertida, incapaz de se relacionar com os colegas. Rapidamente é seduzida por uma outra aluna, Christa, que é justo seu oposto. Vibrante, extrovertida, sempre cercada por colegas, homens e mulheres. Estabelece-se uma relação de dominação psicológica. Christa usa a fragilidade de Blanche para obter vantagens acadêmicas, financeiras e pessoais que depois descobrimos não serem necessárias materialmente falando. Como na fábula do sapo e do escorpião, o comportamento de Christa se explica por si só, por ser sua natureza dominar e envolver, mentir e seduzir. Blanche claro é cúmplice neste jogo. Deixar-se encantar, deixar seu espaço vital ser dominado, perder o apoio dos pais e dos professores parece ser um rito de passagem pelo qual ela alcança chegar a alguma maturidade. Talvez ainda mais alegoricamente Christa seja mesmo uma faceta dela mesma, que precisa ser emulada para que Blanche possa enfim crescer e se tornar independente. Porém, parece dizer o livro ao final, todas as vezes em que nos livramos de uma armadilha, de um jogo qualquer do ego, eis que nos percebemos em uma armadilha maior, em um jogo maior, mais sofisticado e complexo. A vida parece ser mesmo assim. [início 13/09/2009 - fim 20/09/2009]
"Antichrista", Amélie Nothomb, tradução de Sergi Pàmies, editorial anagrama (1a. edição) 2009, brochura 11.5x18cm, 130 págs., ISBN: 978-84-9711-086-0

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

ano-novo de montalbano

Neste livro encontramos vinte contos curtos onde o personagem principal é um comissário de polícia italiano (na verdade siciliano) chamado Salvo Montalbano. Este nome é uma homenagem que o autor, Andrea Camilleri, fez no início dos anos 1990 a um amigo seu, o espanhol e também escritor de livros de suspense Manuel Vázquez Montalbán. A trama dos contos não foge do manual dos livros de detetive. Os casos são apresentados, o elenco de personagens coadjuvantes que gravitam em torno do comissário Montalbano contribuem aqui ou acolá com algum acerto, mas é sempre este último que encerra os casos mais complexos e mirabolantes. A ação sempre se dá nas proximidades da ficcional Vigàta, uma cidade costeira aparentada com a Porto Empedocle natal de Camilleri. Os contos são bem articulados, cerebrais, elaborados demais até, mas o final de cada trama é sempre sintético, abrupto mesmo, pois o autor não se preocupa muito em explicar aquilo que fica óbvio para o leitor com a leitura (coisa que em geral os escritores de livros de suspense não conseguem evitar). O elenco de personagens auxiliares é curioso, mas preciso ler mais livros deste sujeito para dizer se algum deles vale mesmo uma missa. Creio que minha cota de romances policiais já está maior do que deveria, mas ler livros deste tipo é sempre um divertimento, descansa o sujeito um tanto e não toma mesmo muito tempo. Aprendemos algo sobre o jeito de pensar dos italianos, sobre a política recente de lá. De qualquer forma vou experimentar os demais livros de Camilleri que já foram traduzidos por aqui sem pressa. Há ainda outras cousas para se ler neste ano, não há porque se açodar. Como um legítimo admirador dos livros de Manuel Vázquez Montalbán, acredito que ele deve ter ficado genuinamente feliz com a homenagem (mas Pepe Carvalho é melhor, claro!). [início 07/09/2009 - fim 18/09/2009]
"O ano-novo de Montalbano", Andrea Camilleri, tradução de Joana Angélica d´Ávilla Melo, editora Record (1a. edição) 2009, brochura 13,5x21, 285 págs., ISBN: 978-85-01-08399-9

terça-feira, 6 de outubro de 2009

inner workings

Trata-se de um risco calculado, mas há escritores que sabem ler exaustivamente outros escritores. Há inclusive alguns destes que sabem também produzir crítica literária boa. É este o caso do seminal escritor sul-africano J.M. Coetzee. Seus livros de ficção são sempre muito imaginativos e sua prosa boa de se ler. Nunca é demais recomendar "Desonra", "O mestre de são Petesburgo" e "Juventude", para apenas citar três. Igualmente bons são seus livros de ensaios, em geral publicados previamente em grandes revistas, como o New York Review of Books. Os ensaios coligidos neste "Inner workings" mostram uma grande erudição. São vinte e um ensaios, que tratam ora de um ou dois livros específicos, ora o conjunto da obra do escritor em questão. Entre citar todos e nenhum prefiro a primeira opção: ele fala de Italo Svevo, Robert Walser, Robert Musil, Walter Bejamim, Bruno Schulz, Joseph Roth, Sándor Márai, Paul Celan, Günter Grass, W.G. Sebald, Hugo Claus, Graham Greene, Samuel Beckett, Walt Whitman, William Faulkner, Saul Bellow, Arthur Miller, Philip Roth, Nadine gordimer, Gabriel García Márquez e V.S. Naipaul. Na introdução assinada por Derek Attridge estes autores são agrupados em quatro conjuntos, relacionados basicamente com as origens de cada escritor, a forma com que cada um explora sua história pessoal ou as atribulações pelas quais eles e seus países passaram durante as grandes guerras da primeira metade do século passado. Attridge identifica também um conjunto de escritores que sem serem exatamente de grandes centros literários encontraram sua voz e seus leitores por todo o mundo (como o próprio Coetzee, afinal de contas). Talvez estas classificaçôes sejam técnicas e irrelevantes demais. Os ensaios sabem se defender sozinhos. Falam de uma literatura consistente, de autores bastante respeitados. Um terço deles ganharam o prêmio Nobel (como ele mesmo, cabe dizer). Ele sabe localizar os débitos literários de cada escritor e apresentar as boas soluções ou mesmo erros em cada um dos livros que comenta. Uma preocupação que ele sempre explicita envolve o problema das traduções, da recepção de cada autor para públicos que não dominam a língua original em que os textos foram escritos. Cada ensaio termina com uma lista extensa de notas e referências. Li aos poucos e o carreguei várias vezes de um lado ao outro, mas ao final aprendi um bocado com este livro. [início 13/07/2009 - fim 18/09/2009]
"Inner workings - essays 2000-2005", J.M. Coetzee, Vintage books (1a. edição) 2008, brochura 12,5x20, 304 págs., ISBN: 978-0-099-50614-0

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

el cuento

Neste pequeno livro encontramos um único conto de Joseph Conrad. Publicado em 1917 trata-se de uma história de mistério, que lembra um tanto Edgar Alan Poe. Em um final de tarde de um lugar impreciso um homem é solicitado por uma mulher a contar uma história, pois ela está aborrecida. Daí um segundo conto nasce dentro do primeiro. O narrador lembra de uma situação que aconteceu logo no início da primeira grande guerra. Ele comandava um navio mercante no Atlântico norte quando em meio a uma forte neblina encontram quase por acaso um barco norueguês ancorado, perto da costa da Irlanda, aparentemente com problemas mecânicos. Ele (e também sua tripulação) desconfiam que o navio norueguês está envolvido em algum tipo de serviço auxiliar à submarinos alemães, pois encontraram nas proximidades material disperso que poderia ter esta finalidade. Apesar de não poder afirmar com certeza se de fato o navio trabalha em colaboração com os alemães o sujeito, após muito inspecionar o navio e conversar com sua tripulação, toma a decisão de dar uma indicação errada para o navio norueguês sair da neblina, o que tem conseqüências funestas para todos. Na conversa com a mulher (que permanece quieta quase todo o tempo da história, progressivamente chocada com a frieza do sujeito) ele reflete e repete para si sua versão, de que esta é uma situação onde a verdade nunca será mesmo revelada. Há que se continuar a viver com sua decisão. É um bom conto, publicado em uma edição pequenina que comprei na carrer Ferrán em um dia especial de verão. O livro é sombrio e Conrad apresenta nele sua visão pessimista da natureza humana. Curioso como ele obtêm este efeito em poucas páginas, sem entediar o leitor. [início 14/09/2009 - fim 17/09/2009]
"El cuento", Joseph Conrad, tradução de Juan Gabriel López Guix, Ediciones Alpha Decay (1a. edição) 2009, brochura 10,5x15, 64 págs., ISBN: 978-84-936540-9-2

domingo, 4 de outubro de 2009

el enigma de la luz

"El enigma de la luz" reúne um poema e doze ensaios onde Cees Nooteboom apresenta suas impressões sobre algumas exposições que viu. Não é exatamente um exercício de crítica de arte, mas sim o registro de reflexões sobre o papel das artes plásticas em nosso mundo contemporâneo. São ensaios curtos, de alguém que mais conversa com si mesmo que com o leitor. Ora ele enfatiza a exposição em si: a distribuição dos quadros (acertada ou negligente); a qualidade dos quadros (sua origem, história, destino); a forma como o público tem acesso (e como frui da exposição); o papel do museu e de sua curadoria no efeito produzido. Ora ele partilha com o leitor sua leitura particular dos efeitos produzidos: algo sobre a intenção do artista; algo sobre a linguagem empregada nos trabalhos; algo sobre a técnica e o exercício cultural intrínsico de ver idéias produzidas por um semelhante, que traduzem melhor o mundo que nós mesmo, individualmente (será que a arte pode mesmo ser explicada para um semelhante, pergunta Nooteboom). Os artistas são de períodos e lugares bem distintos. Ele escreve sobre Hopper e Vermeer, sobre Tiépolo e da Vinci, sobre Bruegel e Rembrandt, sobre Piero della Francesca e Aert de Gelder, sobre Fídias e de Chirico. Os museus estão espalhados pelo mundo: Holanda, França, Tóquio, Nova Iorque, Würzburg, Veneza. Nooteboom sempre enfatiza sua experiência como viajante. Ver um quadro me meio a uma fila de crianças em Amsterdan é diferente de vê-los na solidão do Guggenheim na quinta avenida de New York. Ver os afrescos de della Francesca reproduzidos em pequenas dimensões em um belo livro de arte ou os afrescos originais a 10 metros de distância em Arezzo (na estival Toscana) são experiências diferentes que se complementam. Nooteboom fala de muitas coisas nestes ensaios: da arte de aprender a visitar museus; do poder de transformação dos grandes pintores; da mensagem que flui de um passado indistinto até nossos dias; do bom de ler enquanto viajamos; de como um quadro pode nos tocar quando mal sabemos o contexto e a história de seu tempo e de seu autor. O livro reproduz em preto e branco vários dos quadros descritos (ao menos uns dois ou três de cada pintor). Em um mundo ideal estaríamos ao lado de Nooteboom comparando impressões, discutindo a beleza instrínsica de cada quadro, o porque das formas e das cores, o impacto que tudo nos proporciona e sairíamos em silêncio dos museus, decantando emoções particulares. Grande sujeito este holandês errante. [início 09/09/2009 - fim 16/09/2009]
"El enigma de la luz - un viaje en el arte", Cees Nooteboom, tradução de Isabel-Clara Lorda Vidal, Ediciones Siruela - debolsillo (1a. edição) 2009, brochura 12,5x19, 144 págs., ISBN: 978-84-8346-965-1

sábado, 3 de outubro de 2009

pai dos burros

"O pai dos burros" de Humberto Werneck é um livro muito interessante. Werneck é um jornalista e escritor mineiro de quase setenta anos. Durante os quarenta anos em que exerceu sua profissão compilou clichês, frases feitas, chavões, lugares-comuns, ou seja, frases ou palavras que se banalizaram pelo uso repetido, que soam bastante familiares mas que em geral não acrescentam muito para o entendimento da frases, naturalmente ambíguos que são. O dicionário reúne 4500 lugares-comuns, distribuídos em cerca de 2000 verbetes. Na verdade o trabalho de compilação das frases, ou mais bem de colecionismo das frases e palavras foi feito por ele em colaboração com vários amigos, colegas de redação, familiares ou mesmo desconhecidos. Na introdução do livro ele mesmo alerta que seu conteúdo não pode ser entendido como um index do que deve ser evitado ou mesmo censurado em textos alheios. Não se trata portanto de um manual do bom uso da língua portuguesa. Ele propõe que o leitor estimule sua criatividade procurando alternativas ao uso de cada um dos clichês (o que não é uma tarefa necessariamente fácil). Diz também para um eventual leitor desconfiar diante de tudo aquilo que no ato de escrever saia facilmente pelos dedos, afinal nada de verdadeiramente bom costuma ser produzido automaticamente e sem algum esforço e disciplina. Enfim, o que aprendemos lendo o livro é que o uso contínuo de vários clichês em um parágrafo o empobrece, torna-o em geral indistinto e banal. É divertido de se ler. É o tipo de livro que é bom ter ao lado quando um sujeito vai revisar pela última vez algo que pretende que outros leiam. Faço também aqui o registro que gostei do formato do livro. Cabe em um bolso de paletó, tem uma boa capa emborrachada e tem letras grandes, fáceis de ler em grupo (pois este é um livro se deixa bem ser lido e exibido para os colegas em uma roda de bate-papo). Curioso, quase tudo que li neste final de semana sobre a participação do Brasil nas olimpíadas de 2016 parece ter saido das páginas deste pequeno livro. [início 19/08/2009 - fim 15/09/2009]
"O pai dos burros", Humberto Werneck, Arquipélago editorial (1a. edição) 1999, capa-dura 11,5x17,5, 208 págs., ISBN: 978-85-60171-08-8

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

gaudí

Livros sempre ajudam quando se quer conhecer um assunto novo. Pensei nisto mais cedo pois hoje, 02 de outubro, o Brasil ganhou o direito de sediar as olimpíadas de 2016. O sucesso turístico de Barcelona foi um dos argumentos ufanistas mas batidos para justificar a necessidade da vinda do evento para o Rio de Janeiro. Acontece que se você quer saber mesmo porque legiões de turistas se deslocam a Barcelona todos os anos não adianta dizer que foram as olimpíadas de 1992 sediadas ali que colocaram a cidade no mapa. Isto é de uma bobagem sem par. Um jeito especial de aprender algo é ler por exemplo "Barcelona", do Robert Hughes, onde ele conta uma história da cidade justamente até as vésperas da edição daquela olimpíada. Barcelona já tinha 2000 anos de implementos quando isto aconteceu. Um outro jeito de aprender um tanto sobre a cidade é ler sobre os grandes arquitetos do modernismo catalão: Gaudí, Cadafalch, Montaner. Outro é ir visitar a cidade e conviver com o povo (eles não são exatamente cordiais e hospitaleiros, mas esta é outra história, basta dizer que o nacionalismo é sempre o último refúgio dos velhacos e eles existem tanto lá quanto neste pobre Brasil). O que vou resenhar, pois acabei de ler e ver não é um livro sobre Barcelona, mas sim um conjunto de três livretos sobre as obras arquitetônicas de don Antoni Placid Gaudí i Cornet, ou simplesmente de Gaudí. Noutro dia vi na CESMA este conjunto de livrinhos sobre o Gaudí e não deixei para outro dia resolvi levá-los naquela hora mesmo. São livros de arte onde encontramos belíssimas fotografias de todas suas obras. Curtos textos contextualizam as condições da encomenda e da construção das casas, dos monumentos, dos parques, das igrejas. Os autores incluem também trajetos que podemos fazer pela Espanha para encontrar tudo que tem a marca dele. No primeiro volume o trajeto é oeste-leste: Finca Güell, Finca Miralles, Colegio de las Teresianas, Casa Vicens, Parc Güell, Bellesguard. O segundo volume apresenta aquele eixo monumental mais perto das Ramblas e do Eixemple: Igreja da Sagrada Familia, Casa Milá, Casa Batló, Casa Calvet e Palau Güell. Estes dois trajetos podem ser feitos em dias de longas caminhadas. O terceiro volume apresenta obras executadas no interior da Catalunha, em Santander, em Mallorca, em León: Bodegues Güell, Cripta de la colonia Güell, Catedral de Palma de Mallorca, jardins Artigas, Casa de los Botines, Palau Episcopal de Astorga, Vila Quijano El Capricho. Os três volumes cumprem o propósito de proporcionar um educativo primeiro contato com a obra de Gaudí. Entre a ficção ufanista dos velhacos que venderam as olimpiadas de 2016 e a realidade concreta da Barcelona deste cruel século XXI não há muito o que dizer. Talvez só lembrar que ela não foi feita em sete anos. [início 21/08/2009 - fim 12/09/2009]
"Gaudí: paso a paso", H. Kliczkowski e Paco Asensio, Loft Pulications (H.Kliczkowski-onlybook) 2003, brochura 13,5x20, 64 págs. ISBN: 84-96241-23-8 (vol.1), ISBN: 84-96241-24-6 (vol.2) , ISBN: 84-96241-25-4 (vol.3)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

av. paulista

Depois de ter lido "A cidade dos deitados" procurei os outros volumes da coleção "Ópera Urbana" editada pela Cosac Naify. Recebi este "Av. Paulista" em um final de tarde de sol e disfrutei-o plenamente. Tive de inventar um marcador novo para identificá-lo aqui, pois não é exatamente didático, nem cabe bem no rótulo infanto-juvenil de toda coleção. A autora não tem pretensões de produzir uma crônica ou um ensaio sobre a "mais paulista das avenidas", como um locutor de rádio do qual não me lembro o nome dizia muitos anos atrás. Ao menos não uma crônica utilizando palavras, talvez uma crônica visual. Para mim ele é um livro de arte, repleto de desenhos, fotografias e grafismos produzidos por Carla Caffé, uma arquiteta de formação que trabalha com direção de arte, cenografia, ilustração. O livro inclui um depoimento dado por ela a Augusto Massi, crítico literário, poeta e editor de livros de poetas muito bom (mas esta é outra história). O depoimento não compete com os desenhos. Eles tem vida própria. Mas ler o depoimento dela ajuda o leitor a compreender um tanto seu viés, seu envolvimento com o tema, o processo produtivo de sua arte. Como nos demais volumes da coleção os livros são acompanhados por libretos realmente didáticos, informativos, complementares. O libreto tem muitas informações factuais e também entrevistas curtas, depoimentos de habitantes daquela região da cidade. Tanto no livro quanto no libreto acopanhamos a evolução da avenida, detalhes dos edifícios principais, a marca das muitas tribos urbanas que interferem na avenida e deixam ali algo de seu. Que livro bonito! Quantas lembranças afloraram, quantas idéias voltaram. Lembrei vividamente dos dias em que saindo de casa pelo meu "caminho de guermantes" particular, flanava pela rua dos franceses parando aqui e acolá para comprar o jornal e tomar o café, seguia descendo e subindo a joaquim eugênio de lima, finalmente aportando na paulista 900, onde pegava o ônibus sempre de manhã bem cedo. A torre de transmissão no alto deste edifício fazia as vezes da minha igualmente particular "Igreja de Martinville". Bons tempos. Mesmo aqueles que desdenham dos paulistas e secretamente invejam a força de suas realizações vão encontrar neste livro (bem como no libreto) momentos de puro deleite e encantamento. [início 08/09/2009 - fim 11/09/2009]
"Av. Paulista", Carla Caffé, editora Cosac Naify e Edições Sesc SP (1a. edição) 2009, capa-dura 24x32, 48 págs. ISBN: 978-85-7503-261-9