quarta-feira, 25 de junho de 2008

yo maté a kennedy

Este livro é o primeiro de Manuel Vázquez Montalbán onde o personagem Pepe Carvalho aparece. Muito vagamente associamos as características que ele viria a incorporar mais tarde às que ele apresenta neste livro. Trata-se mesmo de uma alegoria, uma versão de Montalbán para uma eventual conspiração tramada com o entuito de matar o presidente americano John F. Kennedy. Carvalho é um ex-comunista gallego, exildo dos tempos duros do franquismo espanhol, recrutado e treinado pela CIA para ser guarda costas do presidente. Washignton DC é apresentada como uma Camelot hiper moderna, repleta de vidro, aço e plásticos coloridos, com miríades de aparatos tecnológicos que a mantêm flutuando sobre os EUA, aspergindo um polém de tranquilidade sobre todos, imersos em um mundo de sonhos. É uma visão romântica dos anos 60, talvez contaminada pelos anos duros posteriores ao assassinato de Kennedy, pela guerra do Vietña, pelos movimentos da guerra fria. Não sei exatamente como era o cenário social nos últimos anos de Franco na Espanha (o político eu entendo um pouco mais, ma no troppo), mas a fixação em Kennedy e seu mundo glamuroso talvez sirva de contraponto às cruezas espanholas e a falta de líderes carismáticos. Carvalho priva da companhia de Jackie O. sempre que possível, ganha ternos bem cortados dela e se diferencia dos demais guarda costas. Kennedy é quase um confidente seu, mas na verdade ele é um marionete nas mãos de grupos poderosos que pretendem atribuir a Carvalho seu assassinato. Reviravoltas e aventuras ao longo das páginas nos apresentam Carvalho de fato ao longe dando os tais tiros de fuzil que matam JFK, mas conseguindo se livrar dos sujeitos que o queriam como testa de ferro. Tão verossímel quando a vesão de Oliver Stone, sem dúvida. Preciso ler o livro seguinte, Tatuagem (que não encontrei em Madrid), para entender como Carvalho vai se transformar no cínico e irônico detetive das ruas frescas de Barcelona após este início de carreira tão surpreendente.
Yo maté a Kennedy, Manuel Vázquez Montalbán, editorial Planeta, 1a. edi ção (1972) brochura 15x23cm, 181 pág., ISBN: 974-84-08-05030-8

segunda-feira, 23 de junho de 2008

amado amo

Este livro eu comprei já faz tempo, em um daqueles mercados públicos de Barcelona que se transformam em feiras de livros, discos, jogos e quinquilharias nos finais de semana. Comprei com meu amigo Cataldo ao lado, grande tradutor e homem de letras, que também teima em garimpar livros e comprá-los, apesar dos futuros problemas de transporte para Porto Alegre e do peso que ameaça as estantes dos apartamentos. Rosa Montero é minha conhecida recente, mal acabei de ler o Histórias de Mulheres resenhado abaixo resolvi conhecer sua obra de ficção. É um livro curioso. Trata de um mundo que a princípio pouco associamos às mulheres e talvez seja por isto que ela escolheu este tema. Ele me pareceu um pouco datado, pois o enredo se dá nos tempos de crescimento econômico espanhol após a entrada no mercado europeu e da transição para a democracia após os anos ruins de Franco. Estas transições modificaram também as relações de trabalho, elas se tornaram mais cínicas, duras, implacáveis com aqueles que caem e se distraem. Este fenômeno, típico da última quarta parte do século passado, esta associado ao enxugamento de quadros técnicos e corporações, na racionalização das funções, na substituição provocada pelas facilidades de informática progressivamente crescente. O que ela descreve é o início deste processo. Uma agência de publicidade espanhola, de origem familiar, é comprada por uma grande corporação americana e tem de se adaptar a estes novos tempos. O narrador descreve um funcionário que já foi o jovem promissor da casa, mas que no tempo do romance é apenas um homem de meia idade em crise profissional e pessoal. O jogo sujo do dia a dia de uma empresa é descrito: o lento processo de brutalização é internalizado pelos empregados; a subversão sutil mas eficaz do que seja a moral e a ética, tornando-as flexíveis e ambíguas; a contínua sensação de que somos todos descartáveis paralisa as vontades e a capacidade de reação de cada um. Hoje em dia este processo está tão mais sofisticado que mesmo as crianças nas séries iniciais das escolas escapam da lavagem cerebral, pois são ensinadas de uma forma ou outra das maravilhas do paraíso dos lugares-comuns; das tardes letárgicas de domingo frente a televisão ou da estupidez do bom senso mastigado pelas apresentadoras de televisão; das falsas verdades que advogam que o trabalho duro em equipe gera algo mais que a felicidade geral do empregador onipresente; das vantagens da ascenção social por força da mediocrização. Neste nossos tempos vemos a toda hora charlatães de todos os matizes e discursos vendendo fórmulas mágicas para se ter sucesso no mercado de trabalho, mas a maioria delas envolve a simples alienação social e a afastamento da capacidade crítica pessoal. Nada como uma idéia pronta para satisfazer um bom empregado hoje em dia (e isto vale para qualquer tipo de atividade, pública e privada, acho até que é no setor público onde esta alienação é ainda mais disseminada). Mas o livro de Rosa Montero é gostoso de se ler. No final o papel da mulher neste jogo bruto entra no enredo do livro e ali é discutido rapidamente. Rosa Montero sabe o que escreve, pois claro que assim como no mundo real é uma mulher que paga o pato de um grande problema na empresa. Ao longo de livro todo quem sofre, fala e faz é um sujeito, César, que imaginamos prestes a ser imolado frente a um novo senado, mas é uma mulher quem é a protagonista das ações principais no final (por menos que apareça no livro explicitamente) e é uma mulher quem está do lado certo do caráter afinal de contas. Bom livro. Dona Cristina mostrou-me o caminho, agora eu vou ficar um bom tempo nesta seara.
"Amado Amo", Rosa Montero, ediciones Debate, 1a. edição (1988) capa dura 13.5x21.5cm, 156 pág. ISBN:84-226-2513-X

quinta-feira, 19 de junho de 2008

histórias de mulheres

Eu estava tão longe de minha namorada no dia dos namorados que resolvi mandar umas flores pelo correio e começar um livro que falasse sobre o mundo feminino, saudoso de uma conversa honesta com uma mulher e curioso que sou. Claro, qualquer homem aprende certo ou tarde (como santo Agostinho aprendeu naquela praia) que é mais fácil um menino encher um buraco na areia com toda a água do oceano que compreender-se de fato uma mulher, mas é prazeroso morrer tentando. Esta minha leitura da história bíblica vale uma mirada psicanalista mas é melhor eu deixar isto para quem sabe mais do que eu, achador dos achadores sobre muitos assuntos. Aliás achei este livro na livraria Nobel de Santa Maria, livraria boa afinal de contas, que fica aberta em horários não usuais desta cidade não usual, o que facilita a vida do leitor. Rosa Montero descreve em notas curtas, de dez, quinze páginas cada uma, as vidas de quinze mulheres singulares. As histórias foram publicadas originalmente no El País espanhol em versões menores. Em livro foram publicadas pouco mais de dez anos atrás. As mulheres a cujas histórias somos apresentados são escritoras, livres-pensadoras, artistas, cientistas, místicas, cada uma a seu jeito seminais e definitivas. Sobre algumas eu já conhecia um tanto: Agatha Christie, Simone de Beauvoir, Frida Kahlo, Camille Cluadel, Alma Mahler, George Sand; doutras eu nunca havia ouvido falar: Zenobia Camprubi, Mary Wollstonecraft, Laura Riding, Isabelle Eberhardt, María Lejárraga. Mas eu aprendi algo sobre cada uma delas através das leituras de Rosa Montero. Ela sabe mesmo como narrar uma história e apresenta detalhes que parecem banais mas que ilustram muito a psique das suas retratadas. O livro é bem editado, há várias indicações bibliográficas para aqueles interessados em aprofundar-se na vida de cada uma das mulheres citadas. Nem todas as mulheres retratadas são santinhas corrompidas ou sacaneadas por homens maus, algumas são terríveis, cruéis e obssessivas como poucos seres humanos sabem ser. No final ela cita algo que é particularmente importante acho eu: que a normalidade oficial é algo que não existe Toda vez que somos, homens ou mulheres, tentados (ou mais usualmente, forçados) a nos enquadrar em padrões de comportamento ditos normais, automaticamente somos condenados ao sofrimento e até a destruição, pois não pode existir norma para o cotidiano das vidas concretas das pessoas. Belo livro de dia dos namorados que eu mesmo achei para mim. Recomendo mesmo.
"Histórias de Mulheres", Rosa Montero, tradução de Joana Angélica d'Avila Melo, Agir Editora, 1a. edição (2007) brochura 15.5x23cm, 223 pág. ISBN:978-85-220-0980-0

quarta-feira, 18 de junho de 2008

rubia de verano

Quando eu vi a imagem ao lado em um bloco de cartões postais anos atrás fiquei maravilhado de pronto. Um sujeito que consegue captar esta sensação forte que é ter o vislumbre dos pés de uma moça ao caminhar deve mesmo ter algo a dizer. Muito apropriado e delicado. Mas eu tive de esperar um bom tempo para achar os livros da coleção "Optic Nerve" que Tomine publica desde 1991. Abaixo eu já resenhei "Sonámbulo" e suas 19 histórias curtas. Aqui em "Rubia de Verano" temos apenas 4 histórias mais longas, que valem por novelas curtas eu diria, em contraposição aos contos anteriores. Gosto mesmo do traço utilizado por Tomine. Somos apresentados aqui, de forma ainda mais contundente, ao mundo das pessoas que ficam a margem dos acontecimentos, mesmo que este afastamento seja por vontade própria ou ainda por curtos períodos. Em uma das histórias temos um escritor sem assunto, perdido após a publicação de seu primeiro livro; no segundo vê-se um sujeito atraído por uma mulher que ele sabe infiel a um conhecido seu, mas que tem escrúpulos demais para admitir os dois sentimentos; na terceira história uma moça se divide entre manter sua extrema independência e a necessidade ocasional de conversas e relacionamentos; e na última um rapaz se aproxima por vias tortas de uma garota cujos aborrecimentos na escola secundária superam em muito os seus. São enredos simples, mas que permitem leituras bastante ricas e variadas. Vou ficar a espreita de algum outro livreto deste sujeito, bom observador da vida e dos sucessos dos homens e das mulheres.
"Rubia de Verano", Adrian Tomine, tradução de Alejo Garcia Valearana, ediciones La Cúpula, 2a. edição (2006) brochura 16.5x24cm, 128 pág. ISBN:978-84-7833-622-7

domingo, 8 de junho de 2008

fútbol

Neste pequeno livro estão reunidas crônicas esportivas escritas por Montalbán em mais ou menos vinte e cinco anos como jornalista. São verdadeiras obssessões transcritas. A introdução informa que ele estava trabalhando na compilação destas histórias quando morreu em 2003. O resultado me parece muito irregular. Como não há indicação exata das datas de publicação temos de inferir o contexto exatamente pelo texto (óbvio). O livro é dividido em três grandes tópicos. O primeiro é uma espécie de ensaio sociológico, onde a história do futebol é contada rapidamente usando o prisma religioso e social. Vários jogadores são citados como verdadeiros apóstolos da anunciação de um deus futuro: di stéfano, pelé, cruyff, maradona, romário, rivaldo, ronaldo, beckham e ronaldinho têm seu papel nesta trama. O segundo contêm as crônicas que antecipavam os embates míticos entre Barcelona e Real Madrid nos tempos de Montalbán. Inimigos necessários e rivais fora de campo também, estes dois clubes fazem parte da mitologia própria da Espanha, da rivalidade entre a capital que é Madrid e a capital que perdeu sua majestade, Barcelona. Ambos são algo mais que clubes de futebol lembra sempre o autor. Mas muito se perde se não se é catalão ou madrileño, se não se é do barça ou do real madrid. A terceira parte do livro envolve crônicas ainda mais herméticas, como as que discutem os selecionados espanhóis em várias copas européias; as substituições de técnicos de clubes menores espanhóis; o uso político do esporte (especialmente o futebol) por fascistas como Berlusconi; o jogo de cena dos dirigentes e jornalistas ligados ao futebol, o interesse prático do grande capital internacional (inclusive os das várias máfias) nas transações de jogadores e técnicos. Este livro ficou me devendo algo. Gostei mais da ficção de "o delantero centro asesinado al atardecer" e espero mais da ficção de "la soledade del manager", que ainda não li. Veremos.
Fútbol, una religión en busca de un dios, Manuel Vázquez Montalbán, editorial Debolsillo, 1a. edição (2006) brochura 13x19cm, 240 pág., ISBN: 987-566-188-0

segunda-feira, 2 de junho de 2008

el tren de la noche

Ao contrário do arrebatador "Cosmética del Enemigo" resenhado abaixo este não é um livro escrito por uma mulher, mas ao menos tem uma como sua personagem principal. Portanto Cristina, dê um desconto, pois estou me esforçando para equilibrar um tanto os gêneros neste blog. O autor é Martin Amis, respeitado escritor inglês. Achei este livro em um sebo paulista há tempos. Gostei do livro. Não é um romance policial, mas tem como tema a violência urbana de nossos dias. Uma investigadora especializada em narcóticos é chamada tarde da noite por seu antigo capitão para investigar um suicídio, o suicídio da própria filha deste chefe, pois acredita que ela foi na verdade assassinada. O livro apresenta de forma cronológica os resultados do trabalho desta investigadora. Aos poucos somos apresentados a arqueologia física e psicológica de um suicídio banal (o título do livro é curioso, pois usa a imagem de um trem noturno para identificar aquela sensação horrível que temos em determinados momentos e épocas de nossas vidas, onde fugir de tudo e de todos parece ser a melhor e talvez única solução). O inventário das cousas da mulher morta (uma astrofísica, fazendo pós-doutorado em um grande centro de pesquisas; que se relaciona com um filósofo algo famoso; filha de um militar condecorado) é muito bom de se ler. A investigadora também teve seus fantasmas e uma vida atribulada. O papel da mulher na sociedade competitiva é discutido por Amis com muita propriedade. A solução do enigma do livro é o menos importante: qual a vantagem em sabermos se foi mesmo um suicídio ou um assassinato? Há muitas pistas, achados, reviravoltas, com as quais o autor aproveita para se aprofundar um tanto na descrição de um mundo violento e também no mundo das mulheres que pagam um algo mais na vida por serem livres e independentes. Livro que se lê sem pressa, muito bem escrito. Gostei de umas coincidências pessoais: o livro começa em um 4 de março, como se o mundo pós-suícidio inaugurasse uma nova vida da moça morta, a vida de uma pessoa que está finalmente sendo descoberta pelos familiares e amigos. A física explicada no livro(conceitos de cosmologia, astrofísica, metodologia da pesquisa, vida universitária) está formalmente correta e escrita sem usar chavões e lugares-comuns, ou seja, o autor fez bem sua lição de casa.
"El tren de la noche", Martin Amis, tradução de Eduardo Hojman, Emecé Editores, 1a. edição (1997) brochura 14x22cm, 200 pág., ISBN: 950-04-1775-8

cosmética del enemigo

Cristina Goméz-Polo é uma amiga que sabe ser objetiva e tem desde sempre a capacidade de me surpreender. Pois lá de sua Navarra, distante de mim, comentou que estou sempre a ler textos de autores masculinos, que a voz feminina ecoava pouco ou nada cá neste blog. Touché! Culpado, confesso. Nas minhas andanças por Madrid tentei remediar um tanto este mal. O primeiro que encontrei e li rápido nestas semanas estressantes no Brasil é este pequeno "Cosmética del Enemigo". Escrito por Amélie Nothomb, uma nipo-belga de pouco mais de 40 anos, esta curta novela é arrebatadora e cruel. Não devo escrever muito sobre o enredo e a trama. São apenas noventa e tantas páginas, lê-se vorazmente e com espanto. Um empresário, esperando seu vôo em um aeroporto, começa a ser inquirido por um sujeito estranho, que parece saber muito de sua vida e de sua personalidade. O tom e os temas da conversa, sempre forçada pelo segundo interlocutor, tornam-se cada vez mais ásperos e surpreendentes. Em rápidas passagens somos apresentados às nervuras de um homem e de sua história, àquilo que de mais profundo podemos esconder de nós mesmos. Livro arrebatador. Grande escritora. E também grande Cristina, obrigado pela dica! Ainda vou achar o "Estupor y Temblores". Ainda vou as terras altas dos Pirineus conversar contigo sobre isto.
"Cosmética del Enemigo", Amélie Nothomb, tradução de Sergi Pàmies, editorial anagrama, 1a. edição (2007) brochura 11.5x18cm, 96 pág., ISBN: 978-84-97-11011-2