Este livro eu comprei já faz tempo, em um daqueles mercados públicos de Barcelona que se transformam em feiras de livros, discos, jogos e quinquilharias nos finais de semana. Comprei com meu amigo Cataldo ao lado, grande tradutor e homem de letras, que também teima em garimpar livros e comprá-los, apesar dos futuros problemas de transporte para Porto Alegre e do peso que ameaça as estantes dos apartamentos. Rosa Montero é minha conhecida recente, mal acabei de ler o Histórias de Mulheres resenhado abaixo resolvi conhecer sua obra de ficção. É um livro curioso. Trata de um mundo que a princípio pouco associamos às mulheres e talvez seja por isto que ela escolheu este tema. Ele me pareceu um pouco datado, pois o enredo se dá nos tempos de crescimento econômico espanhol após a entrada no mercado europeu e da transição para a democracia após os anos ruins de Franco. Estas transições modificaram também as relações de trabalho, elas se tornaram mais cínicas, duras, implacáveis com aqueles que caem e se distraem. Este fenômeno, típico da última quarta parte do século passado, esta associado ao enxugamento de quadros técnicos e corporações, na racionalização das funções, na substituição provocada pelas facilidades de informática progressivamente crescente. O que ela descreve é o início deste processo. Uma agência de publicidade espanhola, de origem familiar, é comprada por uma grande corporação americana e tem de se adaptar a estes novos tempos. O narrador descreve um funcionário que já foi o jovem promissor da casa, mas que no tempo do romance é apenas um homem de meia idade em crise profissional e pessoal. O jogo sujo do dia a dia de uma empresa é descrito: o lento processo de brutalização é internalizado pelos empregados; a subversão sutil mas eficaz do que seja a moral e a ética, tornando-as flexíveis e ambíguas; a contínua sensação de que somos todos descartáveis paralisa as vontades e a capacidade de reação de cada um. Hoje em dia este processo está tão mais sofisticado que mesmo as crianças nas séries iniciais das escolas escapam da lavagem cerebral, pois são ensinadas de uma forma ou outra das maravilhas do paraíso dos lugares-comuns; das tardes letárgicas de domingo frente a televisão ou da estupidez do bom senso mastigado pelas apresentadoras de televisão; das falsas verdades que advogam que o trabalho duro em equipe gera algo mais que a felicidade geral do empregador onipresente; das vantagens da ascenção social por força da mediocrização. Neste nossos tempos vemos a toda hora charlatães de todos os matizes e discursos vendendo fórmulas mágicas para se ter sucesso no mercado de trabalho, mas a maioria delas envolve a simples alienação social e a afastamento da capacidade crítica pessoal. Nada como uma idéia pronta para satisfazer um bom empregado hoje em dia (e isto vale para qualquer tipo de atividade, pública e privada, acho até que é no setor público onde esta alienação é ainda mais disseminada). Mas o livro de Rosa Montero é gostoso de se ler. No final o papel da mulher neste jogo bruto entra no enredo do livro e ali é discutido rapidamente. Rosa Montero sabe o que escreve, pois claro que assim como no mundo real é uma mulher que paga o pato de um grande problema na empresa. Ao longo de livro todo quem sofre, fala e faz é um sujeito, César, que imaginamos prestes a ser imolado frente a um novo senado, mas é uma mulher quem é a protagonista das ações principais no final (por menos que apareça no livro explicitamente) e é uma mulher quem está do lado certo do caráter afinal de contas. Bom livro. Dona Cristina mostrou-me o caminho, agora eu vou ficar um bom tempo nesta seara.
"Amado Amo", Rosa Montero, ediciones Debate, 1a. edição (1988) capa dura 13.5x21.5cm, 156 pág. ISBN:84-226-2513-X
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