segunda-feira, 30 de agosto de 2010

cachalote

"Cachalote" é um "graphic novel" honesta, mas não há nada nela que realmente me impressione ou que particularmente me agrade, nem nos argumentos, nem nas ilustrações. Produzido a partir de uma parceria entre Daniel Galera e o ilustrador Rafael Coutinho, o livro tem sim apuro, bom acabamento técnico e algumas tentativas de dar vibração ao texto, mas o que encontramos são histórias esquemáticas e arrumadinhas demais, artificiais demais. Apesar de reunir uma boa dezena de personagens incomuns, de nenhum deles depreende alguma verosimilhança, algum lampejo que seja de vida real. São cinco histórias independentes: a de um ator chinês decadente deslocado em uma feroz São Paulo; a de um escultor em crise, assediado por produtores de audiovisual sádicos; a de um casal que se enreda e se arisca até os incertos limites de um jogo sexual; a de desocupado e trambiqueiro carioca que viaja à Europa para fugir de seus problemas reais; a de um escritor deprimido que reiteradamente se encontra com a ex-mulher. As histórias se alternam em blocos, mas textualmente não se conectam. Claro, em todos é evidente o inusitado das situações que cada um dos personagens enfrenta, suas tentativas patéticas de encontrarem algum descanso, algum afeto daqueles com quem se relacionam. Mas a separação das histórias mais irrita do que encanta o leitor, é só um truque, um artifício, no qual até tentei achar alguma métrica, alguma poética, mas me convenci de sua inutilidade. O livro tem um prólogo e uma espécie de coda, onde uma velha senhora interage com um cachalote, primeiro enorme, em sua imaginação, depois minúsculo, nas areias de uma praia deserta. Depois que um sujeito lê "Moby Dick" não se impressiona mais com estas coisas. Bueno. Preciso reler as coisas poderosas do Adrian Tomine ou do Jiro Taniguchi que li tempos atrás para ver o que torna mesmo a experiência com suas "graphic novels" tão especiais. Vamos em frente. [início 11/08/2010 - fim 23/08/2010]
"Cachalote", Rafael Coutinho e Daniel Galera, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2010), brochura 21x27 cm, 282 págs. ISBN: 978-85-359-1673-7

terça-feira, 24 de agosto de 2010

el desvío a santiago

"Y es físico, un año sin el vacío de este país, sin los colores de la tierra y las rocas, es un año perdido". Lembro-me de quando li esta frase pela primeira vez. Com ela Cees Nooteboom havia me conquistado definitivamente. Então era isto o que eu sentia e não sabia verbalizar. Resolvi voltar aos desvios que ele descreve, voltar as ruínas e aos monastérios, as pinturas e claustros, as igrejas e aos paradores, desvios que postergam o encontro do leitor com a cidade de Santiago de Compostela, cidade que só vislumbramos brevemente no ensaio final do livro, pois é disto que ele trata, do que há ao se perder ao tentar chegar a Santiago. E resolvi voltar a estes desvios nestas férias espanholas, pois se 2010 é um ano xacobeo (como dizem os gallegos) ao menos através de um livro eu também serei um caminhante (o próximo xacobeo só acontece em 2021, sabe-se lá como estará minha carcaça daqui a onze anos). Estes vinte e cinco ensaios falam de experiências (e de obsessões) muito particulares, mas que encantam o leitor. É mesmo um livro poderoso. Gostaríamos de estar ao lado de Nooteboom, compartir sua experiência, partilhar seus quase 50 anos de viagens pela Espanha. Como em toda releitura encontrei outros matizes, aprendi coisas novas, atentei mais as descrições geográficas e aos detalhes arquitetônicos, do românico principalmente. Apreciei melhor sua ironia, a forma como ele transita da política a literatura, da história as artes. Suas reflexões me pareceram mais originais, me encantaram de uma forma diferente desta vez. Esta edição tem as mesmas fotografias que a edição brasileira (são de Simone Sassen, fotógrafa que é parceira em muitos dos projetos de Nooteboom). Como Nooteboom lembra em uma passagem, o tempo sabe ser uma espécie de artista. Assim o tempo, este breve tempo entre estas duas leituras, fez com que este livro se tornasse realmente novo para mim. Cousa boa. [início 20/07/2010 - fim 24/08/2010]
"El desvío a Santiago", Cees Nooteboom, tradução de Julio Grande, ediciones Siruela (Debolsillo), 1a. edição (2007), brochura 12,5x19 cm, 446 págs. ISBN: 978-84-8346-461-8

terça-feira, 17 de agosto de 2010

a forma da água

Publicado originalmente em 1994 "A forma da água" foi o primeiro dos livros no qual aparece o personagem Salvo Montalbano, comissário de polícia inventado pelo italiano Andrea Camilleri que alcancou legiões de leitores mundo afora. É uma pequena história, mas movimentada e repleta de citações eruditas em boa medida, como as demais que já li dele (é sempre um problema ler livros de uma série fora da ordem em que forma imaginados, mas não há muito o que fazer). Neste livro ficamos sabendo a data do primeiro crime resolvido por Montalbano, um não tão distante 09 de setembro de 1993. O enredo desta história envolve muito da política recente da Itália (o bizarro mundo onde um sujeito medíocre e manipulador como Silvio Berlusconi alcança ser primeiro ministro - vê-se que a estupidez não é privilégio apenas da maioria dos brasileiros). Um político é morto e Montalbano consegue descobrir como a verdade se encondia em uma enxurrada de equívocos, pistas falsas que mafiosos espalham, políticos inescrupulosos (uma redundância, óbvio) acolhem, um clero servil encampa e colegas policiais lenientes preferem escolher. Os personagens principais já estão todos ali (Fazio, Augello, Catarella, Gallo, Livia, Jacomuzzi, Pasquano). O estilo de Camilleri já aparece, virtuoso e pleno. De fato ele já era escritor experiente quando teve o tino de inventar Montalbano. Divertido. [início 17/08/2010 - fim 17/08/2010]
"A forma da água", Andrea Camilleri, tradução de Joana Angélica d´Avila Melo, editora Record, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 141 págs. ISBN: 978-85-01-05618-4

domingo, 15 de agosto de 2010

un mes con montalbano

Neste divertido livro Andrea Camilleri conta trinta histórias curtas, trinta contos de mistério. Nestas histórias Camilleri faz o comissário Montalbano experimentar situações que provavelmente não tenham fôlego para narrativas mais longas, mas são curiosas a seu modo. Ele testa a musculatura de alguns personagens secundários, dá conta de sucessos da juventude de Montalbano, explora um tanto das motivações éticas e profissionais do comissário. Em algumas das histórias Montalbano resolve crimes cometidos em um passado distante, já prescritos, onde apenas o prazer de alcançar a verdade motiva o sujeito. Há um bocado de humor na maior parte das histórias. Ele também parece ficar mais a vontade para citar suas influências literárias mais caras: Proust, Melville, Musil, mostrando uma incomum erudição. Esta edição inclui um prefácio generoso de Manuel Vázquez Montalbán, onde o homenageado dá conta da importância da criação de Camilleri na literatura contemporânea. Um bom texto para se iniciar nos mistérios de Montalbano. [início 10/08/2010 - fim 16/08/2010]
"Un mes con Montalbano", Andrea Camilleri, tradução de Elena de Grau Aznar, ediciones Salamandra, 9a. edição (2008), brochura 15x23 cm, 397 págs. ISBN: 978-84-7888-769-9

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

la voz del violín

Inegavelmente os livros de Andrea Camilleri sabem proporcionar bons momentos. Os personagens fixos são conhecidos e sem muitos matizes, a trama é sempre arrumada para alcançar um fim naturalmente previsível (o comissário Salvo Montalbano irá decifrar qualquer enigma que seja apresentado a ele, claro), mas Camilleri consegue dar ossatura, uma espécie de estofo de sofisticação, às suas histórias. Nesta história em particular uma mulher aparece morta como por acaso (o carro onde o comissário Montalbano estava se envolve em um acidente e ele fareja algo estranho em um pequeno chalé das redondezas). Boa parte do livro serve para postergar uma resolução que é quase óbvia. A investigação, a autópsia, a apresentação dos eventuais suspeitos, as trilhas e pistas cifradas oferecidas aos leitores, as curtas passagens onde os personagens fixos de Camilleri (uma legião afinal: Augello, Fazio, Gallo, Galluzo, Tortorella, Grasso e, claro, Catarella) ganham algum relevo, quase tudo é acessório. Montalbano se mostra um político habilidoso, que sabe manipular todos que o cercam, colegas, colaboradores e principalmente seus detratores e inimigos. O espírito de grupo que ele insufla em seus comandados é algo digno de nota. A versão original deste livro é de 1997. Camilleri (em sua quarta história com Montalbano ) demonstra claramente que se esforçava em torná-lo mais complexo e interessante. Após estas longas sessões introdutórias eis que um violino é introduzido na história e aí não há mais como não descobrirmos a verdade dos fatos. É uma leitura divertida, mas descompromissada como livros deste tipo devem ser, leitura tranquila para estes dias cinzas de inverno. [início 08/08/2010 - fim 10/08/2010]
"La voz del violín", Andrea Camilleri, tradução de María Antonia Menini Pagés, ediciones Salamandra, 1a. edição (2002), brochura 11,5x18 cm, 254 págs. ISBN: 978-85-7888-738-5

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

la luna de papel

"Lua de papel" é o nono dos livros de Andrea Camilleri onde o comissário Montalbano aparece. Os personagens já evoluiram bastante: Mimí Augello está casado e com um filho pequeno; Catarella tornou-se um hacker algo habilidoso (muito do que passa por inteligência é mesmo apenas computação, como já disse José Paulo Baravelli); Montalbano ainda é fiel a Lívia, mas flerta com algumas das mulheres que aparecem na trama. Publicado originalmente em 2008 "La luna de papel" é um livro onde Camilleri fala das relações temerárias entre o poder e a máfia, entre os políticos e o submundo do crime organizado. Camilleri abusa de truques neste livro: o artifício de sonhos como ferramenta de solução de enigmas, alguns símiles cinematográficos e teatrais no encaminhamento da investigação, o que torna o final algo fraco a meu juízo. Mas os romances policiais servem para entreterimento ligeiro e isto Camilleri sabe oferecer. [início 02/08/2010 - fim 04/08/2010]
"La luna de papel", Andrea Camilleri, tradução de María Antonia Menini Pagés, ediciones Salamandra, 1a. edição (2010), brochura 11,5x18 cm, 253 págs. ISBN: 978-84-9711-122-5

sábado, 7 de agosto de 2010

una canción del ser y la apariencia

Cees Nooteboom é um dos escritores mais originais que já conheci. Neste pequeno livro, publicado originalmente em 1981, ele fala do ofício de escrever, da capacidade de se inventar algo que poderia ser real. Mas ele não enfada o leitor com teorias e academicismos e sim o enreda em um par de histórias, muito curiosas, que iluminam alguns seus pontos de vista sobre o tema. O livro termina com um comentário sobre a teoria da relatividade de Einstein e um curto trecho de uma das peças de Calderón de la Barca que realmente surpreendem o leitor. De la Barca apresenta um autor conversando com sua obra, o mundo, que se descobre potencia por força do gênio deste autor. Esta espécie de epílogo replica as duas histórias que acabamos de ler. São dois planos. Um escritor nosso contemporâneo está a produzir um romance. Em seus contatos sociais cruza com um outro escritor, que acompanha (como nós acompanhamos o livro que estamos a ler) a história que o primeiro escritor está produzindo. Ele tentar interferir no enredo, mas isto irrita o primeiro escritor, que sempre modifica seus planos quando percebe que está sendo influenciado pelo outro escritor. Eles discutem literatura e a aparência das coisas, falam de Fernando Pessoa e Jorge Luiz Borges. A história que está sendo escrita é sobre um triangulo amoroso que se passa na Bulgária dos anos 1870, ainda as voltas com guerras de independência, guerras com o império otomano. A influência russa em sua cultura também é algo perene no livro. Um militar de carreira, um coronel, e um colega seu, também militar, mas que exerce a medicina discutem o mundo em que vivem em meio as escaramuças e batalhas. O coronel é um sujeito amargurado, que tem pesadelos e que depende de remédios para tolerar a vida. Após uma vida em batalhas o médico se casa, mas de alguma forma precisa que o coronel continue próximo a ele, e o convida para sua viagem de núpcias à itália. Em certa medida ele acredita que sua mulher deva ser seduzida pelo militar, pois acredita no papel positivo do ciúme nas relações afetivas. O coronel por sua vez acredita ser correspondido na paixão postiça que tem pela mulher, que curiosamente não tem voz no romance. Quando o autor decide por fim ao livro que está escrevendo, seus personagens parecem querer fazer o mesmo, cada um a seu modo. Curioso e tocante livro este. [início 25/07/2010 - fim 29/07/2010]
"Una canción del ser y la apariencia", Cees Nooteboom, tradução de Julio Grande, ediciones Siruela (Novos Tempos), 1a. edição (2010), brochura 14x21,5 cm, 103 págs. ISBN: 978-84-9841-346-5

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

la pista de arena

Comecei minhas férias de inverno pensando em reler "El desvío a Santiago", do Cees Nooteboom. Seria minha forma de comemorar este Año Jacobeo (ou Ano Xacobeo, como diria um gallego), relembrar as errâncias de Nooteboom pela sempre estival Espanha. Mas quando cheguei a Madrid e encontrei este Camilleri recém saído do forno (foi editado em abril deste ano) não resisti. Troquei de leitura ali no aeroporto mesmo (os livros sabem do quão volúveis somos e esperam nossa volta quase sempre com paciência). "La pista de arena" é um romance policial bem compacto. Montalbano encontra um cavalo morto em uma praia próximo a sua casa e se enreda no mundo hipócrita e violento das corridas de cavalos, das apostas clandestinas, da lavagem de dinheiro. Intrigas entre a máfia siciliana e a decadente burguesia do sul da Itália são descritas com algum sarcasmo no livro. Montalbano se mostra neste livro mais lascivo e sedutor (a idade fez bem ao sujeito). Ele consegue também livrar seu armeiro Galluzo de uma encrenca com seus superiores (o espírito de grupo, a unidade entre seus comandados, sempre é uma marca nas histórias de Camilleri). A trama se desenrola como se espera em uma novela policial, mas a miríade de nomes torna tudo mirabolante demais para o meu gosto. Paciência. [início 22/07/2010 - fim 25/07/2010]
"La pista de arena", Andrea Camilleri, tradução de María Antonia Menini Pagés, ediciones Salamandra, 1a. edição (2010), brochura 14x22 cm, 221 págs. ISBN: 978-84-9838-276-1

terça-feira, 3 de agosto de 2010

encontros com 40 grandes autores

Talvez exatamente por conta de sua estúpida diagramação a capa deste livro conseguiu chamar minha atenção. Descobri rapidamente que "Leya" é apenas o nome da editora. Há que se ter paciência com um designer que se acha criativo. Pensei também que talvez se tratasse de uma coletânia das falsas entrevistas feitas por um jornalista que havia sido desmascarado naquela época mesmo (mas não, o sujeito que inventava entrevistas - e que foi desmascarado por Philip Roth - era um italiano, Tommaso Debenedetti). Bueno. Neste livro encontramos não exatamente quarenta entrevistas, mas quarenta relatos de encontros com escritores de ficção e de não-ficção, encontros recentes, realizados nos últimos dez anos no máximo. Gostei de ler este livro principalmente por conhecer apenas um terço dos entrevistados e do fato de muitos dos que não conhecia terem me impressionado favoravelmente (que ambição tola é mesmo tentar conhecer tudo o que se escreve e se publica). Conhecer algo sobre o processo de criação destes autores nos torna melhores leitores (mesmo que nestas entrevistas isto seja naturalmente fragmentado ou ainda descontextualizado). De qualquer forma livros deste tipo são muito melhores que manuais de estilo ou oficinas de criação literária, sempre eficazes sendeiros para a pasteurização, seja do estilo ou das idéias. A revisão do texto deixou passar umas bobagens de tradução (coisas como "checador" para que eu acredito ser "revisor" - uma dupla ironia afinal de contas, ou "divulgador" para que talvez fosse apenas um "relações públicas"). Nas entrevistas o jornalista sempre tem a palavra final, desnudando aspectos que ficaram cifrados, acrescentando algum sarcasmo em seus comentários. A bem da verdade boa parte do que se faz em nome da isenção no jornalismo é mesmo moralmente injustificado, mais isto já sabíamos. [início 22/05/2010 - fim 19/07/2010]
"Encontros com 40 grandes autores", Ben Naparstek, tradução de Elisa Nazarian, editora Leya Brasil, 1a. edição (2010), brochura 16x23 cm, 252 págs. ISBN: 978-85-62936-22-7

domingo, 1 de agosto de 2010

a janela de esquina de meu primo

Nesta preciosa edição da Cosac Naify encontramos um pequeno texto que nos ensina a observar, nos lembra do valor em exercitar nossa capacidade de entender o que nos cerca. Um sujeito vai visitar um primo seu, inválido e alquebrado, mas nem um pouco taciturno. Este primo mora em um apartamento que dá vista a uma grande praça de mercado na Berlin romântica do início do século XIX. O sujeito é recebido pelo primo e, antes de uma frugal refeição, narra suas conversas com ele, conversas que se concentram na descrição dos tipos humanos que circulam pela praça: vendedores, criadas, comerciantes, jovens funcionários, soldados, cozinheiras, especuladores, esnobes, mendigos. O tal primo, como bom anfitrião que é, ensina sua arte, partilha sua experiência. (com o narrador e conosco, os leitores). Quem neste mundo dinâmico e de aparências cultiva e preza ainda ensinamentos deste tipo? Quem se permite refletir originalmente sobre o que vê? Quem arisca uma interpretação da realidade que não seja repetição tola de idéias alheias? O pequeno livro inclui ilustrações muito boas de Daniel Bueno e conta com um posfácio levemente acadêmico de Marcus Mazzari. O único defeito do livro é ser breve. Leitura boa para um final de semana de inverno, leitura plena e intoxicante como só a vida sabe ser. [início 12/07/2010 - fim 17/07/2010]
"A janela de esquina de meu primo", E.T.A. Hoffmann, tradução de Maria Aparecida Barbosa, editora CosacNaify, 1a. edição (2010), capa-dura 16x23 cm, 80 págs. ISBN: 978-85-7503-890-1