Durante quarenta dias entre agosto e setembro de 1947 John Steinbeck e Robert Capa viajaram por algumas das repúblicas soviéticas. Os dois sentiam-se algo incomodados com o clima beligerante entre americanos e soviéticos no pós-guerra, nos anos iniciais do que viria a ser conhecido por guerra fria. Aliados na luta contra Hitler, os dois impérios dividiram zonas de influência e se acusavam de transgressões e objetivos inconfessos nesta partilha. Ambos possuiam artefatos atômicos e já se imaginava que uma nova guerra seria inevitável. Steinbeck já era um escritor respeitado, vencedor de um prêmio Pulitzer (ele viria a ganhar o Nobel em 1962). Capa um foto-jornalista mais do que experimentado em reportagens deste tipo. Ambos foram simpatizantes do socialismo real, como parte significativa dos intelectuais no pós-guerra. Steinbeck propõe-se fazer uma reportagem honesta, que apenas registre o que ele vê, sem comentários políticos ou análises conjunturais profundas. Apesar das restrições ao trânsito de extrangeiros que o regime soviético fazia à época os dois conseguiram visitar Kiev (na atual Ucrânia), Stalingrado (atualmente Volvogrado) e os balneários da Georgia, além da capital Moscou, que na época da viagem festejava com pompa e orgulho seus 800 anos. Steinbeck e Capa registraram o dia a dia da população, conversaram com pessoas de todos os tipos (embora seja razoável supor que todas tinham sido de alguma forma selecionadas pelo serviço secreto soviético). Capa fez cerca de 4000 fotografias. O livro inclui uma centena delas. Fotos de paz e não de guerra, como aquelas impressionantes de seu livro "ligeiramente fora de foco". São fotos que contam uma história paralela ao texto (como costuma acontecer com os bons fotógrafos). O texto de Steinbeck é jornalístico, sem firulas ficcionais, mas através do qual aprendemos o quão bom escritor ele foi. Como bom prosista ele consegue registrar vividamente o humor das situações absurdas sem se tornar piegas ou chato. A meu juízo ele exagera nas críticas às idiosincrasias de Capa (seus hábitos noturnos e ablusões matinais, seu zêlo com os negativos das fotografias e reclamações frente as limitações impostas pelos russos). Capa contribui com um texto curto, duas ou três páginas que ele chama de "uma queixa justificada", onde ele reclama da convivência forçada com Steinbeck e das vicissitudes da viagem. É um livro interessante e válido ainda hoje, entretanto parece que eles falam de um mundo tão distante que ninguém poderia mais nele se reconhecer (a meu juízo porque o mundo tornou-se muito mais artificial e hipócrita do que naqueles dias). [início 01/03/2011 - fim 08/03/2011]
"Um diário russo", John Steinbeck, fotografias de Robert Capa, tradução de Claudio Alves Marcondes, editora Cosac Naify, 2a. edição (2010), capa-dura 16x23 cm, 328 págs. ISBN: 978-85-7503-951-9 [edição original: A russian journal, Viking Press (USA), 1948]
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