Na praia é o segundo livro de McEwan que eu leio. "Reparação" foi um assombro, belo livro mesmo. Este é um curto livro que trata quase exclusivamente de um tema: a posssibilidade de um homem e uma mulher expressarem seu amor mútuo sem a necessidade do sexo. Escrevo amor mas poderia até mesmo citar companheirismo, amizade, admiração, e por aí vai. Mas amor é mais fácil de escrever e mais difícil de separar do sexo. Em nossa economia psicológica o amor e o sexo têm funções distintas, mas como prescindir de um ou até de ambos? O enredo de McEwan se desenvolve nas poucas horas de um fim de dia em um balneário inglês do início da década de 1960. O livro começa com um jovem casal que acabou de se casar e jantam em um hotel à beira mar. Eles nunca trocaram mais que carícias tímidas e estão algo apreensivos com a trepada (conjunção carnal diria o conselheiro Acácio, mas para mim é trepada mesmo) que afinal de contas é natural que aconteça após o jantar. É um livro descritivo, escrito em uma forma direta e elegante; há algo de Proust nas descrições das frases musicais que a moça dedilha em um piano e a descrição de como pensamos e agimos, a descrição de nosso mundo interior, é joyceana na medida certa. Há uma tensão dos diabos nos diálogos e nos movimentos dos dois personagens, aliviada por uma divisão curiosa de capítulos, onde o autor alterna os momentos no quarto do hotel com as histórias de cada um (os dois não são da mesma classe social, mas ambos são bons estudantes universitários e têm vários interesses em comum). Bom, não temos a força de "Reparação" aqui, mas é um belo livro, que se lê com prazer. O livro é curtíssimo, pouco mais de cem páginas, lê-se quase de uma sentada só. Ian McEwan mostra neste livro do que é capaz um escritor de verdade quando quer trabalhar o conceito de tempo em uma obra literária, comprimindo os segundos as vezes e noutras alargando os anos numa vertigem, em longos parágrafos que lemos sem tomar fôlego. Ao final ficamos refletindo sobre os infinitos mundos possíveis que cada uma de nossas decisões permitiriam serem criados. De tudo o que é possível, a realidade nos aferra a apenas um dos destinos, um dos mundos, que é afinal nossa própria história de vida, para o bem ou para o mal, sem remissão.
Na praia, Ian McEwan, tradução de Bernardo Carvalho, Editora Companhia das Letras, 1a. edição (2007) brochura 14x21cm, 128 pág. ISBN:978-85-359-1042-1
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