domingo, 11 de dezembro de 2011

e depois

De Natsume Soseki já resenhei aqui três bons livros: "Eu sou um gato" (seu livro de estréia, de 1905), "Kokoro" (um de seus últimos, de 1914) e "Sanshiro" (publicado em 1908). "E depois" é de 1909, faz parte de uma trilogia que começa com "Sanshiro" e termina com "Mon", uma trilogia onde Soseki discute as transformações (rápido crescimento econômico, reforma agrária, industrialização e modernização, com forte impacto nas tradições, convenções e relações sociais) pelas quais o Japão passou do final do século XIX para o início do século XX. Em "E depois" Soseki nos apresenta Daisuke, rapaz que recebeu a melhor educação possível, é poliglota e bom leitor, interage com diplomatas estrangeiros, homens de negócios importantes, amigos de sua família, mas não encontrou alguma ocupação fixa, vivendo das mesadas generosas que recebe de seu pai. Ele leva uma vida reflexiva, mantém elípticas e cifradas (no sentido que nunca expõe verdadeiramente suas opiniões) com seu irmão, sua cunhada, seus amigos. Seu pai tem interesse que ele trabalhe nos negócios da família e se case com a filha de um rico produtor rural. Daisuke reencontra dois de seus grandes amigos dos tempos de escola. Um deles, Hiraoka, casou-se com uma garota, Michiyo, por quem ele, Daisuke, teve algum interesse, mas não atreveu-se a avançar. Esse amigo envolveu-se em uma confusão financeira e teve de abandonar sua promissora carreira adminstrativa, tornando-se um rancoroso jornalista. O outro, Terao, tinha planos de tornar-se um escritor importante, mas tem dificuldades em publicar seus textos e reclama reiteradamente do pragmatismo da sociedade japonesa de seu tempo e das bruscas transformações sociais que vivenciam. Daisuke sabe que é incapaz de prover seu próprio sustento, mas também não se vê ocupando-se dos mesmos afazeres mundanos de seus amigos. Ao tentar conciliar suas dificuldades financeiras com aquelas de seus dois amigos, conseguindo empréstimos com sua cunhada e seu irmão, Daisuke acaba percebendo-se apaixonado pela mulher de seu amigo e que essa paixão é correspondida por ela. Nos termos em que o personagem imagina, essa relação é claramente algo difícil de ser aceito pela sociedade japonesa em que vive. Dividido entre suas obrigações morais e o desejo, sua responsabilidade filial e a individualidade, Daisuke antecipa todos seus movimentos, suas palavras, as reações das pessoas com quem interage, como se a vida pudesse ser controlada e racionalizada. Sua mente ansiosa o impede de interpretar corretamente o alcance de seus atos, as consequências de suas decisões. O título já sugere que um enredo como esse pode ter múltiplos desfechos, menos manter-se indefinidamente congelado (e essa seria a principal metáfora de Soseki no livro: ele parece insinuar que o Japão que se ocidentaliza - e não perde a essência, as tradições - é incapaz de antever as consequências sociais da rápida transformação da sociedade). Como na vida real, as coisas não se resolvem sozinhas, o tempo não costuma afastar para sempre aquilo que nos aflige e assusta. Soseki é mesmo um escritor poderoso. [início 28/10/2011 - fim 11/12/2011] 
"E depois", Natsume Soseki, tradução de Lica Hashimoto, São Paulo: editora Estação Liberdade (1a. edição) 2011, brochura 16x23, 280 págs. ISBN: 978-85-7448-201-9 [edição original: Sorekara (それから) Tokyo, 1909]

Um comentário:

Anônimo disse...

Poderoso.