sábado, 30 de junho de 2018

trio pagão

Em "Trio pagão" Sérgio Medeiros enfeixa três propostas poéticas distintas e  complementares: "Esculturas de caligrafias", "Enrique Flor, o novo" e "[O] Rio perdido". Cada proposta do tríptico poético é acompanhada por uma pequena nota introdutória do autor, onde ele detalha a gênese de suas invenções, e uma apresentação, cada uma delas assinadas, respectivamente, por Gonzalo Aguilar, eu mesmo e Odile Cisneiros. "Esculturas de caligrafias" é um conjunto de vinte e três poemas visuais, desenhos como aquele que é reproduzido na capa do livro, nos quais a mão do poeta emula garatujas similares aquelas que uma vez ele viu um índio xavante produzir no final dos anos 1980. Esse índio, Jerônimo Tsawé, respeitado pelos seus, tornou-se uma espécie de guru do autor e é citado em outros trabalhos seus. Essa parte do livro se encerra com a reprodução de um artigo de Sérgio Medeiros, publicado originalmente em um jornal paulista, em 2011, onde ele explica as circunstâncias dos encontros que teve com aquele seu mestre xavante e traça paralelos entre os sonhos de Tsawé e as experiências da Alice de Lewis Carroll. Como fiz a apresentação da segunda proposta, "Enrique Flor, o novo", reproduzo-a aqui para melhor esclarecer o que entendi dela: “Enrique Flor”, o poema, é uma proposta refinada, sutil, onde inspiração e referências eruditas se plasmam. Nele encontramos novas aventuras de Enrique Flor e também algo sobre a evolução de sua música vegetal, de sua arte vegetal. Mas quem é afinal Enrique Flor? Quando lemos o “Ulysses”, de James Joyce, encontramos primeiro Bloom, depois Flower e depois Flor. Leopold Bloom e Henry Flower aparecem quase juntos no quarto episódio do livro, no início da manhã, e são na verdade a mesma pessoa, pois Bloom só vive suas breves metamorfoses como Flower quando troca cartas e flerta com uma amiga virtual. Já Enrique Flor o leitor só conhecerá brevemente no décimo segundo episódio, já no final da tarde, após muitos e variados sucessos de Bloom. Pois esse Enrique Flor é citado como o músico que tocou órgão com notória habilidade em uma missa de núpcias, no dia anterior ao dia de Bloom, o Bloomsday. As cenas deste décimo segundo episódio do “Ulysses” são paródicas, tudo é exagerado, hiperbólico, retórico, típico de conversas irrelevantes e risíveis de bar (os personagens estão em um pub, o “Barney Kiernan”). A curta passagem em que encontramos Enrique Flor, parte de um relato sobre um casamento arbóreo, contrapõe, à sua música de inspiração vegetal, o desmatamento da Irlanda provocado pelos invasores ingleses. Em 2012, no “Totens”, também editado pela Iluminuras, Sergio Medeiros imaginou uma deliciosa biografia desse músico português radicado em Dublin e citado por James Joyce, contando-nos algo daquelas notórias habilidades musicais que ele praticava. Medeiros recria o espírito de sua obra musical e composições, fala de seus concertos, de suas preocupações ecológicas e ambientais. Preocupações que o fizeram sair de Dublin, voltar a sua querida e igualmente desmatada pátria, Portugal, não antes de uma curiosa visita às selvas da América, onde deixa um discípulo brasileiro, que posteriormente adotaria seu nome, mas multiplicando-o, quando passa a chamar-se Henrique Flores. Nesse novo livro, que inclui um apêndice visual, “O olhar das plantas”, formado por quinze pranchas em branco onde é registrado o surreal ato botânico de plantas fitarem poemas não escritos, telas em branco. Enfim. Sergio Medeiros é um poeta que experimenta o mundo, sempre curioso e com método. Um poeta antenado, que parece não ter medo de testar as possibilidades de seu ofício, de criar sua própria vanguarda, de provocar – concretamente – o leitor. Ele procura entendimento e expressão na linguagem, tanto a linguagem que pode ser vocalizada e é mais cerebral, construída, quanto outra, que parece brotar diretamente do mundo sensível a nossa volta, a linguagem do mundo físico, natural, o mundo das formas, sons e cores, o mundo material que se irradia e preenche o espaço, o mundo das árvores e das flores, dos elementos. Um humor, joyceano (na falta de outra palavra), preenche o livro, conduz o poema. Nele o leitor encontra o novo Enrique Flor em Dublin, ora metamorfoseado nas festividades do Bloomsday, talvez o mais sofisticado “Cosplay” de nossos tempos, ora em chamas, junto com as árvores do incêndio de Pedrógão Grande, em Portugal. O poema alterna episódios que tratam da nova encarnação de Enrique Flor e outros que marcam as horas do dia, horas que funcionam como estásimos corais de uma tragédia grega e cantam as deambulações de uma família de turistas num Bloomsday. O Enrique Flor que refloresta o mundo, que distribui sementes, sementes que brotam pela cidade, bloomzeiros em flor, será sacrificado em Portugal, num sonho, como aquele de Molly Bloom, no final de Ulysses. Após incêndios a vegetação devastada naturalmente se recupera. O solo, fertilizado pelas cinzas, fará brotar novos botões e ramos nas árvores calcinadas, fará eclodir as sementes para repovoar a terra. Não é improvável que outro Enrique Flor desabroche no futuro no jardim poético de Sergio Medeiros. Logo veremos. A terceira e última proposta, "[O] Rio perdido", é dito ser uma prosopopéia pagã, ou seja, é um poema (ou peça de teatro - o próprio autor explicita não ser fácil distinguir entre os gêneros) em que sentimentos humanos são como que vocalizados por seres inanimados. Medeiros dá voz a uma rocha do Rio perdido, um rio que corre pelo Mato Grosso do Sul, no Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Essa rocha fala da ação do tempo, desde quando era ígnea, depois retangular, lentamente esculpida pela ação das águas e finalmente grafitada por algum vivente. O "marulho" que se ouve quando nos aproximamos das águas é a voz desta pedra. O grafite na rocha também é uma encarnação de uma ninfa das águas, Dona Primitiva. O poema conversa obviamente com o Finnegans Wake de Joyce, com Anna Livia Plurabelle, a personificação do Rio Liffey que corta Dublin. Ao contrário do que disse um dia Proust sobre o mar ("La Mer  ne  porte  pas  comme  la  terre  les  traces  des  travaux des  hommes  et  de  la  vie  humaine"), os vestígios dos trabalhos dos homens não apenas deixam traços como destroem tudo inexoravelmente, inclusive os rios, como o Rio perdido e inclusive a paciência de suas ninfas, como Dona Primitiva. Esse registro já ficou enorme, portanto pouco importa se eu acrescentar umas linhas. Semanas atrás, em São Paulo, por uma coincidência dos diabos comprei esse livro para presentear Heloísa, mulher de um grande amigo, que descobri que Claudia, irmã da Heloísa, conhecia bem don Sérgio Medeiros e sua mulher, Dirce. Essa aldeia é mesmo muito pequena. Vamos em frente. Vale! 
Registro #1276 (poesia #92) 
[início: 25/04/2018 - fim: 28/06/2018]
"Trio pagão", Sérgio Medeiros, Florianópolis: Editora Iluminuras,1a. edição (2018), brochura 13,5x19 cm., 216 págs., ISBN: 978-85-7321-576-2

terça-feira, 26 de junho de 2018

nem vem

Indicado com certo entusiasmo por um amigo querido, pensei que iria me envolver mais e apreciar esse "Nem vem", de Lydia Davis, mas não foi o caso. Talvez eu pudesse dizer a ele e ao eventual leitor, de forma elíptica e confortável, que trata-se de um livro interessante, acrescentar uma ou outra ambiguidade, mas não vai ser este o caso. Paciência. As 122 curtas narrativas que forma o livro estão divididos em cinco conjuntos, mas não há diferenças notáveis entre eles. Há algo de aleatório, monótono, idiossincrático nas histórias, que são bem escritas, mas logo cansam o sujeito, como exercícios fúteis que sabemos fazer e pouco acrescentar a nosso engenho. Talvez eu entenda o porquê. Praticamente todo o material já havia sido publicado originalmente em jornais e revistas. Lidos separadamente são potentes e instigantes, mas quando enfeixados num volume deixam explícita a irregularidade no acerto de cada um. Os relatos ou narrativas, contos enfim, na falta de uma palavra melhor, envolvem o registro cáustico de cousas banais do cotidiano, o olhar irônico sobre o hábito, a rotina e as convenções sociais. O leitor encontra o registro laborioso de sonhos bastante engenhosos, sonhos dela mesma e de amigos; invenções com verniz autobiográfico; cartas formais envolvendo questões práticas, direitos privados ou reclamações públicas; espantos com o inusitado da vida; fragmentos de memórias; mini contos amalucados; sociologia selvagem; tiradas de humor; conversas roubadas; epifanias artificiais; jogos verbais; uma falsa biografia de uma meia irmã mais velha. Há também várias reconstruções de passagens das famosas cartas que Flaubert escreveu para Louise Colet, nas quais ele fala sobre a gênese de seu romance Madame Bovary. São interessantes, reconheço, mas prefiro o resultado obtido por Julian Barnes em seu "O papagaio de Flaubert", derivado do mesmo assunto e material. É muita "angústia da influência" para um livro só. Paciência velho e cansado Guina, paciência. Vamos em frente. Vale! 
Registro #1275 (contos #148) 
[início: 15/02/2018 - fim: 28/02/2018]
"Nem vem: ficções", Lydia Davis, tradução de Branca Vianna, São Paulo: Editora Schwarcz (Grupo Companhia das Letras),1a. edição (2017), brochura 13,5x20,5 cm., 302 págs., ISBN: 978-85-359-2962-1 [edição original: Can't and Won't (New York: Farrar, Straus and Giroux / MacMillan Publishers) 2014]


segunda-feira, 25 de junho de 2018

guía madrid diferente

Os guias de viagem costumam envelhecer mal, pois tudo de factual neles pode muito bem mudar (e certamente muda), mas eles também guardam para nós algo que foi vivido quase sempre com intensidade, com gozo e, talvez por conta disto, nos recusamos facilmente a desfazer-se deles. O caso desse "Guía Madrid diferente" não caberia ser apresentado assim. Afinal comprei esse volume apenas no início desse ano e não o utilizei efetivamente em uma viagem, ao menos não nessa sua metamorfose, a de um livro impresso. Na última vez em que estive em Madrid consultei sim sua versão digital, que foi muito útil e me facilitou descobrir cousas novas pela cidade (nunca conheceremos completamente nem a cidade onde nascemos, o que dizer daquelas que apenas visitamos brevemente ou nas quais vivemos por temporadas longas apenas depois de já cínicos e mal acostumados pelo hábito, fiel e cruel camareiro. Só sei que aprendi um bocado com esse guia. Ao alcance de seu celular ou num computador você encontra tudo o que precisa saber sobre a cidade: onde comer e fazer compras, hospedar-se, desfrutar de tudo com calma e sem culpa, encontrar a agenda de eventos e espetáculos, os serviços essenciais. Ótimo, entretanto a versão em livro oferece algo mais. Trata-se de um objeto mágico, um livro de arte, colorido e ilustrado, repleto de informações e histórias nas quais dificilmente prestamos atenção na versão digital, apressados que estamos. Claro, nada supera a realidade de uma viagem, daquela sensação que tão bem Josep Pla descreveu como um "milagre vivido". Esses escolhos na forma de livros que eventualmente distribuímos pela casa nos fazem voltar calmamente àqueles dias de magia e encantamento, de ansiedade e descobertas, de epifanias sem fim, em que vivemos "drowning in honey, stingless". Vale!
Registro #1274 (turismo #72) 
[início: 25/01/2018 - fim: 11/02/2018]
"Guía Madrid diferente: La cara más genuina de la ciudad", Martín López Cano, Madrid: Ediciones La Libreria (Madrid Diferente),1a. edição (2016), brochura 15x21 cm., 256 págs., ISBN: 978-84-9873-340-2

domingo, 24 de junho de 2018

a certeza das coisas impossíveis

Marcio Renato dos Santos é o senhor das histórias curtas, curtíssimas. De sua imaginação brotam coisas inusitadas que a princípio resistimos a aceitar, talvez por algum mecanismo de defesa, já que somos todos parecidos com aqueles homens ocos e bizarros que ele descreve, em histórias que se resolvem num sopro, como na vida. "A certeza das coisas impossíveis" é seu sétimo volume de contos publicados (os anteriores são, pela ordem, "Minda-au", "Golegolegolegolegah!", "2,99", "mais-laiquis", "Finalmente hoje" e "Outras dezessete noites"). Nesse estão reunidas onze histórias recortadas, nas quais saberemos apenas um fragmento epifânico da vida de alguém: de uma mulher que imagina o homem certo que deve entrar em sua vida; de um sujeito que por ansiedade sonha uma situação amalucada; da cinéfila que vê seu mundo de fantasias ruir; do solitário que publica sobre si em classificados de jornal; de uma deusa grega metamorfoseada e revivida no mundo moderno; do vendedor que acorda ao lado de uma amante morta; de um militar corrupto que imagina poder repetir o mito de Odisseu; de dois rapazes que discutem sua relação após a morte de um amigo; de um sujeito que sonha poder higienizar seu caminho para o trabalho. Algumas histórias são melhor resolvidas que outras, mas o conjunto é bom. Gostei particularmente de "Vertigo [Passo a passo]", uma espécie de "Vidas paralelas" de Plutarco adaptado para contar os sucessos de dois curiosos anônimos curitibanos. Há humor nas histórias, mas as parcas parecem velar silentes por todos contos, terríveis e inevitáveis que são. Vale! 
Registro #1273 (contos #147) 
[início-fim: 19/06/2018]
"A certeza das coisas impossíveis", Marcio Renato dos Santos, Curitiba: Editora Tulipas Negras, 1a. edição (2018), brochura 11,5x18,5 cm., 104 págs., ISBN: 978-85-917171-7-0

sábado, 23 de junho de 2018

noite escura

Apesar de pequeno esse "Noite escura" é poderoso. São apenas 72 páginas no formato A6, o tamanho de um cartão postal (para quem não se lembra, cartões postais eram uma forma de mídia que utilizávamos para nos comunicar, mas essa é outra história). Rodrigo Ungaretti Tavares, que assina literariamente R. Tavares, nos conta os sucessos de uma noite, desde pouco antes da meia noite até o arrebol da manhã seguinte. Marco, um matador de aluguel, precisa resolver um trabalho que não foi bem finalizado e, junto com seu ajudante Juvêncio, toma rumo a uma fazenda na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. Nada mais escrevo para não furtar do leitor o encanto de acompanhar como a questão prática e profissional daquele matador acaba se resolvendo. O texto é limpo, objetivo, sem muitas digressões. O ritmo é cinematográfico, lembra obviamente westerns antigos, revistas Tex, as cousas reinventadas por Quentin Tarantino, sobretudo pela estilização da violência, sempre gratuita, mesmo quando é pura ficção. Tavares não cai em armadilhas morais, nem oferece ao leitor o lenitivo de, por exemplo, uma redenção mítica. Baita livro, diria um gaúcho do campo, da fronteira, tão bem cantada por Tavares neste pequenino livro. Ojo, seguro que se ouvirá falar deste sujeito por aí. Em tempo: quase esqueço de dizer que o sujeito é apadrinhado literariamente por Alcy Cheuiche, que assina um prefácio. Só isso já vale uma missa, mas descobri que ele é primo do Botelho! Só me faltava agora ele ser parente do Giuseppe. Aí sim. Vale! 
Registro #1272 (novela #71) 
[início-fim: 17/06/2018]
"Noite escura", Rodrigo Ungaretti Tavares, Porto Alegre: Martins Livreiro Editora, 2a. edição (2018), brochura 10x15 cm., 80 págs., ISBN: 978-85-7537-272-2

sexta-feira, 22 de junho de 2018

o estranho caso ford

Li esse "O estranho caso Ford" ainda em 2017, mas só faço agora um registro, pois inventei de fazê-los na ordem cronológica em que Donna Leon publicou seus livros e não na ordem que os encontrei (esse volume é uma edição portuguesa, lançada num hoje distante 2002). Os sucessos de agora passam-se numa primavera, os personagens estão próximos do final do ano letivo, da chegada dos turistas, das férias. A trama envolve questões de gênero; o ofício do ensino, sobre ser ou não um bom professor; técnicas de investigação e interrogatórios; a corrupção endêmica do estado italiano; o amor aos livros e a inteligência; o terrível e negado passado fascista italiano; questões de ordem moral. Uma garota, aluna de Paola, muito inteligente e culta, pede a Brunetti sua opinião em um hipotético caso de herança que acaba materializando-se quando ela aparece morta. Brunetti e Paola, Elettra e Vianelo precisarão juntar esforços e engenho para descobrir a origem da fortuna em imóveis e do dinheiro que a garota recebia, vindo do exterior, bem como dos interesses cruzados nas mortes dela e de sua protetora, uma excêntrica senhor alemã, já bastante idosa. Romance bastante intrincado e bem escrito. Mais bem resolvido que o quase aborrecido "Um mar de problemas", volume anterior da série. Mas vamos em frente. Vale! 
Registro #1271 (romance policial #70) 
[início: 20/11/2017 - fim: 30/12/2017]
"O estranho caso Ford (Brunetti #11)", Donna Leon, tradução de Maria João Freire de Andrade, Lisboa: Booket (Grupo Planeta Manuscrito), 1a. edição (2009), brochura 12,5x19 cm., 311 págs., ISBN: 978-989-657-316-4 [edição original: Wilful Behavior (Zürick: Diogenes Verlag AG / Penguin Randon House Group) 2002]

quinta-feira, 21 de junho de 2018

brava serena

"Brava Serena" é o segundo romance de Eduardo Krause. Li dele o primeiro, o bom "Pasta senza vino", em 2015. Em "Brava Serena", contrariando aquela frase feita que nos ensina nunca retornar a um lugar onde um dia fomos felizes, Roberto Bevilacqua, um brasileiro aposentado, resolve emigrar para a Itália e lá viver seus últimos anos. Roberto é um escravo dos hábitos, de sua rotina de remédios e controle alimentar, subprodutos de uma vida dedicada a cálculos de risco, especialista em seguros que era. É um sujeito que teve uma única filha, Clara, de quem se distanciou irreversivelmente e que ficou viúvo e solitário ainda jovem. O leitor acompanha sua chegada a Roma, onde retoma aulas de italiano e rememora os dias em que viveu ali em sua viagem de núpcias. Krause organiza a narrativa do contraste entre a rigidez algo inusitada desse brasileiro setentão e a vivacidade da filha da proprietária da pensão onde ele passa a viver em Roma, a Serena do título do livro. Serena é uma jovem italiana cuja alegria de viver, hedonismo e vitalidade transbordam por todo o livro. Vários temas são explorados por Krause: diferenças entre gerações, questões de gênero, estereótipos culturais, cinema e entretenimento popular, dificuldades de comunicação, memória e afeto, amor e morte. Trata-se de um livro leve, contido até, fruto de um olhar otimista sobre o envelhecimento,  da expectativa que temos do futuro e do entendimento prático que podemos ter da passagem do tempo sobre nós mesmos. Em algum momento da leitura senti falta de um tom mais trágico na existência daqueles personagens, algo mais próximo ao clima do neorrealismo italiano. Imaginei que algo verdadeiramente infausto pudesse tornar os personagens mais humanos, mais críveis. Mas ao final aceitei a proposta do Krause, que, invertendo o aforismo de Tolstoy, faz de seus personagens felizes cada um a sua maneira e talvez só essas particulares felicidades seja aquilo mesmo que cada um de nós merece ambicionar, esperar, receber, da vida. Belo romance. Viva Krause. E já espero o próximo volume de teu "il trittico". Vale!
Registro #1270 (romance #336) 
[início: 18/05/2018 - fim: 04/06/2018]
"Brava Serena", Eduardo Krause, Porto Alegre: Não Editora, 1a. edição (2018), brochura 14x21 cm., 320 págs., ISBN: 978-85-61249-65-6

quarta-feira, 20 de junho de 2018

paseos por venecia

Já enfeitiçado por Donna Leon e seus romances policiais, encomendei esse livro de Toni Sepeda. Nele estão descritos os caminhos trilhados por Guido Brunetti e os demais personagens dos livros de Leon, que sempre exploram a mítica Veneza. "Paseos por Venecia" entrega ao leitor exatamente aquilo que o título promete: são descritos doze passeios que um entusiasta dos livros de Donna Leon poderá percorrer a pé por Veneza, cada um deles em uma ou duas horas, assim como a indicação de como se deslocar até as ilhas da laguna veneziana: San Michele, Murano, Burano, Le Vignole, Lido, San Servolo e Pellestrina. Nos mapas correspondentes a cada passeio são apresentados os pontos principais que podem interessar o leitor: os palácios, restaurantes e bares, os museus, praças e pontes, os mercados, lojas e igrejas, os canais, cafés e monumentos públicos. Cerca de metade do livro corresponde a transcrições de passagens dos originais de Donna Leon, inseridas ao longo das rotas que a autora (Sepeda) oferece ao leitor. A edição original é de 2008, portanto estão incluídas nestas rotas transcrições dos primeiros dezessete livros (que somam hoje vinte e oito, Donna Leon sabe ser prolífica). Mas não são as transcrições o que mais interessam neste livro. O leitor acompanha o caminho de um afeto, o de Toni Sepeda pelos livros de Donna Leon, todavia cada leitor poderá inventar o seu, propondo outros cruzamentos, outras aventuras, afinal nem tudo é objetivo nas viagens, nem tudo segue o roteiro imaginado antes delas, e o melhor meio de conhecer uma cidade é perder-se nela, reencontrando-se apenas horas depois. Muito interessante. Vale! 
Registro #1269 (turismo #11) 
[início: 03/05/2018 - fim: 15/05/2018]
"Paseos por Venecia con Guido Brunetti", Toni Sepeda, tradução de Ana Maria de la Fuente, Barcelona: Seix Barral (Editora Planeta S.A.), 1a. edição (2014), brochura 13,5x23 cm., 326 págs., ISBN: 978-84-322-3183-4 [edicão original: Brunetti's Venice (Zürich: Diogenes Verlag AG) 2008]

terça-feira, 19 de junho de 2018

late essays: 2006-2017

Somente em Javier Marías encontro a capacidade de síntese e reflexão equilibrada, de estilística e generosas surpresas, de associações felizes e erudição absurda, completa, que são a norma dos textos de J.M. Coetzee. Nesse "Late essays: 2006-2017" estão reunidos seus ensaios mais recentes, 23 deles, produzidos após sua imigração definitiva para a Austrália e adoção de sua nova nacionalidade (lamentavelmente a África do Sul tornara-se demasiado tóxica para ele neste conturbado inicio de século). Não se trata de material inédito. Alguns ensaios foram publicados ao menos em uma versão abreviada na revista americana "New York Review of Books", outros publicados na forma de introdução a reedições de livros clássicos. O interesse manifesto nos ensaios quase sempre é o entendimento de uma obra especifica de um autor, mas há também analises do conjunto da obra de alguns. Coetzee reiterou um ensinamento dele que já havia percebido em seus demais livros de critica ("Inner workings", "Costas estrañas" e "Ensayos selectos"): preocupar-se com eventuais "spoilers" ao falar de uma obra é totalmente dispensável, uma perda de tempo, um zelo derivado e danoso desses tempos onde a obsessão com o politicamente correto como que nos tornou voluntariamente limitados. Ele analisa objetivamente tanto a narrativa ficcional, a invenção, quanto as motivações dos autores delas; avalia simultaneamente as intenções e os resultados alcançados pelos autores; especula sobre a verossimilhança dos personagens e as técnicas narrativas utilizadas; não tem paciência e nem oferece perdão a bizarrices autobiográficas, afeitas aos ditames em moda na sociedade e no mercado literário. Quando ele fala da vida dos autores o faz panoramicamente, não se atendo a fofocas ou a detalhes bobos sobre o comportamento e a psique dos sujeitos que analisa. Em geral ele aparenta ter lido tudo a respeito dos autores que investiga, como zeloso acadêmico que é (ele não parou de dar aulas e publicar artigos mesmo após ter ganho o financeiramente importante prêmio Nobel em 2003). Coetzee nunca fica preso a causos engraçados. Ele enfatiza em suas analises aspectos filosóficos, políticos, históricos relacionados as obras, sempre de forma fundamentada, factual. Enfim, mais que crítica literária o que encontramos aqui são aulas magnas de um professor experiente, um sábio que quase nos enfurece com seu absoluto domínio da matéria. Quando aponta as falhas específicas de cada livro ou autor que analisa, Coetzee oferece também indicações de como deve  preparar-se para seu ofício um sujeito que tenha a pretensão de tornar-se um bom escritor. Coetzee fala de Daniel Defoe, Nahaniel Hawthorne, Ford Madox Ford, Philip Roth, Goethe, Heinrich von Kleist, Flaubert, Irène Némirovsky, Juan Ramón Jiménez, Antonio Di Benedetto, Tolstoy, Zbigniew Herbert, Beckett, Patrick White, Les Murray, Gerald Murnane e Hendrik Witbooi, ou seja, não há espaço para cotas politicamente corretas e pruridos pós-colonialistas em suas escolhas, em seus objetos de crítica. Está certo ele, claro. Vale! 
Registro #1268 (crônicas e ensaios #227) 
[início: 22/04/2018 - fim: 15/05/2018]
"Late Essays: 2006-2017", J.M. Coetzee, New York: Viking Press (Penguin Randon House LLC), 1a. edição (2017), capa-dura 14,5x22 cm., 297 págs., ISBN: 978-0-73522-391-2

segunda-feira, 18 de junho de 2018

quebrantos e sortilégios

Nos dez contos curtos reunidos em "Quebrantos e sortilégios" somos apresentados por Ivo Bender a mundos de sonho, de fábula, de cinema antigo, nos quais o tempo flui nos dois sentidos e nem sempre é contínuo, onde vidas são como que miradas por meio de uma lente difusa, cuja opacidade nos impede de compreender a realidade das coisas. Lado a lado de fragmentos de citações que denunciam uma refinada erudição, trechos cifrados de mitologias, símbolos e histórias antigas, encontramos cenas de um gótico interior gaúcho, registros do cotidiano e do hábito dos emigrantes alemães e do impacto das migrações deles, do campo para a cidade, acontecidas sobretudo nos anos 1950 e 1960. "Quebranto", que dá nome ao volume, parece recontar o mito de Tirésias, que foi cego e viu mais que todos os gregos, que foi homem e mulher; "O general e suas mulheres" fala de como é justiçado um velho general torturador; Em "Jonas, Mauro e Horacina" dois velhos amigos experimentam uma paixão tardia por uma atriz mambembe; "Os caminhos de Corina" lembra muito aquele clima lírico e trágico que Fellini sabia mesclar, sobretudo em "Noites de Cabíria"; "O bosque encantadoé um conto de fadas sobre um rapazote de origem alemã e as três bruxas que ele encontra; em "As filhas de Teobaldo", outro conto de fadas, se fala das metamorfoses dos sétimos filhos dos sétimos filhos; "A fugitiva" fala das circunstâncias do exílio de uma cantora lírica no Brsil;  "A deusa de Arthur" brinca com o amor de um rapaz por Marilyn Monroe; "O graxain" funde o mito de Acteon com o golpe militar de 1964; "Ramiro Escobar e Salamanca" trata da tragédia de um velho senhor que perde tudo ao viver o sonho que sua babá havia lhe contado na infância. Ivo Bender alcança criar mundos que prendem o leitor às narrativas, enfeitiçados como seus personagens pela beleza barroca, botânica, visceral das coisas. Pena só ter conhecido suas invenções apenas agora. Vale!
Registro #1267 (contos #146)
[início: 28/02/2018 - fim: 03/03/2018]
"Quebrantos e sortilégios", Ivo Bender, Porto Alegre: Terceiro Selo, 1a. edição (2015), brochura 14x21 cm., 128 págs., ISBN: 978-85-68076-15-6

sábado, 16 de junho de 2018

ulisses: um estudo

Hoje se comemora o Bloomsday, evento internacional que celebra a obra do escritor irlandês James Joyce, autor do “Ulysses”, publicado em 1922. O elo comum entre os simpatizantes envolvidos nestas comemorações é o esforço por relembrar os acontecimentos das 18 horas vividas pelos personagens do "Ulysses" no dia 16 de junho de 1904. O Bloomsday é comemorado em dezenas de países, pelo menos desde 1954. O Bloomsday Santa Maria, desde 1994, é o segundo mais antigo evento desta natureza realizado no Brasil. O objetivo principal do Bloomsday é a "promoção e a divulgação de James Joyce em ambiente não acadêmico", através de leituras de sua poesia e prosa, exibição de filmes, debates, exposições artísticas e discussão sobre aspectos culturais e literários do “Ulysses” e das demais obras de Joyce. Qual não foi minha alegria quando um dia conheci Abdon Franklin de Meiroz Grilo e soube que ele mantinha um blog com notas de apoio a leitura do "Ulysses". Anos depois ele transformou esse blog em um livro, um portento, fazendo-me um convite honroso, dando-me o privilégio de escrever uma apresentação a seu belo “Ulisses Um estudo”. Apesar de ficar comovido pela deferência sei que minha missão é simples, pois ao percorrer as páginas deste livro o leitor descobrirá que tem em mãos uma contribuição das mais originais, relevantes e úteis da bibliografia especializada em português sobre o “Ulisses”, de James Joyce. Abdon Grilo nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, em 1935, mas por força de seu ofício (ele é médico e militar), viveu longos períodos em várias cidades brasileiras. Está radicado em Santa Maria há quase trinta anos. Pai de três filhas e avô de seis netos, ele sempre cultivou três paixões: os livros, as relações interpessoais e a História. Essas paixões, aliadas à sua curiosidade natural, fez com que ele sempre estivesse a estudar e acumular conhecimento (além de formado em Medicina, ele cursou também História e Teologia, e foi licenciado em Filosofia). Sua familiaridade com o Ulisses é antiga. Foi por meio de um artigo na “Revista Manchete” que foi despertado para o livro, no início dos anos 1970, quando morava em Santa Catarina. Conseguiu num sebo na Rua da Carioca, durante uma viajem ao Rio de Janeiro, um exemplar da tradução pioneira, a de Antônio Houaiss, publicada em 1966. Esse exemplar foi dado de presente para uma amiga, no início dos anos 1990 para incentivar a leitura de Joyce, com anotações suas em algumas páginas. Essa intenção de criar leitores não foi um episódio isolado, nesta mesma época Abdon presenteou com a tradução de Houaiss um seu fraterno amigo, professor da Universidade Federal de Santa Maria, e com outra tradução, a de Bernardina Pinheiro, a um seu genro. Em 2005, ao saber de uma nova tradução do Ulisses, feita por Bernardina Pinheiro, Abdon tornou a ler o livro. As notas de leitura incluídas nesta tradução o inspiraram a produzir algo parecido. Mas, segundo suas palavras, ele foi adiante do trabalho de Bernardina, passando a fazer um registro pessoal das diferenças entre as duas traduções. Posteriormente, em 2012, repetiu o processo de ler uma nova tradução, a de Caetano Galindo, terceira em português do Brasil, e continuou a fazer e registrar suas comparações entre elas. Ajudado por uma sobrinha, Isabel, conseguiu digitalizar todo o material que havia produzido até então e disponibilizou-o ao público. Lembro-me quando, por sugestão de um amigo nosso em comum, já no final de 2013, experimentei o espanto de conhecer a versão original de seu blog dedicado ao Ulisses (http://ulissesjoyce.wordpress.com). Percebi que se tratava de um trabalho original, minucioso. Abdon comenta sobretudo as traduções dos muitos termos em hebraico, grego e latim, idiomas que conhece bem. Ele compara também as soluções encontradas pelos três tradutores brasileiros do livro de várias citações e jogos de palavras, aponta nelas certos equívocos e contradições, bem como a origem das passagens mais enigmáticas e o acerto ou não das menções à cultura hebraica, principalmente no caso das datas festivas. Foi só alguns meses após este encontro virtual, já próximo ao Bloomsday de 2014, que conseguimos marcar um encontro e nos apresentar formalmente. Aí sim tivemos a chance de conversar sobre a sistematização de seu trabalho, sobre o Ulisses e sobre James Joyce. Fiquei ainda mais impressionado quando ele me disse que desconhecia a existência de trabalhos similares ao dele em língua inglesa. Falei-lhe do Don Gifford, do Weldon Thorton e do Stuart Gilbert, mas ele nunca havia consultado esses autores. Emprestei-os para que ele os consultasse e, entusiasmado, incentivei-o a produzir uma versão em livro. A partir desta época nossos encontros tornaram-se um hábito feliz (e não só de Joyce, Ulisses e literatura falamos). Cada encontro sempre foi uma renovada oportunidade que me foi dada de aprender algo das múltiplas facetas deste senhor sempre elétrico, definitivamente um legítimo “Grilo falante de Goianinha”, como o apelidou, um dia distante em 1946, Monteiro Lobato, então a prolongar seu exílio em Buenos Aires, na dedicatória que fez em um livro presenteado ao um Abdon ainda criança, mas já irrequieto e leitor sistemático. Enfim, após meses revisando cuidadosamente todos os verbetes do blog, episódio a episódio do livro, cotejando as três traduções para o português, polindo seu trabalho, com paciência, zelo e atenção, Abdon chegou a um resultado final, que é o livro que agora o leitor tem nas mãos. “Ulisses Um estudo” saberá defender-se sozinho. Nas muitas oportunidades em que tivemos de conversar sobre seu trabalho, Abdon, modesto, afirma que seu livro não tem a pretensão de interpretar Ulisses, como o professor Caetano Galindo magistralmente o fez ano passado em “Sim, Eu Digo Sim – Uma Visita ao ‘Ulisses’ de JamesJoyce”, publicado pela Companhia das Letras. Ele reitera sempre que apenas cometeu anotações de apoio à leitura, que instrumentalizam o leitor a construir sua própria interpretação. Um insone leitor ideal, aquele imaginado e desejado por Joyce, ou seja, todo verdadeiro leitor joyceano, não poderia esperar mais que esse cuidado. Evoé, Abdon, evoé! Vale! 
Registro #1266 (crônicas e ensaios #226) 
[início: 02/02/2018 - fim: 16/08/2018]
"Ulisses: um estudo", Abdon Franklin de Meiroz Grilo, Santa Maria: Editora Rio das Letras, brochura 21x28 cm., 736 págs., 2018, ISBN: 978-85-65172-47-9

sexta-feira, 15 de junho de 2018

inquérito policial família tobias

Não havia me interessado em ler esse volume de Ricardo Lísias quando foi lançado, com certo e calculado alarde, em 2016. Entretanto Helga, senhora dos livros arte, das gravuras e das colagens, encontrou-o na Feira de arte gráfica ReTina, no início de junho e acabei lendo. Trata-se de um jogo metaliterário, uma proposta de discussão sobre os limites entre ficção e realidade. Na verdade esse volume (na falta de uma palavra melhor para descrever o apanhado de folhas e plaquetes reunidas em uma pasta arquivo) é o subproduto de uma série de cinco e-books que Lísias publicou de forma seriada desde setembro de 2014. Nos e-books se conta a história de um escritor chamado Ricardo Lísias e da subsequente investigação capitaneada por um sujeito/personagem dito Delegado Tobias. No jogo proposto por Lísias uma camada de ficção soma-se a primeira, a partir do momento em que ele inventa que um Delegado Tobias real o teria denunciado ao Ministério Público Federal, instando a procuradoria a conduzir uma investigação de eventual falsificação de documentos públicos. Tudo falso, obviamente, mas a coisa é escrita com o intuito de deixar o leitor sempre em dúvida sobre o que eventualmente poderia ser real ou ficcional. Dezenas de jornalistas e/ou críticos literários e/ou blogueiros de plantão parecem ter voluntariamente se unido a Lísias na divulgação de que a Polícia Federal real o teria intimado, numa crítica explícita aos vagos critérios utilizados pela polícia para gastar recursos e tempo, enfim, dando eco a crítica generalizada das fragilidades de todo sistema judicial brasileiro. Paciência. O que importa aqui é que como peça de ficção esse "Inquérito policial família Tobias" é fraco, para dizer o mínimo, já que o volume nada mais é de que uma coleção de desastradas histórias familiares dos Tobias, gente incapaz de entender adequadamente a realidade, e que eventualmente morrem ou fracassam em função desta inabilidade. A brincadeira sobre se foi real ou não a tal denúncia e consequente inquérito do autor Lísias é frouxa demais. Vivemos em um país onde tudo que pode ser bizarro e inusitado prospera, alcança a categoria de insultos generalizados à inteligência, visto que se sabe que somente aqui é possível que criminosos condenados imaginem ser candidatos a presidência da república, que criminosos condenados continuem a legislar no parlamento federal, voltando ao cárcere após o expediente, que investigados de toda a sorte de crimes se apresentem como candidatos a cargos públicos sendo alegremente apoiados por legiões de escravos mentais e indigentes morais, de todos os estratos sociais. Enfim, Lísias só é um escritor cabotino demais, um escritor que deve imaginar que todos seus eventuais leitores são completos idiotas, é alguém incapaz de escrever algo que realmente empolgue e pague o tempo investido por seus leitores. Paciência. A vida é breve, o tempo de leitura curto. Vamos em frente. Nem como livro arte essa joça parece interessaante. Vale! 
Registro #1265 (romance #335)
[início: 07/06/2018 - fim: 09/06/2018]
"Inquérito policial família Tobias", Ricardo Lísias, São Paulo: Editora Lote 42, 1a. edição (2016), pasta com ferragem de garras 22,5x30 cm., 116 págs., ISBN: 978-85-66740-18-9

quinta-feira, 14 de junho de 2018

un mar de problemas

É maio, alta primavera, o calor já excita a imaginação dos venezianos. Uma boa ideia seria aproveitar que os turistas ainda não tomaram conta da cidade, ir as praias, descansar, mas, é inevitável, estamos em um romance policial, um crime acontece. Nesta aventura o comissário Brunetti é forçado a se deslocar ao sul, a Pellestrina, a ilha que junto com a muito mais famosa Lido (a Lido das praias e do festival de cinema), parecem proteger Veneza e sua laguna das águas serpeantes do Mar Adriático. Dois pescadores, pai e filho, são mortos em seu barco. Os ilhéus de Pellestrina são xenófobos demais para permitir que um investigar estrangeiro, de Veneza, alcance descobrir as razões do assassinato. Neste volume o leitor acompanha mais uma metamorfose de Elettra, a secretária  multi-meios de Brunetti, desta feita artífice dos movimentos que levarão a elucidação do crime e do desfecho da trama do livro, que envolve a influência silenciosa da máfia, a tensão penere entre o Norte e o Sul italiano, os compromissos atávicos que obrigam os sujeitos a comportamentos por vezes condenáveis. Nesse volume fiquei algo incomodado com os clichês e as citações, excessivos aqueles e frouxas demais essas, mas talvez seja meu mal humor de plantão que censure com demasia a fórmula narrativa de Donna Leon, sempre tão constante e previsível afinal de contas. Eu disse que Elettra passa por uma metamorfose, mas o certo seria registrar que todos os personagens parecem experimentar a passagem do tempo, o medo da morte, algum tipo de confronto moral, numa antecipação do balanço final que esperam poder fazer todos os prosélitos de algum porvir. Curioso. Tirei esse primeiro semestre para ler Donna Leon com disciplina, portanto haverá mais cousas desta senhora por aqui. Vale!
Registro #1264 (romance policial #69)
[início: 27/01/2018 - fim: 05/02/2018]
"Un mar de problemas (Brunetti #10)", Donna Leon, tradução de Ana Maria de La Fuente, Barcelona: Editora Seix Barral (booket, coleção Crymen y Misterio) , 1a. edição (2011), brochura 12,5x19 cm., 287 págs., ISBN: 978-84-322-1769-2 [edição original: A Sea of Troubles (London: William Heinemann / Penguin Randon House Group) 2001]

quarta-feira, 13 de junho de 2018

karen

Ana Teresa Pereira é uma escritora portuguesa experiente (publicou dezenas de livros desde 1989). É também uma escritora respeitada e premiada. Seu romance mais recente, "Karen", recebeu o prêmio Oceanos do ano passado. Publicado originalmente em 2016 ganhou esse ano uma versão brasileira, editado pela Todavia. É um romance psicológico, minimalista, um quebra cabeças sem solução explícita. É de fato muito bem escrito, em capítulos curtos, num clima de contos de fada, de fantasia, do vivido por alguém permanentemente intoxicado, de cinema de mistério. O leitor acompanha o desconcerto de uma mulher que acorda em uma casa do interior inglês, é identificada e reconhecida como sendo Karen, senhora de um casarão decrépito, mulher de um sujeito enigmático e recluso, e que é servida por duas mulheres, uma velha governanta e uma jovem de uma aldeia próxima, que faz a limpeza da casa. Todavia, ela desconhece essa realidade, tem consciência de não ser e não reconhecer uma mulher chamada Karen, muito embora tenha afinidade com o gosto estético por livros, cinema e galerias de arte reputado a ela. Não é o tipo de livro sobre o qual gostaríamos que alguém contasse o final, apesar de que pode-se imaginar várias possibilidades narrativas para explicar esse final. Assim como em nossas jornadas e escolhas pessoais, que são intransferíveis, a solução do enigma vivido por Karen só pode ser alcançada por ela mesma. Somente alguém perverso, que tenha prazer no sofrimento alheio, poderia dar continuidade a crise de identidade vivida por ela, mas quem sabe ser mais perverso e cruel que nós mesmos, limitados homo sapiens, que aprendemos a nos controlar, vigiar e punir. Os demais personagens, o narrador e até nós leitores, pouco saberão sobre a natureza e as justificativas para a imersão na escuridão e na intimidade que Karen vivencia (e que se não tem retorno, pois parece ser cíclica, permite um contínuo exercício intelectual, de auto investigação, até de aprimoramento). Interessante. Talvez seja o caso de conhecer outras narrativas dessa prolífica portuguesa. Vale! 
Registro #1263 (romance #334) 
[início: 13/02/2018 - fim: 15/02/2018]
"Karen", Ana Teresa Pereira, São Paulo:Todavia livros, (1a. edição) 2018, brochura 14x21 cm., 120 págs., ISBN: 978-85-93828-44-7 [edição original: Karen (Lisboa:Relógio D'Água editores) 2016]

terça-feira, 12 de junho de 2018

o livro das coisas verdadeiras

Da coleção de volumes de crônicas publicados pela Arquipélago já havia lido três do Luís Pellanda, senhor do tempo curitibano, mas ainda estou devendo os do Humberto Werneck, do Ivan Angelo e do Luiz Ruffato. Calma no Brasil, ainda há tempo, sempre digo eu, mas sei que eles podem se perder na confusão de casa. Noutro dia encontrei nesses guardados, da mesma coleção, esse "O livro das coisas verdadeiras", de Pedro Gonzaga, professor, poeta e tradutor porto-alegrense. São 53 crônicas, publicadas anteriormente em jornal, mas algo reinventadas, pois à elas Gonzaga acrescenta pequenos pós-escritos, comentários em que ele reflete sobre a perenidade da coisa, dos acertos e desacertos daquilo que engendrou, da eventual repercussão que à época elas provocaram. Ele optou por organizá-las no que chamou de ordem emotiva, portanto não cronológica, de forma que o leitor é guiado pela chave de um  afeto, mas um afeto de empréstimo, que talvez seja mais caro ao autor. Ele também usa neles a chave do humor, que sempre é um troço complicado. Não que não funcionem, mas os pós-escritos roubam alguma coisa das crônicas originais, que são belas, e sabem se defender muito bem sozinhas, acho eu. Acompanhamos um sujeito que sabe ver o mundo, não tem medo de recuperar as influências do passado, se espanta e analisa seus espantos cotidianos, registra seu amor aos livros, aos amigos, aos alunos e as viagens. Trata-se do produto de um escritor que esconde um leitor profícuo e disciplinado, pois escondidas nas crônicas há uma miríade de micro-citações, de estalos, associações e epifanias, cousas que fazem a alegria de nós, apressados leitores. Depois de conhecer esse volume passei a acompanhar as crônicas que Gonzaga publica semanalmente (clica aqui!, para ler pequenos trechos delas). Estão realmente saborosas e merecem metamorfose para o formato mais perene dos livros. Tomara que sim. Vale!
Registro #1262 (crônicas e ensaios #225) 
[início: 26/01/2018 - fim: 18/02/2018]
"O livro das coisas verdadeiras", Pedro Gonzaga, Porto Alegre: Arquipélago Editorial (A arte da crônica, vol. 8), (1a. edição) 2016, brochura 14x21 cm., 166 págs., ISBN: 978-85-60171-82-8

segunda-feira, 11 de junho de 2018

la mujer de martin guerre

Publicado originalmente em 1941, "La mujer de Martin Guerre" é um romance histórico, não de sucessos icônicos, transformadores ou chaves da história da humanidade, mas inspirado num processo judicial bizarro que aconteceu no interior da França, em meados do século XVI. A história é mesmo curiosa, sendo que esse livro de Janet Lewis é apenas uma de suas muitas versões ficcionais, tanto literárias (de Alexandre Dumas, Honore de Balzac e Javier Marías, para apenas citar três) quanto cinematográficas. O texto original que inspirou esses autores foi publicado em 1561 por Jean de Coras, juiz da região de Toulouse, na Occitânia francesa. Duas das famílias que dominavam economicamente um vale afastado das rotas importantes dos Pirineus franceses resolvem uma antiga contenda fazendo casarem-se seus dois jovens herdeiros, nem pré-adolescentes ainda, Martin e Bertrande, crianças de pouco mais de onze anos. Quando completam quatorze as crianças consumam seu casamento e passam a morar juntas na propriedade dos pais de Martin, em Artigue, mas só oito anos depois deles nasce um filho, Sanxi. Logo depois, por conta de uma desavença com seu pai, Martin resolve viajar até um vilarejo próximo para comprar sementes e promete a mulher retornar em uma semana, mas isto não acontece. Ele fica ausente por quase oito anos e  é tido como morto, mas retorna, alquebrado e envelhecido, a seu vilarejo, reclamando seus direitos, como pai, marido e senhor das terras de seus pais, já mortos. Apesar de um estranhamento inicial Bertrande o aceita como seu desaparecido marido, retoma a rotina dos negócios da família e chega a ter uma filha com ele, pouco mais de um ano depois. Todavia esse revivido Martin é acusado por um tio de Bertrande de ser um impostor e é levado a julgamento, primeiro em Riex e logo, numa complexa apelação, em Tolouse. E nada mais conto da trama. O livro de Lewis é curto, escrito em uma linguagem direta, objetiva, restrita a fatos, como num relatório ou peça judicial, mas é rica em insinuações, provocações e reviravolta narrativas, digressões e reflexões sobre preceitos morais e éticos. O leitor acompanha como num transe o processo de investigação da identidade de Martin e os interesses cruzados no caso (que não apenas são econômicos, mas também religiosos, pois na época em que se passa a historia a França está dividida entre a fé católica e os prosélitos do protestantismo, lá e  naquela época conhecidos por Huguenotes). É um livro que se deixa ler com genuíno prazer, interessante mesmo. É sim um digno volume da editora Reino de Redonda, invenção genial de Javier Marías. Vale!
Registro #1261 (romance #333) 
[início: 08/03/2018 - fim: 11/03/2018]
"La mujer de Martin Guerre", Janet Lewis, tradução de Antonio Iriarte, prólogo de Manuel Rodríguez Rivero, Madrid: Reino de Redonda (1a. edição) 2016, capa-dura 14,5x23 cm., 180 págs., ISBN: 978-84-936887-8-3 [edição original: The Wife of Martin Guerre (San Francisco: Colt Press) 1941]

sexta-feira, 8 de junho de 2018

533 días

Gloria Gauger (capa)
Ler os textos de Nooteboom é algo similar a experiência de ver imagens em câmera lenta ou a de acompanhar o ritmo botânico do crescimento. Ele digressa com calma, explora as possibilidades de um tema, retoma argumentos e pontos de vista que antes abandonara, acumula camadas de entendimento e epifanias. Como preso por um sortilégio o leitor é levado por Nooteboom a partilhar de suas reflexões como se estivesse junto a ele, próximo àquilo que seu olhos veem e seu cérebro processa num preciso instante. Os 533 dias do título correspondem ao período que vai de 01/08/2014 a 15/01/2016, período em que ele comemorou o quinquaségimo ano em que, de forma ininterrupta, visita Menorca, a pequena ilha do Mediterrâneo que ele conheceu ainda jovem, aos 32 anos, em 1968. São 80 anotações, numeradas, praticamente um registro por semana. Nooteboom é um homem que viaja, frequenta feiras literárias, dá palestras, lança livros mundo afora, mas prefere anualmente enfrentar o calor do verão espanhol (seus registros desta vivência estão espalhados por sua obra, notadamente em "El desvío a Santiago" e "Lluvia roja"). Ele fala do ritual de reabrir sua casa mediterrânea já no final da primavera, de ver os livros que ali ficaram esperando-o, como numa instalação de arte contemporânea, reencontrar insetos e pequenos anfíbios, palmeiras e cactus, hospedes mais perenes de sua residência. Ele fala de seu ofício, de como alterna produção literária com as tarefas banais de manutenção da casa, das conversas que tem com os vizinhos, dos amigos que morrem, do tédio e da criatividade, da memória involuntária, das descobertas que ainda faz pela ilha, das festas religiosas que frequenta, dos matizes de cor que vê no céu o no mar naqueles meses que passa por lá. O mundo real (época da crise dos imigrantes na Europa, de uma eleição na Catalunya, de uma troca de primeiro ministro na Grécia, de um conflito na África) frequenta o noticiário e suas preocupações, mas não a ponto de fazê-lo esquecer de Borges, Kafka e Montaigne, de Tácito, Ésquilo e Brecht, dentre tantos outros escritores. Suas memórias de encontros ou da leitura sistemática de escritores formam a parte mais vibrante do livro (aprendi um bocado sobre autores húngaros e sobre o suiço Frisch, que nunca li). Há um suave contraste entre Norte e Sul, sobre uma Europa que precisa aceitar suas diferenças étnicas e históricas antes de realmente unificar-se. Não se trata de um diário ou de confissões de um homem idoso e cansado. As anotações, os registros, poderiam crescer e eventualmente virar matéria de um volume de ficção ou ainda de um grande ensaio. Em algum momento o calor de Sant Lluís em Menorca é contrastado com o frio de uma região no sul da Alemanha, nas festas de final de ano, onde ele também passa algum tempo todos os anos. O livro inclui diversas fotografias, de insetos e das flores de seus cactus, dos caminhos e das velhas casas de pedra de Menorca (assinadas por sua perene companheira, Simone Sassen). As vezes a memória falha e ele se pergunta, como todos nós: será já o Alzheimer, ou apenas um pequeno esgotamento noturno? Que belo livro. Não me canso de dizer como vale a pena ler Nooteboom, um dos grandes escritores de nosso tempo. Vale!
Registro #1260 (crônicas e ensaios #224)
[início: 23/03/2018 - fim: 29/03/2018]
"533 días", Cees Nooteboom, tradução de Isabel-Clara Lorda Vidal (prosa), fotografias de Simone Sassen, Madrid: Ediciones Siruela (colección El Ojo del Tiempo, #103), 1a. edição (2018), brochura 15x23 cm., 215 págs., ISBN: 978-84-17308-21-6 [edição original: 533: Een dagenboek (Antwerpen/Netherlands: De Bezige Bij) 2016]

quinta-feira, 7 de junho de 2018

saudades dos cigarros que nunca fumarei

Túlio Cerquize (capa)
Em fevereiro tirei uns dias de férias, fui às bordas dos campos de Piratininga rever meus irmãos e amigos, prometi não me envolver com os registros de minhas leituras, que só as retomaria após a volta aos pagos do Rio Grande. Ai de mim. Àquele mês somaram-se três outros sem escrever sobre livros e já são tantos lidos e não resenhados, volumes que parecem me cobrar atenção quando os olho empilhando-se sob minha escrivaninha. É que o hábito, fiel camareiro, nos serve tanto para o bem quanto para o mal, e se nos disciplina a atender à torpe rotina da vida também nos faz demorar a aceitar sua natural dubiedade, pois acostumados ficamos com o conforto de seus mimos, com a sedução das repetições, com a constância, a inércia e o tédio. Mas se Ennui, como nos ensinaram os provençais, é puro tédio, Arnaut Daniel nos cantou que havia uma flor cujo cheiro o afastava: "l'olors de noi gandres" (e essa é outra história, a história de Noigandres, que não cabe aqui). Talvez por sinestesia, o que me afastou do tédio não foi o cheiro de uma flor específica, mas o ruído das reclamações de meus amigos, especialmente o Cohen, o Melo, o Paulo e o Nogy. Sigamos então caro hábito, aos registros dos livros que eu li, "Once more unto the breach, once more". Em "Saudades dos cigarros que nunca fumarei" encontramos 64 ensaios. São textos curtos, coisa de no máximo três ou quatro páginas, mas todos muito poderosos, seminais mesmo. Gustavo Nogy tem um humor dos diabos, um sarcasmo que desnuda lugares comuns, chavões, tolices politicamente corretas, ideias ruins e demais tonterias que vicejam por aí. Os assuntos são variados. Ele fala de política nacional, de conceitos filosóficos, da grande e da má literatura, de cultura brasileira, de futebol, das práticas do jornalismo, dos modismos sociológicos, das vicissitudes que vida, sociedade e corpo experimentam. Ele alcança disfarçar sua erudição e conhecimento sobre muitos assuntos, fazendo o leitor acompanhar seu raciocínio sem sobressaltos. Não há jargões acadêmicos ou malabarismos teóricos nos ensaios. Nogy, por meio da inegável qualidade literária de seu texto, exemplifica como se pode procurar compreensão dos enigmas cotidianos que continuamente aparecem e nos assombram: uma notícia de jornal; um achado literário; o porquê mesmo de nos comportarmos desta ou doutra forma; como um determinado assunto dominou corações e tempo das pessoas; quando foi mesmo que substituímos uma verdade consagrada por outra. Seus ensaios têm o mérito particular de exemplificar notadamente o que distingue esse gênero daquilo que acostumamos a chamar de crônicas, tão vulgarizadas hoje em dia, já se sabe (em que pese o fato de ainda haver bons cronistas no Brasil, sendo que o curitibano Luís Henrique Pellanda é o que mais gosto). Os propósitos e os resultados que se pode alcançar com essas duas formas são bem diferentes. Nos ensaios de Nogy não é de um encantamento ou do inusitado de uma experiência que brota o texto, mas sim de uma reflexão ponderada sobre um assunto, que se parece inicialmente banal, presta-se ao entendimento de um padrão de comportamento, de uma verdade social, de um conceito maior. Nogy cria poderosas metáforas e sínteses, é objetivamente temático, não sabe ser piegas nem bobo, nem quando se esforça a isso (e apesar de já ter dito que seus ensaios são apenas bobajadas que um editor cansado fez mal em publicar). Até recentemente ele escrevia no jornal Gazeta do Povo. Agora não sei. Vamos a ver o que esse nobre êmulo de Paulo Francis, Ivan Lessa, Nelson Rodrigues e Millor Fernandes (não se assuste leitor, é isso mesmo, acredite, o sujeito é bom). Acho que logo veremos. Vale! 
Registro #1259 (crônicas e ensaios #223)
[início: 01/04/2018 - fim: 19/04/2018]
"Saudades dos cigarros que nunca fumarei: ensaios imprudentes", Gustavo Nogy, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2017), brochura 14x21 cm., 264 págs., ISBN: 978-85-01-11084-8