Do Marcio Renato já li uns bons livros de contos e um dicionário saboroso sobre sua Curitiba fundamental. "Finalmente hoje" é sua quarta coletânea. São 14 histórias, curtas, onde encontramos diálogos rápidos, informais, usualmente bem humorados, mas que alcançam lirismo nas situações duras, que captam o ritmo frenético do cotidiano e algo do assombro que experimentamos todos, todos os dias. Ele experimenta um bocado. As histórias têm temas variados, mas em quase todos encontramos um jogo sobre a passagem do tempo. Os narradores de Marcio falam da lembrança de um sujeito sobre uma mulher, tia de um amigo ("Com açúcar, com afeto"); das consequências incontroláveis do desapego ("Um a um"); da memória intoxicada que uma mulher tem de dois homens ("Finalmente hoje"); de um sujeito que sonha e não sente o tempo que passa ("Enviar uma carta") ; da cupidez de um taxista ("O segredo do casamento"); do transe de alguém que precisa de um ônibus ("Jardim Paraíso"); de um perdedor que não se lamenta de sua sina ("Vigília"); de um casal e sua escatologia ("Semiticona"); da rotina mortal de um sujeito ("Bem-estar, poucos passos"); da típica rede de intrigas num escritório ("Feliciano é o meu senhor e nada me faltará"); das cenas terríveis de um casamento ("O bom espírita"); dos devaneios de um escritor ("É um táxi que chega inesperadamente"). Gostei particularmente de "Pimenteira", que reproduz os desatinos provocados pela superstição em um empresário e de "Não dá pra segurar", quase um exercício freudiano de recuperação de memórias; mas cada um dos contos a seu modo defende-se bem (Mempo Giardinelli, um mestre do gênero, já disse que há contos que se tornam populares a despeito da falta de carinho que o escritor tem por eles, enquanto outros, dos quais se esperava sucesso, que fossem muito lidos, acabam esquecidos pelos leitores. Sempre há mistério na sobrevida das histórias que são criadas com dor e carinho, mas inevitavelmente fogem de casa, escondidas nos livros). Vamos a ver o que encontraremos na próxima safra deste curitibano inquieto. Vale.
[início: 09/05/2016 - fim: 10/05/2016]
"Finalmente hoje", Marcio Renato dos Santos, Curitiba-PR: editora Tulipas Negras, 1a. edição (2016), brochura 14x21 cm., 96 págs., ISBN: 978-85-917171-2-5
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