A experiência de ler um livro de Simon Schama sempre é muito mais que satisfatória. Lembro-me do assombro provocado pela leitura de "Cidadãos" e da miríade de informações que encontrei no "Paisagem e memória". Esse seu "A história dos Judeus" é o primeiro de dois volumes de um projeto ambicioso, que envolve também um documentário, uma série educativa em cinco episódios (de aproximadamente quinze horas), produzida para a televisão numa parceira entre a americana PBS e a inglesa BBC, série infelizmente não disponível no Brasil, mas que um leitor curioso pode apreciar em parte através da boa entrevista dele com Adam Hochschild, disponíveis no Youtube. Trata-se de um projeto em que ele se envolveu há quarenta anos, quando foi convidado para completar um trabalho iniciado por um grande especialista no tema, o historiador britânico Cecil Roth, que dedicara toda a vida ao assunto e morrera sem finalizá-lo. Schama nunca sentiu que estava preparado para enfrentar o tema até 2009, quando convidado a produzir uma série educativa para televisão sobre o judaísmo começou de fato a trabalhar no velho livro, sempre imaginado como uma ponte de comunicação e informação entre o público judeu e o público não judeu. A ambição é tremenda. Claro, trata-se de um projeto que envolve centenas de pesquisadores e colaboradores. Schama empresta sua reconhecida facilidade de expressão e síntese para organizar o livro (sua prosa é uma maravilha de ler, por mais árido que seja o assunto ou terrível que seja a descrição dos muitos desastres e sofrimentos de que padeceu o povo judeu). Ele sempre é sobretudo um narrador, que recolhe nas histórias particulares de indivíduos aquilo que é exemplar para toda a comunidade, de todo o povo. Ele fala do soldado que de uma fronteira remota escreve uma carta para a mãe; do poeta que canta sua fé; do sujeito anônimo que constrói uma sinagoga e deixa algo dele fixado nela; da mulher que faz negócios, empresta dinheiro; do vizir que era judeu; do cientista que constrói bússolas e escreve almanaques astronômicos; do doutor da lei que interpreta a Torá. Ele preserva a historicidade, na medida que um historiador do início do século XXI alcança ser fiel à um história que remonta 30 séculos, mas sabe povoar seu livro com associações e metáforas que talvez só a fé corrobore ou possa validar, como numa justaposição entre a memória e a razão, entre o menino que aprende na yeshivá e o cientista que orienta na academia. Sua história brota do papiro, dos cacos de cerâmica, do velino, dos pergaminhos, dos mosaicos, dos pergaminhos, dos incunábulos e do papel. Sendo assim é também a história da escrita, do livro, talvez a maior das aventuras do homem. Neste primeiro volume ele discute 2500 anos, percorrendo a geografia dos muitos êxodos, exílios, desterros, banimentos. A cada capítulo o leitor viaja milhares de quilômetros, centenas de anos: de Elefantina (no Egito) à Jerusalém, de Khirbet Qeiyafa e da Palestina à Roma, de Dusa-Europos à Bizâncio, das areias da Arábia Saudita à Guenizá do Cairo, de Trípoli à Fez, da Índia ao Báltico; de Mainz à York, da Europa do leste à península Ibérica. O volume termina num crescendo, com a descrição dos grandes massacres e expulsões em massa dos séculos XIII, XIV e XV. Quando ele conseguirá produzir o prometido segundo volume? O livro incluí uma série de mimos: dezenas ilustrações (de peças de
arte, quadros, moedas, vestuário, livros, esculturas, frisos, espaços
arquitetônicos), alguns mapas, detalhadas referências bibliográficas,
notas e uma breve cronologia. Não há como um sujeito não aprender um bocado com Simon Schama. Vale.
[início: 22/04/2016 - fim: 15/05/2016]
"A história dos judeus: À procura das palavras (1000 a.C. - 1492 d.C.)", Simon Schama, tradução de Donaldson M. Garschagen, São Paulo: editora Scharwcz (Companhia das Letras), 1a. edição (2015), brochura 16x23 cm., 534 págs., ISBN: 978-85-359-2630-9 [edição original: The Story of the Jews: Finding the Words - 1000 BCE - 1492 CE (London: The Bodley Head / Penguin Random House Group) 2013]
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