Em um de seus poemas Auden pergunta: "para onde?" (é no A Voyage, no início da última seção -Whither-: "Where does this journey look which the watcher upon the quay, / Sanding under his evil star, so bitterly envies, / As the mountain swim away with slow calm strokes / And the gulls abandon their vow? / Does it promise a juster life?". Pois eu senti-me assim, perguntando-me "para onde?", quando abri no sábado passado esse volume mágico do Caetano Galindo, esse volume todo dedicado a sua leitura do Ulysses, de James Joyce, livro que ele tão bem traduziu. Acontece que o Galindo, capitão de longo curso nas cousas joyceanas, optou por não publicar esse seu guia de leitura junto com sua tradução, em 2012. Reclamo disto há tempos, mas ele teve lá suas boas razões. Se é que entendi bem sua ideia é que um neófito das cousas do Ulysses deveria tentar ler o livro ao menos uma vez (quem somos nós para furtar de um leitor do prazer de ler o Ulysses pela primeira vez?). Terminado o portento (maldição), aí sim esse leitor deveria iniciar uma nova leitura, desta feita guiado por ele, metamorfoseado numa Ariadne, num Virgílio, num Milton, um guia que não apenas apenas explica as passagens mais bizarras e cifradas do livro, mas antes apresenta o jogo de leitura proposto por Joyce, oferece alguma luz para que cada leitor possa entender mais, aprender mais, divertir-se mais. Galindo explicita que seu guia possibilita uma leitura acompanhada, uma leitura que chama a atenção aos detalhes que não podem passar despercebidos. A parte inicial do livro, dedicada a apresentação de seu projeto, de sua proposta de como seu livro deve ser usado, merece destaque. São quase cinquenta páginas poderosas, dedicadas ao que é o livro, ao que é crítica literária, ao que são vozes narrativas, a quais são os temas, as simetrias e estrutura do livro. Trata-se de um texto não acadêmico, mas construído com todo o rigor que um texto acadêmico precisa ter. Um leitor curioso pode até parar ali e, inspirado por ele, ir ler algo do Bakhtin, do Anthony Burgess, do Harold Bloom, fortalecer os músculos um tanto, para logo voltar ao bom combate com o Joyce arbitrado por ele. Após essa introdução Galindo apresenta cada um dos dezoito episódios do livro. Aprendi um bocado em cada um deles. Um leitor já calejado, curioso sobre o formato proposto por ele, pode ler suas considerações sobre seu capítulo favorito, pode comparar suas impressões com as dele. Estou seguro que quanto maior é o conhecimento prévio de um hipotético leitor sobre o Ulysses maior é o aproveitamento deste guia (o Galindo, talvez por conta daqueles olhos míopes dele, sabe ver camadas e camadas de coisas no Ulysses). O livro termina com as inevitáveis listas de leituras recomendadas e um útil índice remissivo. Deixo aqui apenas a remisssão fundamental, aquela onde ele mantém atualizadas uma miríade de informações sobre o Ulysses (Sim, eu digo sim), uma página onde a geografia do livro pode ser melhor entendida (Walking Ulysses) e uma lista de traduções para o português dos textos do Joyce, trabalho feito pela Denise Bottmann (Não gosto de plágio). Se eu tivesse um guia deste tipo, lá em 1982, quando, inspirado pelo Ivan Lessa, decidi embarcar em uma primeira leitura, em fazer uma primeira viagem de descobrimento do Ulysses, talvez o mundo fosse diferente hoje. Sei lá. O que devemos mesmo é agradecer ao Galindo por nos mimosear com um livro tão bom. E bom divertimento. Estamos a dois meses do Bloomsday afinal de contas. Ainda dá tempo de começar a ler o Ulysses.
[início: 09/04/2016 - fim: 15/04/2016]
"Sim, eu digo sim: Uma visita guiada ao Ulysses de James Joyce", Caetano W. Galindo, São Paulo: editora Schwarcz (Companhia das Letras), 1a. edição (2016), brochura 14x21 cm., 375 págs., ISBN: 978-85-359-2700-9
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