Mark Twain conta nesta pequena história um rito de vingança, uma parábola sobre a queda do homem, uma descrição de como funciona uma sociedade disfuncional, povoada por pessoas inescrupulosas, uma sociedade incapaz de reconhecer seus muitos defeitos, sua vocação para o erro e a mentira. O narrador de Twain fala da sociedade norte-americana do final do século XIX, mas aos olhos de um leitor brasileiro, já acostumado com a podridão irreversível em que afundou esse desgraçado país, trata-se de uma história bastante ingênua, um conto de fadas infantil. Bueno. A trama da história é um bocado intrincada e não vale a pena eu detalhada toda aqui. Um sujeito decide expor a enorme hipocrisia e falta de caráter dos moradores de uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos. Para acabar com a reputação da cidade e de seus moradores ele deixa aos cuidados de um casal um saco de ouro e instruções para que ele seja entregue a única pessoa dali que num passado remoto emprestou-lhe dinheiro e o fez largar o vício do jogo. Num envelope selado, que deveria ser aberto pelas autoridades da cidade, em uma cerimônia pública, o sujeito escreve uma frase que apenas ele e o bom samaritano que o acolheu deveriam saber e decifrar. O morador que assim fosse identificado, assim revelar-se, teria direito ao ouro. O caso ganha repercussão nacional e todos os probos cidadãos da cidade de alguma forma imaginam ser merecedores do prêmio. Twain mantém o suspense até os parágrafos finais, mas o leitor não tem tempo de afeiçoar-se a qualquer um dos personagens para poder torcer para que um deles seja o vencedor. O curioso da história é o procedimento do autor em ir revelando só aos poucos, em episódios algo cômicos, algo sarcásticos, as falhas de caráter dos personagens, as tentações que experimentam, os argumentos que utilizam para se auto-enganar. Esse
livro faz parte de uma coleção de histórias curtas (A arte da novela, da Grua Livros, originalmente produzidas pela Melville House Publishing, da qual já li "A briga dos dois Ivans", "A lição do mestre", "O colóquio dos cachorros", "Michael Kohlhass", "O véu erguido" e "O homem que queria ser rei").
[início: 16/04/2016 - fim: 17/04/2016]
"O homem que corrompeu Hadleyburg", Mark Twain, tradução de Ronaldo Bressane, São Paulo: Grua livros,
1a. edição (2015), brochura 13x18 cm., 95 págs., ISBN: 978-85-61578-50-3 [edição original: The man that corrupted Hadleyburgh / (New York: Harper & Brothers) 1900]
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