quinta-feira, 4 de setembro de 2008

a seguinte história:

Cees Nootebom é um escritor holandês de seus setenta e poucos anos. Tem como marca seu apreço pelas viagens e pelo esforço em incorporar as distintas experiências que teve e tem ao redor do mundo em seus livros. Ao mesmo tempo é um erudito de mão cheia. Recentemente ele esteve no Brasil, participando da feira literária de Paraty. Lá ele lançou "Paraíso Perdido", que já li e vou resenhar aqui daqui a um par de dias. Eu diria para você ler este livro de uma vez e não ler esta resenha, pois me é impossível não contar o enredo. Há uma "presença grega" notável nesta história, e isto já bastaria para recomendar o livro. Este a "A seguinte história:", assim mesmo, com os dois pontos no final do título (um artifício do editor brasileiro, não presente no original) é um curto romance ambientado em três lugares bem separados no tempo e no espaço: Amsterdã (a cidade holandesa), Lisboa (a cidade portuguesa) e Amazonas (o rio brasileiro). Na primeira parte um sujeito acorda em um hotel lisboeta, falando português, com dinheiro português na carteira, pensando em português, mas ele tem certeza que na noite anterior havia se deitado holandês, falando holandês, pensando em holandês. Este sujeito, um professor de latim e grego, no passado havia estado neste hotel com uma mulher, casada com um colega de trabalho seu. Na segunda parte ele está no passado, nos tempos em que ainda era um professor vagamente interessado (mas sem genitalidades) em uma aluna brilhante. Esta por sua vez era amante do tal colega de trabalho do narrador. A mulher do colega, por vingança e não por amor, aparentemente trai o marido, mas o narrador é o último a saber das nuances do triângulo/quadrilátero amoroso, bobo que é, imerso em seus livros e em suas traduções. A aluna brilhante desaparece na trama após usar sua juventude e calor para colocar a engrenagem da vida para funcionar. Os três profesores algo adúlteros são expulsos da escola. O narrador se transforma em um escritor de guias de viagens. O enredo é o de menos, o livro é curto, o que importa basicamente são as reflexões do narrador sobre a cultura e o prazer quase desconhecido que se encontra na cultura (as línguas, principalmente as ditas mortas; a filosofia, principalmente na sua origem grega; os relacionamentos amorosos, principalmente na sua complexidade e dramacidade). E a arte claro, sempre seminal. A terceira parte é mais enigmática. Eu a entendi como a de um homem que está a singrar por um dos rios do inferno (tudo parece mais luminoso e etéreo que um inferno no livro, mas eu prefiro entendê-lo como uma metáfora de meu favorito entre os rios infernais, o Letes, o rio do esquecimento.) Ao cruzar este rio ele tenta lembrar dos fragmentos de histórias suas histórias, das histórias dos colegas, bem como seguir recolhendo histórias dos incríveis companheiros de viagem (um chinês é o mais interessante.) No final do livro ele se prepara para contar a tal seguinte história que estamos a ler. É um livro muito gostoso de ler, muito tocante mesmo. Haverá mais Nooteboom aqui, prometo, mas esta é outra história.
"A seguinte história:", Cees Nooteboom, tradução de Ivanir Calado, editora Nova Fronteira, 2a. edição (2008) brochura 14x21cm, 102 pág. ISBN: 978-85-209-2123-4

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