terça-feira, 19 de julho de 2011

a página assombrada por fantasmas

Javier Marías em seu "Vida de fantasma" diz que todo escritor se assemelha a um fantasma, pois fala e influencia, mas nem sempre se deixa ver, ao desaparecer ou se calar por longos períodos; é fantasma quando luta contra seus medos, sua dificuldade de reencontrar a voz após cada texto finalizado; é fantasma ao viver, quando vê e opina, vai ao cinema, lê e fuma, se enoja e se disfarça, viaja e faz resenhas, vai ao futebol e rememora. Antônio Xerxenesky apresenta em seu "A página assombrada por fantasmas" um estranhamento deste tipo. Os nove contos de seu livro são bem curtos, mas devem ter tomado um bom tempo dele para alcançarem sua concisão e potência. São histórias que denunciam um bom leitor, um bom observador, que espalha referências literárias por seu texto como um semeador que imagina antecipar o efeito que elas irão provocar em um eventual leitor. Há muita ironia e jogos mentais nas histórias, todas elas gravitando em torno do mundo cruel dos livros e da literatura. Xerxenesky fala de um detetive literário; de um efebo que encontra seu precursor (ou tenta encontrar); de um escritor que se descobre exaurido; de paróquias literárias (como não rir da Porto Alegre descrita por ele?); de um leitor que imagina encontrar personagens dos livros que leu. Duas histórias são piegas, engessadas por nostalgia (que não necessariamente é dele mesmo), mas talvez ele quisesse ou precisasse que elas produzissem este efeito. Gostei muito do conto que dá nome ao livro, onde ele emula uma voz feminina para descrever uma Buenos Aires assombrada por Jorge Luis Borges. Um outro que gostei muito é "Sequestrando Cervantes", que parece uma versão sarcástica, atualizada, do 'Fahrenheit 451" (de Ray Bradbury). No conto de Xerxenesky ao invés dos livros serem proibidos e queimados eles são reescritos e modificados. A idéia de um programa de computador que interpreta os livros de acordo com a ideologia do leitor é muito boa. Coincidência ou ironia mesmo foi ter lido hoje que Umberto Eco reescreverá seu "O nome da rosa" para torná-lo legível para as novas gerações. Os bons escritores parecem mesmo captar coisas no ar. Enfim, são contos realmente bons, de um sujeito que não alcançou esfumar-se como um bom fantasma, mas parece experimentar com destreza vários truques que aprendeu com seus precursores. Bom livro. Vamos a ver o que ele nos apresentará no futuro. [início - fim 18/07/2011]
"A página assombrada por fantasmas", Antônio Xerxenesky, Rio de Janeiro: editora Rocco, 1a. edição (2011), brochura 13,5x20,5 cm, 127 págs. ISBN: 978-85-325-2658-8

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