quarta-feira, 27 de junho de 2012

a superfície da sombra

No início deste movimentado junho, por um lance de sorte, eis que consegui participar da alegre festa de lançamento do romance "A superfície da sombra", de Tailor Diniz. Comecei a ler o livro naquela noite mesmo, na já invernal Porto Alegre, mas os dias que havia passado recentemente na vaporosa Manaus, somados à aborrecida viagem de volta para casa acabaram me cobrando logo algum descanso. Só retomei o livro um par de dias depois e terminei de lê-lo feliz, sem atropelos ou interrupções. Tailor conta uma história curiosa, que se passa na fronteira física entre o Uruguai e o Rio Grande do Sul, mas também está na fronteira entre vigília e sonho. Um sujeito se desloca a uma pequena cidade para visitar uma amiga que ele sabia adoentada, mas somente chega a tempo de participar de seu enterro. Hospeda-se na casa da filha desta amiga e passa a experimentar situações progressivamente bizarras. O texto incluí um punhado de registros em castelhano e a cidade parece serpentear pela fronteira, como se a cidade, o narrador e os personagens que povoam o livro se dissociassem ao cruzá-la. Tailor narra sua história alternando blocos em primeira e em terceira pessoa, uma técnica que permite ao leitor acompanhar o que poderia ser entendido como factual, verdadeiro, e o que é interpretado conscientemente pelo narrador como factual, mas que pode ser fruto de um lento, mas inevitável, deslocamento da realidade. Claro, o leitor nunca poderá ficar seguro sobre o que se passa realmente na mente do personagem e esta ambiguidade faz bem ao livro. Tailor habilmente inclui no texto referências literárias (Borges, Poe, Rubem Fonseca) e mitológicas (um tipo de "Caixa de Pandora" e uma espécie de "Noite de Walpurgis" campeira). Coisas assim fazem a fortuna dos leitores mais cerebrais, mas ao mesmo tempo ele mantém com maestria o suspense típico, mas descompromissado, de romances de mistério ou policiais, que tornam a leitura ágil. "A superfície da sombra" lembrou-me uma história de Arthur Schnitzler (o excelente Traumnovelle, que virou um filme muito bom de Stanley Kubrick: De olhos bem fechados). O protagonista de Tailor parece ser tangido pelas circunstâncias e cabe ao leitor se deliciar com isto. Bom livro de um bom escritor. [início 06/06/2012 - fim 09/06/2012]
"A superfície da sombra", Tailor Diniz, São Paulo: editora Grua livros, 1a. edição (2012), brochura 14x20 cm, 159 págs. ISBN: 978-85-61578-21-3

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