No início deste movimentado junho, por um lance de sorte, eis que consegui participar da alegre festa de lançamento do romance "A superfície da sombra", de Tailor Diniz. Comecei a ler o livro naquela noite mesmo, na já invernal Porto Alegre, mas os dias que havia passado recentemente na vaporosa Manaus, somados à aborrecida viagem de volta para casa acabaram me cobrando logo algum descanso. Só retomei o livro um par de dias depois e terminei de lê-lo feliz, sem atropelos ou interrupções. Tailor conta uma história curiosa, que se passa na fronteira física entre o Uruguai e o Rio Grande do Sul, mas também está na fronteira entre vigília e sonho. Um sujeito se desloca a uma pequena cidade para visitar uma amiga que ele sabia adoentada, mas somente chega a tempo de participar de seu enterro. Hospeda-se na casa da filha desta amiga e passa a experimentar situações progressivamente bizarras. O texto incluí um punhado de registros em castelhano e a cidade parece serpentear pela fronteira, como se a cidade, o narrador e os personagens que povoam o livro se dissociassem ao cruzá-la. Tailor narra sua história alternando blocos em primeira e em terceira pessoa, uma técnica que permite ao leitor acompanhar o que poderia ser entendido como factual, verdadeiro, e o que é interpretado conscientemente pelo narrador como factual, mas que pode ser fruto de um lento, mas inevitável, deslocamento da realidade. Claro, o leitor nunca poderá ficar seguro sobre o que se passa realmente na mente do personagem e esta ambiguidade faz bem ao livro. Tailor habilmente inclui no texto referências literárias (Borges, Poe, Rubem Fonseca) e mitológicas (um tipo de "Caixa de Pandora" e uma espécie de "Noite de Walpurgis" campeira). Coisas assim fazem a fortuna dos leitores mais cerebrais, mas ao mesmo tempo ele mantém com maestria o suspense típico, mas descompromissado, de romances de mistério ou policiais, que tornam a leitura ágil. "A superfície da sombra" lembrou-me uma história de Arthur Schnitzler (o excelente Traumnovelle, que virou um filme muito bom de Stanley Kubrick: De olhos bem fechados). O protagonista de Tailor parece ser tangido pelas circunstâncias e cabe ao leitor se deliciar com isto. Bom livro de um bom escritor. [início 06/06/2012 - fim 09/06/2012]
"A superfície da sombra", Tailor Diniz, São Paulo: editora Grua livros, 1a.
edição (2012), brochura 14x20 cm, 159 págs. ISBN:
978-85-61578-21-3
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