Publicado em 1906, "Botchan" rapidamente tornou-se um dos livros mais populares no Japão. Há quem o compare com "O apanhador do campo de centeio", de J.D. Salinger. Para mim trata-se de um Bildungsroman clássico, um romance de formação ou aprendizado, no qual o leitor acompanha as experiências de uma personagem de ficção na transição entre sua juventude e sua maturidade (muito embora ao final do livro não sabermos se aquelas experiências realmente modificaram a forma com que o personagem entende o mundo). Botchan é um jovem nascido em Tóquio que ao formar-se em ciências naturais resolve dar aulas em uma escola pública de uma região bastante afastada (Shikoku, a menor das quatro grandes ilhas do Japão, que fica aproximadamente 600 Km ao sudoeste da capital). Lá ele é forçado a aprender a interagir socialmente com pessoas de moralidade bem distinta da sua, processo pelo qual passa por inúmeros aborrecimentos. Sendo o professor mais jovem da escola ele não conquista o respeito nem de seus colegas (que o vêem como imaturo e irresponsável), nem dos alunos (que o vêem apenas como mais um velho e rígido representante da instituição escolar). Botchan alterna confiança e desprezo por dois professores mais velhos (Akashatsu e Yamaarashi), já que ele não consegue perceber as sutilezas do comportamento de ambos, seja a retidão moral e senso de justiça deste último ou o maquiavelismo e dissimulação do primeiro. Logo no início do livro o leitor já sabe que a experiência de ser um "professor de províncias", um professor que sai de uma cidade cosmopolita como Tóquio e experimenta pela primeira vez o provincianismo da vida rural não dará certo, mas Soseki alcança manter a atenção do leitor o tempo todo sobre o destino de seu protagonista. O que mais gostei nesse livro é a facilidade com que Soseki descreve as mudanças de opinião de Botchan. Gostei também de ter agora como exemplificar, ao menos literariamente, aquilo que sempre me pareceu uma idealização demasiado forçada: o respeito automático que os japoneses - e de resto outros povos - têm pela educação e por seus professores (como usualmente lê-se na mídia hoje em dia, como forma de contrastar a atrasada e medíocre educação formal dos brasileiros com aquela já alcançada por outros povos). Para mim, que me considero suficientemente iconoclasta, é claro que hipocrisia, violência, mentira e artifícios condenáveis para não se submeter às regras de conduta vigentes de uma sociedade é algo comum a todos os homens, em qualquer tempo e lugar. Mas essa é uma discussão para um outro tempo e lugar. Enfim, Soseki não é nem um pouco panfletário em seu livro, apesar de Botchan ser exemplarmente moral e ético. Bom romance. Cabe-me ainda registrar que cronologicamente "Botchan" é o segundo livro de Soseki, publicado um ano após sua estréia, como "Eu sou um gato" (1905) e antes de "Sanshiro" (1908), "E depois" (1909) e "Kokoro" (1914), já resenhados aqui.
[início: 22/03/2014 - fim: 25/03/2014]
"Botchan", Natsume Soseki, tradução de José Pazó Espinosa, Madrid: Editorial Impedimenta (1a. edição) 2012, brochura 13x20 cm., 237 págs., ISBN: 978-84-935927-7-6 [edição original: Botchan (坊っちゃん) Tokyo, 1906]