domingo, 30 de março de 2014

botchan

Publicado em 1906, "Botchan" rapidamente tornou-se um dos livros mais populares no Japão. Há quem o compare com "O apanhador do campo de centeio", de J.D. Salinger. Para mim trata-se de um Bildungsroman clássico, um romance de formação ou aprendizado, no qual o leitor acompanha as experiências de uma personagem de ficção na transição entre sua juventude e sua maturidade (muito embora ao final do livro não sabermos se aquelas experiências realmente modificaram a forma com que o personagem entende o mundo). Botchan é um jovem nascido em Tóquio que ao formar-se em ciências naturais resolve dar aulas em uma escola pública de uma região bastante afastada (Shikoku, a menor das quatro grandes ilhas do Japão, que fica aproximadamente 600 Km ao sudoeste da capital). Lá ele é forçado a aprender a interagir socialmente com pessoas de moralidade bem distinta da sua, processo pelo qual passa por inúmeros aborrecimentos. Sendo o professor mais jovem da escola ele não conquista o respeito nem de seus colegas (que o vêem como imaturo e irresponsável), nem dos alunos (que o vêem apenas como mais um velho e rígido representante da instituição escolar). Botchan alterna confiança e desprezo por dois professores mais velhos (Akashatsu e Yamaarashi), já que ele não consegue perceber as sutilezas do comportamento de ambos, seja a retidão moral e senso de justiça deste último ou o maquiavelismo e dissimulação do primeiro. Logo no início do livro o leitor já sabe que a experiência de ser um "professor de províncias", um professor que sai de uma cidade cosmopolita como Tóquio e experimenta pela primeira vez o provincianismo da vida rural não dará certo, mas Soseki alcança manter a atenção do leitor o tempo todo sobre o destino de seu protagonista. O que mais gostei nesse livro é a facilidade com que Soseki descreve as mudanças de opinião de Botchan. Gostei também de ter agora como exemplificar, ao menos literariamente, aquilo que sempre me pareceu uma idealização demasiado forçada: o respeito automático que os japoneses - e de resto outros povos - têm pela educação e por seus professores (como usualmente lê-se na mídia hoje em dia, como forma de contrastar a atrasada e medíocre educação formal dos brasileiros com aquela já alcançada por outros povos). Para mim, que me considero suficientemente iconoclasta, é claro que hipocrisia, violência, mentira e artifícios condenáveis para não se submeter às regras de conduta vigentes de uma sociedade é algo comum a todos os homens, em qualquer tempo e lugar. Mas essa é uma discussão para um outro tempo e lugar. Enfim, Soseki não é nem um pouco panfletário em seu livro, apesar de Botchan ser exemplarmente moral e ético. Bom romance. Cabe-me ainda registrar que cronologicamente "Botchan" é o segundo livro de Soseki, publicado um ano após sua estréia, como "Eu sou um gato" (1905) e antes de "Sanshiro" (1908), "E depois" (1909) e "Kokoro" (1914), já resenhados aqui.
[início: 22/03/2014 - fim: 25/03/2014]
"Botchan", Natsume Soseki, tradução de José Pazó Espinosa, Madrid: Editorial Impedimenta (1a. edição) 2012, brochura 13x20 cm., 237 págs., ISBN: 978-84-935927-7-6 [edição original: Botchan (坊っちゃん) Tokyo, 1906]

terça-feira, 25 de março de 2014

javier marías's debt to translation

Há vários livros que comprei e comecei a ler ainda em 2013, mas abandonei, ai de mim, com alguma culpa e decepção, por motivos variados. Após os sucessos das férias resolvi retomar esses projetos (e é essa a ambição de 2014: terminar tudo o que foi esquecido ou em 2013 ou ainda mais atrás no passado). "Javier Marías's debt to translation" é uma pequena jóia. Trata-se de uma tese de doutoramento que foi transformada em livro. O autor, Gareth J. Wood, é atualmente professor na Universidade de Londres e foi orientado na tese que originou o livro por um amigo de Javier Marías chamado Eric Soutworth, professor na Universidade de Oxford desde os tempos que Marías trabalhou por lá. No livro Wood demonstra o nexo cronológico entre a produção ficcional de Marías com seus projetos de tradução.  Segundo ele todos os autores aos quais Marías dedicou tempo e atenção como tradutor de alguma forma foram incorporados em sua ficção, confessadamente ou não, em maior ou menor grau. Wood descreve detalhadamente como Marías emula o estilo e as idéias dos autores que traduziu. Trata-se de um livro onde há muitas citações (denunciando sua origem como tese acadêmica), mas isso não atrapalha a leitura. Wood apresenta o que se pode chamar de método de tradução de Marías, que envolve afinidades (eletivas, por supuesto) entre as idéias do autores a serem traduzidos e do sujeito que se propõe a traduzir. Há um longo capítulo dedicado a tradução que Marías fez de "The Life and Opinions of Tristram Shandy, Gentleman" (de Laurence Sterne), com a qual ele ganhou o Prêmio Nacional de Traducción espanhol, em 1979. Após discutir um tanto o que pode-se entender como manifestação da angústia da influência experimentada por Marías em relação a Sterne, Wood passa a discutir as traduções que Marías fez de textos de Thomas Browne, Vladimir Nabokov, Isak Dinesen, Robert Louis Stevenson e Joseph Conrad e de como cada uma destas traduções, de alguma forma, foi absorvida em sua prosa, em sua ficção. No capítulo final Gareth Wood discute como todos os experimentos tradutórios de Javier Marías plasmam-se em ficção de alta qualidade no seu "Tu rostro mañana", seu livro mais ambicioso. Cabe dizer que "Tu rostro mañana" é talvez o livro que melhor explique hoje como o homo sapiens sapiens se comporta moralmente neste complexo início de século, onde todos os valores, regras de conduta, juízos de valor, contratos sociais e tradições estão sendo modificados, radicalmente modificados. Enfim, "Javier Marías's debt to translation" é um livro que não apenas discute o valor de todos os livros já publicados de Javier Marías, mas também um livro que indica as fontes primárias das teorias de tradução utilizadas por ele, fontes de seus mais entranhados valores e convicções. O livro inclui uma extensa, completíssima, bibliografia e um índice remissivo que não deixa nenhum leitor desatento sem conforto ou resposta. Que livro bem editado. Cabe registrar ao final que esse "Javier Marías's debt to translation" de Gareth J. Wood e o "A companion to Javier Marías" de David E. Herzberger, já resenhado aqui, se complementam. Nesse último encontramos análises mais propriamente literárias dos romances de Javier Marías (à exceção de "Los enamoramientos", publicado em 2011). Em "Javier Marías's debt to translation" encontramos uma espécie de espelho, onde à crítica soma-se uma camada de influências literárias (através de seus projetos de tradução). Como não gostar de livros assim? Se o Javier Marías não publicar nada novo esse ano é capaz de eu ser obrigado a reler seus livros (ou ainda, por completude e melhor, é capaz de eu enfim decidir-me em terminar de ler Laurence Sterne (e me divertir um tanto). Vamos a ver. 
[início: 20/06/2013 - fim: 18/03/2014]
"Javier Marías's debt to translation: Sterne, Browne, Nabokov", Gareth J. Wood, Oxford:  Oxford University Press, 1a. edição (2012), capa-dura, 14,5x22,5 cm., 351 págs., ISBN: 978-0-19-965133-7

segunda-feira, 24 de março de 2014

el viento ligero en parma

Publicado originalmente em 2004, em "El viento ligero em Parma" estão reunidos 30 artigos e/ou ensaios literários de Enrique Vila-Matas. A maioria são bastante curtos (3 ou 4 laudas), mas há ao menos dois textos relativamente longos. Os artigos pertencem a três categorias: biografias literárias ligeiras (de Grombrowicz, Bolaño, Stendhal, Ionesco, Sterne, Barthes, Walser, Conrad, Beckett, Coetzee, Pitol, Nabokov), reflexões sobre experiências literárias e viagens (que parecem ser antes memórias inventadas, algo muito típico de Vila-Matas, sempre um ilusionista) e a transcrição de discursos e/ou conferências proferidas quando do recebimento de prêmios (por exemplo, "Discurso de Caracas" é relativo ao premio Rómulo Gallegos). Os textos falam sobretudo de particularidades de sua obra de ficção, seus livros; fazem um registro de suas atividades, projetos, idéias, viagens. Várias vezes ele explicita críticas à cena literária espanhola (sobretudo a mediocridade da crítica literária praticada lá). Noutras ele dá pistas sobre sua prática, seu método de escrever, sempre sobrepondo ao planejamento e disciplina as repetições e os desvios erráticos, intuitivos. Enrique Vila-Matas sempre é pretensioso (como quando diz que seus artigos tentam "fundamentalmente cargar de sentido al absurdo y considerar que lo esencial de la realidad se encuentra en los libros"). Ele mantém a página eletrônica mais organizada que já vi um autor de ficção manter. Ele é mesmo muito reflexivo sobre sua produção literária e parece querer compilar todas as fontes, blogs, resenhas e citações que brotam a partir da publicação de seus livros. Trata-se de uma coisa boa, mas de certa forma sua organização denuncia um tanto o que há de artificial em suas invenções, como se ele retirasse dos textos originais alguma parte de seu poder. Já li vários livros dele, mas o último, descobri agora, foi há mais de um ano. É difícil ler muita coisa nesta vida, mesmo dos autores que nos são caros. Que cousa.
[início: 18/03/2014 - fim: 22/03/2014]
"El viento ligero em Parma", Enrique Vila-Matas, Madrid: Editorial Sexto Piso España, 1a. edição (2008), brochura 15,5x23 cm., 215 págs., ISBN: 978-84-935204-5-8 [edição original: México: Editorial Sexto Piso, 2004]

quinta-feira, 20 de março de 2014

o gato e o diabo

Em meados de novembro fiz um registro da leitura da terceira das traduções de "The Cat and the Devil" (de James Joyce) para o português (traduções essas assinadas por Antônio Houaiss, Lygia Bojunga e Dirce Waltrick do Amarante). Recentemente encontrei essa outra, publicada em Portugal. A tradução é de Joana Morais Varela e as ilustrações são de Tomislav Torjanac, um respeitado artista plástico croata. Ler um texto que conhecemos bem traduzido para o português de Portugal sempre é uma festa para o cérebro, pois as palavras estão no mesmo português que partilhamos, brasileiros e portugueses, mas sabemos que o ritmo e a entonação delas torna tudo diferente quando é lido por esse ou aquele sujeito, brasileiro ou português de nascimento. Divertido. O texto de Joyce, sua carta para o neto, Stephen, presta-se sempre a ser recontado para crianças de qualquer idade. Já as ilustrações dessa edição mais recente é um caso a parte. Das quatro edições que tenho, essas são as que mais gostei, as mais expressivas e cheia de sutilezas. Ulalá. Aparentemente há uma nova coleção surgindo de meus guardados. Veremos o que o tempo e as viagens proporcionarão. Vale. 
[início - fim: 04/03/2014]
"O gato e o diabo", James Joyce, ilustrações de Tomislav Torjanac, Lisboa: Nova Vega (colecção Lendas e Contos), 1a. edição (2013), capa-dura 22,5x30,5 cm., 22 págs., ISBN: 978-972-699-992-8 [edição original: The Cat and the Devil (Letters of James Joyce, edited by Stuart Gilbert) London: Faber and Faber, 1957]

quarta-feira, 19 de março de 2014

ajo

Ganhei esse pequeno livro de uma grande amiga. Pois Sílvia, lá da Catalunya, lembrou-se deste velho e cansado senhor e fez-me um grande bem. "Micropoemas 3" foi publicado em 2011. Ajo, uma artista multitalentosa (pois atua com música, fotografia, poesia, jornalismo e artes plásticas) reúne nele 50 poemas curtos (que sabem se defender sozinhos). Alguns são aforismas, frases que sintetizam idéias e ecoam fortes imediatamente após a primeira leitura. Outros são traduções e/ou recriações dela (de cousas bem antigas - de Boécio e Marcial - e também recentes - de Enric Casasses, Alejandra Pizarnik e Gloria Fuertes). Encontrei alguma coisa dela nesse oceano de informações que é a web. Assim, se a idéia é conhecer melhor sua produção, vale a pena consultar: (i) entrevistas (Feria del Libro de Madrid e Matadero Madrid), (ii) leitura de seus micropoemas (pagina siete), (iii) biografia (experimenta club), (iv) radioweb (Speed e Bacon). Vou procurar outras coisas dela, seguro que sim. "Moltes gràcies" Sílvia.
[início: 01/03/2014 - fim: 06/03/2014]
"Micropoemas 3", Ajo (Micropoetisa), Madrid: Arrebato Libros, 1a. edição (2011), brochura 9,5x15,5 cm., 110 págs., ISBN: 978-84-935654-6-6

terça-feira, 18 de março de 2014

penas de amor de una gata inglesa

Encontrei esse pequeno livro junto com ao divertido "Vida y opiniones filosóficas de un gato", de Hippolyte Taine. Ambos foram editados pela "Libros de la resistencia" e os encontrei algo escondidos na incrível La Central de Madrid, um bom lugar para gastar em livros os euros que se tem à mão. Balzac, a exemplo de Taine, usa o artifício de contar a vida e os hábitos dos gatos para digressar sobre um assunto menos prosaico e tolo, no caso, as diferenças do modo de vida entre franceses e ingleses de seu tempo. Sua protagonista, uma gata nascida em meados do século XIX, relata aventuras e amores. Balzac ironiza a moral vitoriana, o mundo de aparências daquela sociedade, seu rígido sistema de classes sociais, a hipocrisia sexual daquela época. Ele contrasta o código social de conduta pública inglês com aquele praticado na França, onde a tirania das instituições públicas aparentemente não era tão onipotente. O livro deixa entender que temas sociais importantes como feminismo, abolicionismo, liberdade sexual, combate ao trabalho infantil e descriminalização de pequenos delitos eram discutidos abertamente na França e solenemente ignorados pela elite social, econômica e política inglesa. A vocação é diferente, mas este pequeno livro lembra o bom "Eu sou um gato", de Natsume Soseki. Divertido.
[início - fim: 02/03/2014]
"Penas de amor de una gata inglesa", Honoré de Balzac, tradução de Jean Cendrars, ilustrações de J.J. Grandville, Madrid: Libros de la resistencia (1a. edição) 2013, brochura 10,5x15 cm., 62 págs., ISBN: 978-84-15766-08-7 [edição original: Scènes de la vie privée et publique des animaux: Les animaux peints par eux-mêmes et dessinés par un autre (Paris: Pierre-Jules Hetzel) 1842]

segunda-feira, 17 de março de 2014

vida y opiniones filosóficas de un gato

Neste pequeno livro, que lemos facilmente, sem culpa e sem temor, encontramos um curto e irônico tratado de Taine (historiador francês da segunda metade do século XIX) sobre a vida dos gatos. Na verdade trata-se de um artifício utilizado por ele para ilustrar como é a relação dos homens com um mundo adverso: surpreendente, incompreensível, violenta, deliciosa algumas vezes, mas sempre amoral. Publicado originalmente em um livro de relatos de viagens (Voyage aux Pyrénées, de 1858) essa curta narrativa oferece ao leitor uma forma de compreender o mundo, que se é uma compreensão cética e triste, justifica sua amargura, nas palavras de Taine, por ser "uma compreensão que deve ser adquirida o mais cedo possível, pois um pouco de ceticismo na vida é melhor do que nenhum e um pouco de ceticismo é muito melhor do que demasiado dele". Um gato (que nunca diz seu nome) relata suas descobertas sobre si mesmo e sobre o mundo que o cerca. Compara seu entendimento das coisas com aquilo que sabe dos homens, dos demais gatos, dos cães e de outros animais domésticos. É um relato contido, como se ele sentisse tédio em franquear ao leitor sua sabedoria. Típico texto cuja irrelevância é talvez o maior de seus atributos.
[início - fim: 01/03/2014]
"Vida y opiniones filosóficas de un gato", Hippolyte Taine, tradução de Jean Cendras, ilustrações de Gustave Doré, Madrid: Libros de la resistencia (1a. edição) 2013, brochura 10,5x15 cm., 62 págs., ISBN: 978-84-15766-05-6 [edição original: Bagnères et Luchon / Voyage aux Pyrénées (Paris: Librairie Hachette) 1860]

domingo, 9 de março de 2014

celular

São treze contos relativamente curtos, contos indisfarçadamente autoficionais. O narrador sempre é um escritor que descreve retrospectivamente uma experiência; que registra algo que fez mas não absorveu completamente ou não entendeu direito;  que conta um causo para um grupo de amigos (entre eles o leitor). O tom é contido, sem malabarismos ou jogos verbais. O leitor acompanha com interesse as histórias como se estivesse sendo entretido com uma conversa sedutora numa festa ou num bar. Ingo Schulze é um alemão nascido em Dresden, capital da Alemanha Oriental, em 1962. É um dos autores contemporâneos alemães mais respeitados. Nestes contos ainda há fronteiras entre os personagens, mas não propriamente as reais, físicas, dos tempos da guerra fria, mas sim aquelas provocadas pela desconfiança e estranhamento. Seis contos não eram inéditos na época da edição original (2007), já haviam sido publicados em revistas em 1999 ou 2000. Os temas se não são completamente corriqueiros ao menos são completamente verossímeis. Tudo se apresenta e chega a um desfecho rapidamente: um sujeito envolve-se a contragosto com um vizinho por conta dos estragos provocados por arruaceiros; um casal briga em função do atraso na entrega de um apartamento; três casais de alemães experimentam aventuras algo bizarras num verão italiano; um sujeito pensa sobre a doença de uma vizinha e os ratos que infestam sua casa; um rapaz em viagem pelos Estados Unidos conversa com seu locatário, um velho sobrevivente da segunda grande guerra; um jovem escritor visita sua mãe e é convencido por ela a consultarem uma vidente; um jovem advogado torna-se sócio de um escritório e percebe-se a caminho de uma vida ainda mais monótona do que já experimenta; um escritor e sua namorada em férias pela Estônia descobrem que seus vizinhos num acampamento são caçadores de ursos; um escritor convidado para dar palestras em um evento literário no Egito conta como sua namorada se envolveu com o sujeito destacado para acompanhá-los; um rapaz recebe um casal de amigas de sua mulher num dia de verão no campo, relaxando completamente com os excessos típicos de quem vive sem culpa, entre bebidas e sol; o narrador conta sobre a vida e as mulheres de um sujeito, dos anos que antecedem a queda do Muro de Berlim ao início do século XXI; o narrador acompanha as memórias e confissões de amigos durante uma festa; um escritor digressa, durante uma viagem de trem, sobre a ausência dos antigos controles fronteiriços e as transformações de uma amiga. Schulze sempre enfatiza o efeito da passagem do tempo nos personagens e quase sempre explicita, algo irônico, sobre as diferenças entre o que seus personagens prometem fazer e o que realmente fazem. O livro inclui um curto posfácio do tradutor, Marcelo Backes, além de um bom texto, assinado por Márcio Seligmann-Silva. Ambos contextualizam a obra de Schulze no cenário literário alemão posterior a queda do Muro de Belim. Acho que vale a pena procurar mais cousas deste sujeito.
[início: 17/12/2013 - fim: 07/02/2014]
"Celular: 13 histórias à maneira antiga", Ingo Schulze, tradução de Marcelo Backes, São Paulo: CosacNaify, 1a. edição (2008), brochura 14x18,5cm, 352 págs., ISBN: 978-85-7503-713-3 [edição original: Handy: dreizehn Geschichten in alter Manier (Berlin: BerlinVerlag) 2007]

quarta-feira, 5 de março de 2014

Berlim

Foi com don Landgraf a primeira vez que conversei seriamente com alguém sobre ir um dia até Berlim. Em meados de 1980 ele havia voltado de uma curta viagem por lá e fez uma de suas costumeiras sínteses fundamentais: "Berlim é o tipo de cidade que está uns cem anos mais próxima do apocalipse que as demais". Depois conversei muito com a doña Katya, que por um lance de sorte estava lá em 1989, quando o Muro caiu. No final dos anos 1990 don Piquini, que morou por mais de um ano lá, contou-me muitas de suas aventuras e descobertas. Nos últimos anos tenho lido coisas de Cees Nooteboom, que fala da Alemanha e sobretudo de Berlim com assombro e com a alma do poeta (que sabe também contar histórias). Enfim, em meados do ano passado Helga e eu havíamos decidido: "Nas próximas férias de verão, Berlim. É tempo." E foi por conta deste projeto antigo de viagem à Berlim que abandonei por tantas semanas este blog a sua sorte e a seus leitores contumazes (e os há, que bom, alegria das alegrias). No início de fevereiro, logo após digitar as notas finais do absurdo 2013, embarcamos, primeiro a Madrid (sempre cara às minhas felicidades mirradas) e logo a Berlim. Durante três semanas "we were drowning in honey, stingless", mas existe sempre uma hora de abandonar nossas Citeras espirituais, voltarmos ao mundo real e aos afazeres domésticos. Ontem completei meus 53 anos, quase em olor de santidade, tamanhos foram os mimos que recebi, luck me. Hoje é o primeiro dos dias de meus 54, já é tempo de voltarmos aos registros de leitura, afinal esse esse não é um blog de memórias, de reminiscências de viagens, mas sim sobre os livros que eu li. Vale. Li e usei vários livros quando planejava os caminhos pela cidade: "Berlim - Seu guia passo a passo" é muito útil, sobretudo por conta de seus mapas; "Frommer´s Berlin day by day" é super completo, eficiente; "Berlim Top 10" suficientemente conciso para informar sobre o que não se deve deixar de ver em uma grande cidade; "Berlim PopOutMap", o mais prático de todos. Usei também vários sites, entre eles o sempre divertido "Viaje na viagem", do Rick Freire e o oficialíssimo e fundamental "Visit Berlin". Mas "Berlim - Guia Visual", como já denuncia o título, parece servir melhor àqueles que precisam estimular visualmente à memoria voluntária (a memória involuntária, já nos ensinou Proust, percorre caminhos bem diferentes e incontroláveis antes de fazer brotar as cousas do esquecimento). Todas as indicações, informações, descrições importantes são ilustradas, as fotografias e os mapas realmente ajudam o leitor a se localizar-se espacialmente nos locais que visita. Os textos são também um tanto mais longos que aqueles típicos dos demais guias. Se obviamente não esgotam os temas, ao menos sugerem ao leitor as chaves necessárias para procurá-las rapidamente em outros lugares. As sessões do guia sobre a história da cidade, hospedagem, restaurantes e bares, locais para compras e serviços são objetivas, claras. As propostas para estadias feitas de acordo com o número de dias que o leitor ficará na cidade parecem exequíveis. O que mais gostei nesse guia são as sessões dedicadas aos principais museus. As plantas baixas e ilustrações levam o leitor pelo labirinto das salas, dos edifícios, dos espaços públicos. Claro, nada supera a experiência do encontro com as coisas reais ou mesmo a surpresa de um achado, de uma mudança de planos, de uma sugestão de última hora que acolhemos. As coisas mais memoráveis são em geral produto de uma associação que cada indivíduo faz por acaso e é intransferível para os demais. Todavia, aqueles que costumam viajar por meses espiritualmente antes de se atreverem a enfrentar os controles de passaportes e máquinas de raios-X irão gostar desse tipo de livro, um tipo silente de companheiro de viagem. Bueno. Agora é tempo de recuperar os registros de leituras que ficaram esperando minha volta. Logo veremos o que me lembro deles.
[início: 01/08/2013 - fim: 28/02/2014]
"Berlim: Guia Visual Folha de São Paulo", Ewa Szwagrzyk (editora), tradução de Carlos Rosa, São Paulo: Publifolha (Grupo Folha), 1a. edição (2012), brochura 13x22 cm, 354 págs., ISBN: 978-85-7914-363-5 [edição original: DK Eyewitness Travel Guide: Berlin, Malgorzata Omilanowska (London: Dorling Kindersley / Penguin Randon House) 2012]