Há vários livros que comprei e comecei a ler ainda em 2013, mas abandonei, ai de mim, com alguma culpa e decepção, por motivos variados. Após os sucessos das férias resolvi retomar esses projetos (e é essa a ambição de 2014: terminar tudo o que foi esquecido ou em 2013 ou ainda mais atrás no passado). "Javier Marías's debt to translation" é uma pequena jóia. Trata-se de uma tese de doutoramento que foi transformada em livro. O autor, Gareth J. Wood, é atualmente professor na Universidade de Londres e foi orientado na tese que originou o livro por um amigo de Javier Marías chamado Eric Soutworth, professor na Universidade de Oxford desde os tempos que Marías trabalhou por lá. No livro Wood demonstra o nexo cronológico entre a produção ficcional de Marías com seus projetos de tradução. Segundo ele todos os autores aos quais Marías dedicou tempo e atenção como tradutor de alguma forma foram incorporados em sua ficção, confessadamente ou não, em maior ou menor grau. Wood descreve detalhadamente como Marías emula o estilo e as idéias dos autores que traduziu. Trata-se de um livro onde há muitas citações (denunciando sua origem como tese acadêmica), mas isso não atrapalha a leitura. Wood apresenta o que se pode chamar de método de tradução de Marías, que envolve afinidades (eletivas, por supuesto) entre as idéias do autores a serem traduzidos e do sujeito que se propõe a traduzir. Há um longo capítulo dedicado a tradução que Marías fez de "The Life and Opinions of Tristram Shandy, Gentleman" (de Laurence Sterne), com a qual ele ganhou o Prêmio Nacional de Traducción espanhol, em 1979. Após discutir um tanto o que pode-se entender como manifestação da angústia da influência experimentada por Marías em relação a Sterne, Wood passa a discutir as traduções que Marías fez de textos de Thomas Browne, Vladimir Nabokov, Isak Dinesen, Robert Louis Stevenson e Joseph Conrad e de como cada uma destas traduções, de alguma forma, foi absorvida em sua prosa, em sua ficção. No capítulo final Gareth Wood discute como todos os experimentos tradutórios de Javier Marías plasmam-se em ficção de alta qualidade no seu "Tu rostro mañana", seu livro mais ambicioso. Cabe dizer que "Tu rostro mañana" é talvez o livro que melhor explique hoje como o homo sapiens sapiens se comporta moralmente neste complexo início de século, onde todos os valores, regras de conduta, juízos de valor, contratos sociais e tradições estão sendo modificados, radicalmente modificados. Enfim, "Javier Marías's debt to translation" é um livro que não apenas discute o valor de todos os livros já publicados de Javier Marías, mas também um livro que indica as fontes primárias das teorias de tradução utilizadas por ele, fontes de seus mais entranhados valores e convicções. O livro inclui uma extensa, completíssima, bibliografia e um índice remissivo que não deixa nenhum leitor desatento sem conforto ou resposta. Que livro bem editado. Cabe registrar ao final que esse "Javier Marías's debt to translation" de Gareth J. Wood e o "A companion to Javier Marías" de David E. Herzberger, já resenhado aqui, se complementam. Nesse último encontramos análises mais propriamente literárias dos romances de Javier Marías (à exceção de "Los enamoramientos", publicado em 2011). Em "Javier Marías's debt to translation" encontramos uma espécie de espelho, onde à crítica soma-se uma camada de influências literárias (através de seus projetos de tradução). Como não gostar de livros assim? Se o Javier Marías não publicar nada novo esse ano é capaz de eu ser obrigado a reler seus livros (ou ainda, por completude e melhor, é capaz de eu enfim decidir-me em terminar de ler Laurence Sterne (e me divertir um tanto). Vamos a ver.
[início: 20/06/2013 - fim: 18/03/2014]
"Javier Marías's debt to translation: Sterne, Browne, Nabokov", Gareth J. Wood, Oxford: Oxford University Press, 1a. edição (2012), capa-dura, 14,5x22,5 cm., 351 págs., ISBN: 978-0-19-965133-7
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