sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

a pedido do embaixador

Desde meados dos anos 1970, quando comecei a ler com método e disciplina, nunca me preocupei muito com o gênero, extensão, idade ou nacionalidade dos livros que me caem às mãos. Claro, aprendi cedo (e foi com a Dorothy Parker) que há livros que ao invés de serem abandonados displicentemente na estante e esquecidos merecem sim ser jogados pela janela, com fúria. Neste "Livros que eu li" é raro que eu fale muito mal de algum livro, pois desde o momento em que decido continuar com a leitura e terminá-la, sei que há algo neles que pode ser registrado, por mais ruim que tenha sido a experiência. Não é o caso deste "A pedido do embaixador". Que livro absurdo.  Fernando Perdigão deve ter ficado algo intoxicado após assistir muitas séries policiais na televisão ou lido toda uma coleção de romances policiais e resolveu escrever o seu. Inventou um protagonista, um detetive ("incorrigível" diz ele, informação que o editor achou importante incluir na capa). Todavia, o que o leitor encontra no tal detetive Andrade é uma caricatura patética, um personagem sem nenhum vestígio de verossimilhança e que não se presta nem para fazer o leitor dar boas risadas do absurdo da coisa toda. O elenco de personagens coadjuvantes brota completo de um manual de fórmulas para o gênero: um aprendiz (no caso uma aprendiz, uma inspetora recém promovida); um chefe que despreza seu comandado; um informante com contatos tão decisivos quanto improváveis; uma empregada cínica que é boa cozinheira; uma namorada que é prostituta nas horas vagas. Tudo é previsível, a trama é repetida e resumida para o leitor várias vezes, mas é frouxa e mirabolante demais. O narrador arrasta o leitor por páginas sem fim apenas para dar oportunidade e palco para o detetive pontificar com seu rosário de comentários homofóbicos, racistas e misóginos, xenófobos e machistas; repetir piadas de duplo sentido; disparar ameaças em todas as direções; explicitar mil vezes seus preconceitos, intratabilidade, truculência e inadequação social. Acho as iniciativas e leis politicamente corretas uma marca negativa de nosso tempo, sobretudo no Brasil, onde qualquer tentativa de uniformização social está fadada ao fracasso. Paciência. O mundo real e o mundo dos livros estão repletos de lorpas, de pessoas grosseiras e irascíveis, selvagens ou abobalhadas, limitadas e patéticas com as quais é possível conviver, porém o que Fernando Perdigão criou é apenas um pastiche que serve para nos lembrar das muitas vantagens da boa educação. E é só por isso que registro seu livro aqui. Vamos em frente (afinal o Nabokov já nos ensinou que não devemos nunca levar personagens literários a sério).
[início: 30/06/2016 - fim: 18/07/2016]
"A pedido do embaixador: Um caso ordinário do incorrigível detetive Andrade", Fernando Perdigão, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2015), brochura 13,5x20,5 cm., 239 págs., ISBN: 978-85-01-10479-3

3 comentários:

Paulo Sousa disse...

Gostaria que me explicasse o que para você é "ler com método e disciplina ". Qual seu método?

Aguinaldo Medici Severino disse...


oi paulo, como vais?
minha disciplina é ler todos os dias, pelo menos duas ou três horas, sem interrupções grandes.
meu método é ler vários livros simultaneamente, para não me entediar. quando me aborreço de uma história/livro pego outro, se sentir saudades daquela primeira história volto, caso contrário abandono de vez (mas é raro). Faço listas do que li e do quero ler.
abraço meu caro.

Paulo Sousa disse...

Entendo...mas como você consegue ler tantos livros com as várias leituras em simultâneo? Acompanho seu blog e sempre há atualização. Eu imaginava que você lia um único livro e, pondo em prática seu método de ler 2,3 horas/dia, os leria bem rápido...

Eu sempre amei ler. Infelizmente na minha cidade natal, Floriano-PI, não tínhamos acesso a uma boa biblioteca. Quando me radiquei na Bahia, fui morar numa cidade minúscula, Sento Sé, e lá tinha uma razoável: em um ano li quase tudo. Era 1995.
Depois mudei para Juazeiro-Ba onde vivo até hoje, e busquei os livros. Infelizmente, por não incorporar uma disciplina, perdi muito tempo valioso e não li as obras que tencionei à época. Hoje, com o advento dos ebooks, felizmente tenho acesso à literatura gloriosa, na ponta dos dedos, embora de vez em quando pegue para ler um livro impresso, para variar a leitura no meu Kindle/IPad. Estou com 36 anos e estou correndo atrás do tempo perdido. Este ano já li obras que sempre sonhava, mas o tamanho do livro me desestimulava. Li O conde de Monte Cristo, David Copperfield, Grandes esperanças e estou terminando Guerra e Paz, entre outros. Tudo que leio faço resenhas, que publico no Instagram, e já estou nessa maratona desde 2013!