segunda-feira, 24 de abril de 2017

o fantástico na ilha de santa catarina

Esse livro foi presente da Marta, amiga querida, que emigrou já há tantos anos de sua São João do Polêsine fundamental para Florianópolis, em Santa Catarina. Neste "O fantástico na Ilha de Santa Catarina" estão reunidos 24 contos baseados em narrativas tradicionais de antigos ilhéus, descendentes dos ainda mais antigos e primeiros imigrantes, açorianos portugueses, que lá chegaram, entre 1748 e 1756. Franklin Joaquim Cascaes, catarinense que viveu entre 1908 e 1983, foi um dos maiores defensores da cultura de origem portuguesa de seu tempo. Autodidata e professor de uma escola de aprendizes de ofício de Florianópolis, ele coletou por anos histórias populares, mantendo em seus registros a forma de linguagem e o vocabulário utilizado pelos descendentes dos açorianos. Ele compilou também tradições religiosas, danças e cantigas, mitos populares, narrativas folclóricas. Nas 24 narrativas reunidas neste livro encontramos histórias de bruxas, possessão demoníaca, seres fantásticos que assombravam as noites dos pescadores da ilha. São histórias que certamente sobreviveram ao serem contadas de uma geração a outra, de avós a netos, de padres aos fiéis, ao redor de fogueiras ou em salas mal iluminadas onde o povo se reunia num dia de chuva e tédio. Não há exatamente ensinamentos morais ou psicologia camuflada neles. Cascaes se preocupa antes em contar bem seus causos, sem interpretrá-los, nem inventando alguma função que eles poderiam ter na sociedade em que foram criados (devemos sempre lembrar, como Robert Graves nos ensinou, que os mitos por vezes também tem funções especificas numa sociedade primitiva, seja de propaganda política, de lenda moral ou de alegoria filosófica). Nas narrativas de Cascaes sempre há uma metamorfose, de mulheres (ah, sempre as mulheres) à serviço de lucífer que são flagradas conjurando ou praticando um mal para logo reconverterem-se a fé cristã, humilhadas em sua nudez. Elas são perdoadas rapidamente, tão inocente parece ser o mal que causaram durante seus transes. Na escuridão, solidão e ignorância, ou melhor, vamos dizer simplicidade, em que viviam, isolados por distâncias difíceis de serem vencidas, os ilhéus criavam explicações mágicas para quase tudo: o adoecer e eventual morte de uma criança, a solteirice de uma pessoa feia ou deformada, o desaparecimento de uma rede de pesca ou ferramenta, os ruídos e as sombras das noites, a mudança súbita do comportamento de um animal. Mas, como disse meu pai um dia: "depois que inventaram a luz elétrica, os fantasmas desapareceram". Deveria ser assim, mas o homo sapiens sapiens ainda parece precisar de explicações amalucadas, pensamentos mágicos, soluções artificiais para seus problemas. O livro incluiu ilustrações e desenhos do próprio Cascaes para cada uma das 24 narrativas. Livro muito interessante. Ah!, não posso esquecer de registrar também que quem fez as vezes de correios, lá de Florianópolis para Santa Maria, foi outro amigo querido, o Juca.Vale.
[início: 03/01/2017 - fim: 10/04/2017]
"O fantástico na Ilha de Santa Catarina", Franklin Cascaes, Florianópolis: Editora da UFSC (Coleção Repertório), 1a. edição (2015), brochura 13,5x19 cm., 271 págs., ISBN: 978-85-328-0607-9

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