segunda-feira, 11 de setembro de 2017

morte e julgamento

No quarto volume da série de romances policiais dedicados aos sucessos do Comissário Brunetti, "Morte e julgamento", se fala sobre o tráfico humano e a exploração do sexo. Homens e mulheres inescrupulosos mantém uma complexa operação, um negócio sujo, que envolve dezenas de pessoas e muito dinheiro, mas cuja rentabilidade é altíssima. São implacáveis as forcas invisíveis do mercado, a lei de oferta e procura, a cupidez humana. Donna Leon situa sua história nos anos que se seguiram à queda do Muro de Berlin e do consequente fluxo de imigrantes do leste europeu para as grandes e ricas cidades do continente, no caso deste volume, do fluxo de imigrantes romenos (quem já leu os livros de Herta Müller sabe do desastre irreversível que foi a ditadura comunista romena). Brunetti precisa resolver um crime que acontece em sua jurisdição, Veneza, correlato a um outro, acontecido em Padoa. Sua sagacidade e capacidade de trabalhar em equipe são testadas (e nesse volume descobrimos o quão dissimulado e bom ator ele sabe ser). Além da prostituição, Donna Leon acrescenta à trama uma outra camada de ignominia, ao descrever uma faceta inusitada, porém crível, do cenário de horrores da Guerra dos Balcãs. A solução dos crimes reside em uma questão puramente moral de um indivíduo, que Brunetti, sempre escravo de  sua retidão, resolverá, mas já sabendo ou antecipando que a grande  máquina de hipocrisia e poder italiana saberá blindar os verdadeiros culpados, as pessoas influentes demais para chegar a pagar por seus deslizes. Se ao longo do livro o leitor encontra momentos de alegria e hedonismo (os jantares familiares, a cumplicidade entre pai e filha, os passeios calmos pelas ruelas venezianas, as citações dos livros clássicos que os personagens lêem), seu desfecho, a exemplo dos demais que já li dela, deixam um travo amargo, uma nota duramente cinica, que obriga o leitor a reconhecer que não há remissão para o homo sapiens sapiens, espécie sempre capaz de sempre tentar esconder seus crimes e vileza, seu caráter dúbio e vocação para destruição e morte. O Brasil aparece na trama, mas da pior maneira possível (prova da verossimilhança que a autora dá a seus livros). Entre as prostitutas arrimentadas pelo tráfico há varias brasileiras, e quando uma pessoa quer fugir para justiça, obviamente tenta fugir para o Brasil. Bom livro, de uma poderosa escritora (que parece se vingar, por meio da literatura, de aborrecimentos que experimentou nos anos em que viveu na Itália).
Registro #1215 (romance policial #64)
[início: 01/08/2017 - fim: 08/08/2017]
"Morte e julgamento (Brunetti #4)", Donna Leon, tradução de Luiz Araújo, São Paulo: Editora Schwarcz (Grupo Companhia das Letras), 1a. edição (2008), brochura 12x18 cm., 267 págs., ISBN: 978-85-359-1163-3 [edição original: Death and Judgment / aka A Venetian Reckoning (New York: Harper Collins) 1995]

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