segunda-feira, 11 de novembro de 2019

restos mortales

Vigésimo sexto volume com os sucessos do comissário veneziano Guido Brunetti, "Restos Mortales" é um tanto diferente da grande maioria dos anteriores. Donna Leon afasta seu personagem das Calli, Campielli e Canali de Veneza e o leva para a ilha de Sant'Erasmo, ao nordeste da Laguna. Desta vez não se trata de uma investigação oficial. Antes é o instinto moral e a memória afetiva que motivam Brunetti a examinar as circunstâncias da morte de um velho amigo de seu pai. Há uma cena algo burlesca no início do livro, que fez-me lembrar dos truques do genial Andrea Camilleri, escritor italiano que morreu há pouco tempo, de quem li livros notáveis, grande sujeito. Num julho de calores infernais, para evitar que um de seus subordinados possa ser acusado de agressão a um suspeito, Brunetti simula um desmaio, uma queda. Após uma sucessão rocambolesca de equívocos, ele resolve aceitar as recomendações médicas de ficar em licença de saúde por algumas semanas. Neste período ele passa os dias remando, num dolce far niente, lendo seus adoráveis autores clássicos: Plínio e Suetônio, Heródoto e Eurípedes. Na ilha de Sant'Erasmo, onde está hospedado, numa casa de verão de uma das tias de Paola, Brunetti reencontra um velho amigo de seu pai, Davide Casati, um sujeito taciturno. Davide demonstra ser um hábil marinheiro e também uma espécie de filósofo amador, porém alguém que esconde algo confuso na alma, somente sendo capaz de demonstrar preocupação com a morte das abelhas que cria nos baixios da Laguna de Veneza. Após a aparente morte acidental de Davide em uma dia de tempestade, Brunetti, um tanto para consolar a filha do morto, outro por sua perene curiosidade policial, resolve investigar os acontecimentos e chega a uma conclusão surpreendente. Donna Leon invoca temas diferentes desta vez. Ela discorre sobre questões ecológicas, sobre o suicídio, sobre a velhice, sobre a cobiça, sobre os animais. Em algum momento surge brevemente o nome de Robert Hughes e suas reflexões sobre arte. Que miríade de associações um sujeito não faz quando lembra de Hughes? Há notas amargas neste volume, tons duros, melancólicos, de quem já não acredita na capacidade do homem de melhorar, tornar-se menos perverso e daninho, para si mesmo e para o planeta. Enfim, trata-se de um bom equilíbrio entre diversão ligeira e importantes reflexões contemporâneas. Bom livro, como sempre deveria ser. Vale! 
Registro #1467 (romance policial #92) 
[início: 20/10/2019 - fim: 24/10/2019]
"Restos Mortales" (Brunetti #26), Donna Leon, tradução de Maia Figueroa Evans, Barcelona: Editorial Seix Barral / Booket #2776 (Grupo Planeta Manuscrito), 1a. edição (2018), brochura 12,5x19 cm., 350 págs., ISBN: 978-84-322-3331-9 [edição original: Earthly Remains (Zürick: Diogenes Verlag AG / Penguin Randon House Group) 2017]

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