quinta-feira, 12 de março de 2020

la carne

Gostei do início deste romance, mas a última terça parte, o desfecho da história, me pareceu ruim, muito preguiçoso. Soledad, uma mulher de sessenta anos, trabalha com curadoria, produção de exposições e projetos culturais. Amargurada por ter sido abandonada por um namorado, decide contratar os serviços de um gigolô, um garoto de programa, para deixar-se ver com ele em um ambiente público, e, eventualmente, fazer com que seu ex-amante sinta ciúmes. Como todo ato humano que dependa de circunstâncias que estão naturalmente fora de controle, sujeito a reação de terceiros, sensível à dinâmica, às condições iniciais do caos da vida, o projeto de Soledad não funciona exatamente como a ilusão de seu desgosto a fez sonhar. O livro é pequeno, coisa de pouco mais de duzentas páginas, compacto. É inegável que Rosa Montero tem controle sobre sua trama e sabe bem contá-la, mas o caminho que ela escolheu não me convenceu. Em um posfácio de agradecimentos, ela pede aos eventuais leitores que não contem aos amigos certos detalhes do livro, pois isso prejudicaria a apreciação do romance, faria com que os leitores seguintes não acompanhassem a fantasia que ela imaginou, o destino que forjou para sua protagonista. Respeitarei seu pedido e não contarei aqui mais nada sobre a trama, mas é este exatamente o problema de "La carne". Uma história mais robusta está imune à comentadores displicentes, spoilers, associações erradas ou imaginação tosca demais de qualquer leitor ou crítico. A vertigem de sua protagonista é uma colagem de dezenas de experiências de abandono, maldição e destinos cruéis de outras mulheres, tanto personagens históricas quanto invenções literárias. A espiral que conduz a fortuna de Soledad é frágil demais, depende do recurso fácil da própria Rosa Montero tornar-se deus ex machina em seu romance. De qualquer forma gostei de ler o livro, treinar meu espanhol, acompanhar Soledad pelas ruas de Madrid, lembrar-me das esquinas, dos monumentos, do céu de inverno. Talvez seja tempo de voltar a flanar por Madrid, recuperar algo que esqueci naquela grande cidade. Vale! 
Registro #1499 (romance #372) 
[início 29/02/2020 - fim: 01/03/2020] 
"La carne", Rosa Montero, Cíudad Autônoma de Buenos Aires: Aguilar, Altae, Taurus, Alfaguara / Penguin Random House Grupo Editorial, 4a. edição (2017), brochura 14x23 cm., 240 págs., ISBN: 978-987-738-269-3 [edição original: 2016]

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