quarta-feira, 24 de abril de 2013

depressões

São quinze contos terríveis, contos que só serão tolerados e lidos sem medo, do primeiro ao último e sem interrupções, por um leitor bem humorado ou otimista, nem um pouco estressado, leitor que esteja de bem com a vida e seja suficientemente curioso, pois caso contrário é fácil abandoná-los sem dó. Trata-se de "Depressões", o primeiro livro publicado de Herta Müller. Ela o publicou em alemão, em 1982, quando ainda morava na Romênia. Uma segunda versão foi publicada em 1984, quando já havia emigrado para a Alemanha. Os contos quase sempre são curtos, duas, três ou quatro páginas, somente um deles é realmente longo. O conto que dá nome ao livro tem quase oitenta, conta a história de uma garota adolescente que se descobre no mundo, mas que aparentemetne não sabe que vive uma versão real do mito da caverna platônico. São páginas opressivas e cruéis, todas elas. O que salta evidente destas histórias são a estupidez do comunismo, o absurdo da escravidão que a experiência do totalitarismo gerou, as misérias de gerações inteiras condenadas aos desmandos de um grupo pequeno de indivíduos doentios. Herta Müller quase sempre usa frases curtas, algo monocórdias, como em uma litania infernal. Ela conta histórias simples, como a de crianças que mal entendem a opressão que as dominam; ou das relações consanguíneas nos vilarejos empobrecidos e controlados por sádicos comissários do povo; ou a de um dia de finados particularmente duro de aceitar; ou das lembranças de um piromaníaco; ou do censo dos passageiros de um ônibus de província; ou, numa espécie de autoanálise, sobre a fuga através do alcoolismo; ou do lamento de uma cansada moradora de rua. Não há concessões bestas ou escapismo nas histórias (não há esperança na realidade de um deus ex machina, ou em uma alternativa que são seja engendrada nos destroços daquela gente mesmo). "Depressões" é um livro bom de se ler pela qualidade do texto, pelas metáforas, pela beleza inusitada das construções, mas como aproveitar a beleza que brota das vísceras, lama, águas estagnadas, da solidão e sofrimento das pessoas? Os temas realmente cobram algo do conforto mental do leitor, mas Herta Müller é mesmo uma grande escritora. Impressionante.
[início: 11/04/2013 - fim: 15/04/2013]
"Depressões", Herta Müller, tradução de Ingrid Ani Assmann, posfácio de Ricardo Lísias, São Paulo: editora Globo, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm., 161 págs., ISBN: 978-85-250-4834-9 [edição original: Niederungen (Bukarest: Kriterion Hefte) 1982]

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