segunda-feira, 20 de março de 2017

as crônicas do brasil

De Kipling conhecia apenas as histórias do menino Mogli e o poderoso "O homem que queria ser rei", já registrado aqui. Neste "As crônicas do Brasil" estão reunidas sete cartas de viagem que Kipling produziu entre fevereiro e março de 1927, quando fez uma visita ao Brasil. As cartas (mas podemos chamar de artigos) foram publicadas originalmente no jornal inglês Morning Post e, postumamente, em 1940, reunidas em livro. Cada carta é acompanhada por um poema. Kipling já era uma celebridade, havia ganho o prêmio Nobel de literatura em 1907. No final da década de 1920, adoentado, Kipling resolveu aceitar a recomendação de seu médico e fazer uma longa viagem marítima ao redor do mundo. As sete cartas descrevem um Brasil misterioso, que esconde prodígios ainda inacessíveis aos homens (o sujeito praticamente só conheceu o litoral, imagine só o que não diria caso se aventurasse aos grotões do interior). A primeira das cartas é escrita ainda no porto de partida, em Southampton, quando ele descreve o som do português e do espanhol falado pelos viajantes que rumam ao Rio de Janeiro ou a Buenos Aires. Depois de aportar ele começa os registros propriamente brasileiros: primeiro dos passeios pela exuberante paisagem da cidade do Rio de Janeiro, presa entre o mar e a montanha; depois da viagem por cabotagem até o porto de Santos e a descrição da letargia que as tardes de sol provocam nos marinheiros; logo fala sobre a visita que faz até o Instituto Butantã e do que aprende das cobras e da ciência praticada aqui; mais tarde é sobre uma grande fazenda de café que ele se dedica falar, reproduzindo os causos que ouve sobre o dinheiro fácil que o café produz; a mais impressionante das histórias trata do sucesso de engenharia que foi a construção da estrada de ferro entre São Paulo e Santos, vencendo o grande desnível e os perigos da Serra do Mar. A última carta é a mais panorâmica. Ele tenta descrever todos os contrastes que experimentou e as maravilhas que viu naqueles dias: discursos numa academia (talvez a de letras?); a loucura do carnaval; os quilowatt-hora que uma hidrelétrica produz; os relatos dos imigrantes que fugiram da primeira grande guerra e se radicaram no Brasil; a inspiração francesa dos intelectuais da época; a franqueza do jogo do bicho; a resistência ao álcool dos habitantes; as diferenças entre o Brasil e os demais países sul-americanos; a certeza dos paulistas sobre serem quatrocentões e mais trabalhadores que os demais brasileiros. Não dá para cobrar precisão para um viajante que fica dois meses em um país tão complexo quanto o Brasil. O exotismo intoxica o sujeito. A sociologia dele é selvagem, mas como observador experiente ele não deixa de apontar cousas que ainda nos assombram, noventa anos depois. Talvez culturalmente o Brasil já estivesse antenado para a modernidade, mas para o desenvolvimento industrial seria necessária a segunda grande guerra e o dinheiro norte-americano.  Em alguma parte das cartas ele escreve: "O Deus deles (...) é brasileiro". Sim, ele entendeu tudo, muitos brasileiros parecem mesmo acreditar nisto até hoje. O livro é bilíngüe e bem editado. Os poemas que acompanham os artigos são líricos, funcionam bem em inglês. Em tempo: Encontrei muito material sobre ele na página "Kipling society". Vale a pena dar uma olhada.
[início/fim : 07/03/2017]
"As crônicas do Brasil / Brazilian Sketches: edição bilíngue", Rudyard Kipling, tradução de Luciano Salgado, São Paulo: Editora Landmark, 1a. edição (2006), brochura 16x23 cm., 144 págs., ISBN: 978-85-88781-28-X [edição original: Brazilian Sketches (New York: Doubleday, Doran & Company) 1940]

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