segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

la otra cara de la verdad

Donna Leon segue o ritmo das estações em seus romances policiais. Nesse "La otra cara de la verdad" encontramos Veneza no inverno, por vezes coberta de neve, a neve seca que logo após cair vaporiza-se, flutuando sobre as superfícies.  Apesar do excesso em número e da violência das mortes que o comissário Brunetti deve investigar, esse volume gravita questões morais, permitindo aos personagens longas sessões de reflexão sobre as razões de suas escolhas, de seus comportamentos, sobre a natureza perversa e inevitável do homo sapiens. O conte e a contessa Falier, Orazio e Donatella, sogros de Brunetti, mostram-se ser fundamentais para a solução da trama; ele, oferecendo ao comissário informações sobre a mundanidade, o mundo dos negócios e da política, bem como sobre a história de Veneza, história da arte e os hábitos de sua elite, e ela, ainda mais precisa, por revelar-lhe detalhes da vida privada de uma amiga íntima, informações que jamais tramitariam pelos despachos de uma unidade policial.  A trama envolve questões ambientais e de sustentabilidade, os maus hábitos de consumo dos indivíduos, o descarte de substâncias tóxicas e a responsabilidade da máfia italiana e do governo chinês nestes assuntos. Donna Leon faz um paralelo curioso entre a beleza artificial de uma mulher, alcançada por cirurgias plásticas, com a falsa prosperidade das sociedades consumistas. Ao mesmo tempo contrasta nosso mundo contemporâneo com aquele do apogeu da República de Veneza, por meio da arte e das regras sociais. Todavia, o que realmente torna a narrativa relevante são os interregnos entre vários crimes, os momentos em que os personagens debatem, trocam experiências, falam de literatura clássica, de cultura e arte. Donna Leon rouba dos Fastos de Ovídio a estrutura e os motivos para os crimes, enquanto Brunetti lembra de seu bom Cícero, de um de seus discursos, onde esse descreve quais são os deveres de um bom cônsul, mas também fala da sutil arte de fugir da verdade sem mentir. Enfim, eis que encontro neste décimo oitavo volume da série dedicada ao comissário Brunetti mais uma honesta e inventiva história de Donna Leon. Vale! 
Registro #1365 (romance policial #79) 
[início: 03/09/2018 - fim: 08/09/2018]
"La otra cara de la verdad" (Brunetti #18), Donna Leon, tradução de Ana Maria de la Fuente, Barcelona: Editorial Seix Barral / Booket (Grupo Planeta Manuscrito), 1a. edição (2011), brochura 12,5x19 cm., 327 págs., ISBN: 978-84-322-5058-3 [edição original: About Face (Zürick: Diogenes Verlag AG / Penguin Randon House Group) 2009]

Nenhum comentário: