sábado, 13 de julho de 2019

o eremita viajante

Esse livro me acompanha há quase dois anos. O recebi ainda no final de 2017, como se fosse um presente de Natal vindo de longe, ofertado por um generoso e amigo duplo meu. Pensei em ler um haiku por dia, a partir de janeiro de 2018, e terminar um tanto antes de alcançar meus 60 anos, mas não foi isto que aconteceu. Passei a ler com calma, uns poucos haikus de cada vez, se não tão vagaroso quanto previa meu projeto original, suficientemente lento para prolongar ao máximo um genuíno e raro prazer. "O eremita viajante" é a primeira publicação em português de todos os haikus conhecidos de Matsuo Bashô, o maior, mais seminal dos artífices deste gênero literário, o poeta nacional japonês, o sujeito que parece concentrar o espírito de todo um povo, de toda uma civilização. São 978 poemas, organizados pelo tradutor Joaquim Palma em ordem cronológica de composição, de 1663 a 1694, além de outros 24 não datados, totalizando portanto, 1002 poemas. O organizador e tradutor do livro escolheu também separá-los de acordo com as quatro estações do ano ("Outono", "Inverno", "Primavera", "Verão") e em dois conjuntos extras ("Ano Novo" e 'Outros"). Desta forma o leitor parece acompanhar trinta anos de vida e evolução poética de Bashô, experimentar com ele a passagem do tempo, num "the dark backward and abysm of time", como nos ensinou Próspero, ou melhor, Shakespeare. A edição é muitíssimo bem cuidada, completa. Inclui uma longa introdução, que nos ensina muito sobre Bashô, seu tempo e influências; sobre técnicas de composição do haiku e técnicas de tradução; além de um generoso glossário e uma detalhada bibliografia. Livros assim são uma festa para os sentidos, nos fazem um grande bem, pois ao mesmo tempo em que aprendemos  algo de todo um universo literário, somos estimulados a perceber nos fragmentos de nossas memórias, impregnadas pela passagem do tempo, o fluir das estações, o assombro daquilo que pode ser observado, sentido, vivido. O leitor aprende algo da disciplina filosófica zen, do desapego, da leveza, da fusão entre imagens e versos que talvez devam existir na base da composição de qualquer poema, sobretudo nos haiku, sendo muito mais importantes que a mera técnica, a mera contagem das sílabas, da métrica. Segundo o tradutor Joaquim Palma "(...) no fim da vida, nos seus derradeiros haikus, Bashô parece libertar-se quanto à exposição das emoções, às ações da vontade, à afirmação do eu".  Esse belo livro permanecerá em minha estante, sempre ao alcance da mão, como um viático, um eficiente lenitivo para todos os aborrecimentos desta vida. Sigamos. Vale!
Registro #1429 (poesia #114)
[início: 23/12/2017 - fim: 30/06/2019]

"O eremita viajante", haikus: obra completa, Matsuo Bashô, tradução de Joaquim M. Palma, Lisboa: Assírio & Alvim (Grupo Porto Editora), coleção documenta poetica 155, (1a. edição) 2016, capa-dura 15,2x21,2 cm., 424 págs., ISBN: 978-972-37-1920-8

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