quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

me encontre

Inadvertidamente, como às vezes acontece comigo, interessei-me pela capa de um livro, comprei-o e ato contínuo comecei a lê-lo, sem preocupar-me muito com as circunstâncias de sua gênese. Perto do final da leitura soube que esse "Me encontre" é a continuação de um outro romance de André Aciman, uma produção quase de encomenda. O livro original é "Me chame pelo seu nome", foi lançado em 2007 e adaptado para o cinema, alcançando grande sucesso (a versão cinematográfica ganhou o Oscar de melhor roteiro adaptado de 2018). Acontece, fazer o quê? Agora, retrospectivamente, e sem ter lido o romance que deu gênese a este, até achei interessante o jogo de ler algo sobre personagens que não conhecia, cujas aventuras/vidas não são tão detalhadamente descritas pelo autor como usualmente o são num livro em que elas aparecem pela primeira vez. Apesar de tudo parecer estranho na narrativa (as mudanças temporais, os nomes que surgiam e se metamorfoseavam, as ilações mentais que fazia, tentando acompanhá-la) alcancei terminar o livro sem muitas dificuldades. Não me pareceu nenhuma Basílica literária, algo que merecesse uma missa (à la Henrique IV). E não acho que seja um livro que se defende sozinho. É fraco, melhor dizendo. "Me encontre" é bastante esquemático, dividido em quatro sessões, que fazem alusão a aspectos das formas musicais, que devem ser caras à melômanos, ou seja, aos amantes da música: Tempo, Cadenza, Capriccio e Da Capo. Na primeira das quatro partes um velho senhor, professor universitário recentemente divorciado, chamado Samuel Perlman, conhece uma moça chamada Miranda em uma viagem de trem, entre Florença e Roma. Apesar da grande diferença de idade, os dois parecem ser igualmente arrebatados amorosamente, numa espécie de encontro de almas fugidias. Em poucos dias eles planejam mudar de vida, viver juntos em um paraíso à beira mar, radicalmente envolvidos. Esta parte lembrou-me cousas de Louis Begley, de Evelyn Waugh, de Peter Mayle. Na segunda parte, de quase a mesma extensão, porém um tanto menor, acompanhamos um fragmento da vida de Elio, filho de Samuel, um músico que participa de concertos e dá aulas em um conservatório parisiense. Elio se envolve com um senhor bem mais velho que ele, chamado Michel. Apesar da simetria temporal entre os dois envolvimentos (de Samuel e Miranda, de Elio e Michel), enfim, entre pessoas de idades bem diferentes, neste o envolvimento amoroso parece ser antes cerebral que espiritual, antes fruto de um acaso bobo que uma necessidade, pois Elio lembra-se, com crescente melancolia, de um sujeito com quem havia se envolvido no passado, chamado Oliver. Na terceira parte o autor se afasta da Roma e Paris das duas primeiras partes e nos transporta à New York, onde Oliver é um professor universitário de meia idade, prestes a se aposentar, que tem filhos já adolescentes e vive um relacionamento aberto, onde a sexualidade dele e de sua companheira é explorada sem barreiras morais. Ao final de uma sonolenta festa de despedida dos amigos americanos, Oliver se pergunta se não é hora de voltar à Europa, confessando sua paixão por uma pessoa (que só pode ser Elio), que lá abandonou, mas que ritualmente evoca todos os anos. Esta terceira parte é bem curta, poucas páginas maior que a quarta e última, na qual acompanhamos as reflexões de Elio, talvez naquela casa à beira mar, talvez com seu pai, Samuel, e sua jovem madrasta, Miranda, quando apresenta o filho deles, um jovem Oliver, a seu velho amante, o professor aposentado Oliver. Não estou certo, esses cruzamentos de afetos e acontecimentos são sempre brevemente descritos no livro, pode ser que eu tenha confundido as alusões e os nomes. Pouco importa. Não sei se quero ler a primeira parte das aventuras mundanas deste povo. Falta algo na história, alguma tragédia real, comum, mais corriqueira e possível, descolada deste mundo inverossímil, artificial demais. Falta estofo. Segue o baile. Vale! 
Registro #1478 (romance #371) 
[início: 23/11/2019 - fim: 25/11/2019]
"Me encontre", André Aciman, tradução de Alessandra Esteche, Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 1a. edição (2019), brochura 14x21 cm., 272 págs., ISBN: 978-85-510-0582-8 [edição original: Find me (New York: Farrar, Sgtraus and Giroux / Macmillan Publishers Ltd / Holtzbrinck Publishing Group) 2019]

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