quarta-feira, 23 de maio de 2007

clea

Começei a ler o último volume do "Quarteto de Alexandria" ainda no início de maio, quando viajava a Minas Gerais para um congresso. Estava já no fim da primeira terça parte do livro, no caso a bela edição da Ediouro, recém traduzida pelo Daniel Pellizzari e dormi no avião. Quando o avião tocou o solo paulista acordei, começei a me organizar para sair e surpresa: onde está o livrinho? Procurei feito um louco sonânbulo e continuei a procurar até todos descerem da aeronave e ficarem apenas os comissários de bordo a me ajudar. Conclusão, havia um ladrão de livros naquele avião. O maior crime da humanidade havia sido cometido, um cidadão havia roubado o livro de outro cidadão. Fazer o quê? Mas vamos falar de literatura. Encomendei este novo Clea (mas uma edição portuguesa, de 1976, que talvez eu estivesse fadado a reencontrar). Li rápido a última camada de experiências e aventuras dos personagens do Quarteto. Há passagens muito bonitas, vários ensaios sobre a arte de escrever e mesmo a arte de se tornar um artista, descrições belíssimas de uma Alexandria que suporta e sobrevive a passagem da segunda grande guerra. Há muitas surpresas e reviravoltas, mas este volume é muito fragmentado acho eu. Há vários narradores e muita informação nova é apresentada sem a destreza dos volumes anteriores, principalmente do Balthazar, meu favorito. As comparações com "Em busca do tempo perdido" são inevitáveis, mas o resultado é muito mais favorável a Proust, pois poucas coisas são descartáveis no seu livro (talvez o homosexualismo de Saint-Loup seja o único ponto questionável). Já em Durrell, ao menos neste último volume, algumas pinceladas deixam muito a desejar. Em ambas séries de volumes os personagens se metamorfoseiam e reencarnam surpreendendo o leitor, mas no Proust tudo parece bem menos artificial e cheio de vida. Em Clea é citado o incrível papel que a literatura pode representar em nossas vidas, por vezes nos distraindo da realidade inexorável. Muito apropriada a lembrança. Difícil não terminarmos de ler esta série e não imaginarmos nossas pequenas histórias enfeixadas em algum volume por força da arte de algum escriba menos indolente. De qualquer forma o Quarteto é algo que se lê com enorme prazer e nos deixa um tanto menos auto-indulgentes e tolos (ao menos é esta a sensação que tenho imediatamente após terminar o livro). Este projeto está executado. Agora faço parte desta confraria silenciosa que descobri em torno de Lawrence Durrell. Espero um dia voltar a outros livros dele. Por enquanto voltarei ao submundo barcelonês da série Carvalho, do surpreendente Manuel Vazquez Montalbám, voltarei ao garimpo dos sebos e das leituras de ônibus, voltarei a corrida contra o relógio e os prazos, mas talvez sabedoria mesmo seria concluir que talvez seja a hora daquelas voltas regulares ao Proust, senhor dos sentimentos e humores dos homens.
"Clea - O Quarteto de Alexandria", Lawrence Durrell, tradução de Daniel Gonçalves, editora Ulisseia, coleção clássicos do romance contemporâneo, volume 30, 1a. edição (1976) sem ISBN.

2 comentários:

Lucía disse...

Eu li o "Quinteto de Avignon" e gostei muito de ele. Estou a pensar em ler o "Quarteto" nas próximas férias.

Lucía disse...

Se podes visita o meu post do día 27, acho que vas gostar de ele.