sábado, 7 de julho de 2012

a primeira pessoa

Apesar de ter comprado este livro com um certo entusiasmo, por conta de uma indicação confiável e por saber que o tradutor era o industrioso Caetano Galindo, eis que sua leitura me pareceu muito irregular. São doze contos curtos. Inegavelmente todos são bem escritos e originais, mas Ali Smith abusa de uns truques metaliterários e de situações auto-referentes que acabam por irritar o leitor (ao menos este velho e cansado leitor). Em uma das histórias uma criança faz as vezes da consciência algo culpada de um personagem; noutra um casal discute suas diferenças enquanto falam de Gershwin e Beethoven; num dos contos uma garota tenta esconder a vergonha que tem de sua mãe algo extravagante, quase louca; noutro é sobre a possibilidade banal de alguém ficar preso nos fundos de um cinema que um casal anima a conversação; o recebimento de um pacote enviado para o endereço errado gera uma discussão besta; o entendimento distinto do valor de uma música de Ella Fitzgerald outra; um porteiro trambiqueiro inventa historias para mitigar a culpa de seus patrões em uma noite de Natal; um rapaz doente faz com que sua mãe acredite em uma dupla de estelionatários; o protagonista de uma história discute decisões e escolhas de sua encarnação mais jovem; duas mulheres falam do que as aproximam e do que não gostam uma da outra; o narrador de uma história digressa sobre o poder da literatura (e sobre a força do uso da terceira pessoa num texto); uma mulher discute com outra uma teoria bizarra sobre as diferenças entre contos e romances que ouviu em um bar. A originalidade das histórias engana o leitor, assim como iludem em um circo ou a habilidade de um bom malabarista ou a rapidez de um mágico bem adestrado. Ao final nenhuma das situações criadas por Ali Smith parecem de fato decalcadas da realidade, pois acabam expondo cedo demais seu artificialismo, e servem apenas para entreter o leitor um par de horas. Lembrei várias vezes de uma frase de Bob Fosse no "All that Jazz": "treatral demais Joe!". Estarei sendo pouco indulgente? Talvez. Paciência. Talvez seja o caso de ler outras narrativas dela, experimentar outras propostas de sua prosa com mais calma e aí afirmar mais coisas sobre ela. Logo veremos, mas já é tempo. Sigamos pois. [início 12/06/2012 - fim 30/06/2012]
"A primeira pessoa e outros contos", Ali Smith, tradução de Caetano W. Galindo, São Paulo: editora Companhia das letras, 1a. edição (2012), brochura 14x21 cm, 148 págs. ISBN: 978-85-359-2074-1 [edição original: The first person and other stories (London: Hamish Hamilton / Penguin Group) 2008]

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