Receber um livro novo de Cees Nooteboom sempre envolve um delicioso mistério, pois não há dois livros dele que sejam similares, que tratem de um mesmo tema, em que se use uma mesma maneira para narrar suas histórias. Tampouco nunca estamos certos sobre qual é de fato o tema que os títulos de seus livros parecem revelar tão naturalmente, mas que sabem deixar em leitor o suspense. Em "Cartas a Poseidón" estão reunidos dois conjuntos de narrativas, que se complementam, mas têm ambições diferentes. O primeiro deles é o das cartas, como o título explicita nada enganador, endereçadas ao deus grego Poseidon, o abalador da Terra, o Netuno dos romanos, filho de Cronos e Réia, irmão de Zeus. Com elas Nooteboom reflete sobre a religiosidade humana, sobre o papel da mitologia na vida dos homens, sobre a vida e a morte, sobretudo a morte dos deuses. Nestas cartas a erudição de Nooteboom transborda, percorremos com ele três milênios de reflexões e registros humanos, viajamos pelo Mediterrâneo, lembramos de museus e mosteiros que guardam a memória das coisas. Através das cartas Nooteboom discute proposições filosóficas, exemplifica, faz associações entre temas que antes imaginávamos díspares, divaga, pensa. Não há um interlocutor, claro, mas o leitor parece assistir a um debate entre dois velhos senhores, capitães de longo curso; um sempre silente, que apenas cofia as cãs e assente, outro que fala com vagar, sobre arte e violência, crença e história, viagens e livros, caos e ordem, tempo e infinito, poesia e amor. Há um humor provocador em tudo o que ele escreve. E há também a nítida sensação da passagem do tempo, desde a primeira até a última das cartas (que são 23). Aquelas são estivais, quentes e alegres, de um início de férias, quando vamos ao mar para nos fartarmos dele e do sol, estas já decíduas, invernais, próprias de um tempo onde apenas o estoicismo nos mantém junto a um mar que ruge e esfria as almas. O segundo conjunto de textos envolve sempre uma fotografia ou ilustração. São imagens díspares entre si (45 delas): o guardanapo de um restaurante em Munique (chamado Poseidon) que deu-lhe a idéia original do livro; catálogos de exposições; cartazes de filmes; fotografias de animais, plantas e templos antigos; várias outras esculturas de Poseidon (em Veneza, Grécia, Paris); reproduções de quadros, gravuras e desenhos. A cada imagem corresponde um texto relativamente curto (em geral as cartas têm duas ou três laudas; estes textos apenas uma, eventualmente duas). Os temas deste segundo conjunto de textos são contemporâneos, num contraponto às reflexões histórico-mito-filosóficas do primeiro conjunto. Nooteboom fala da notícia de um prêmio Nobel de física (de 2011, que trata da aceleração da expansão do universo); do encontro de dois descendentes de marinheiros mortos da segunda grande guerra (uma holandesa e um japonês); de uma caminhada por um jardim na Coreia do Sul; de um peixe amazônico (cuja espécie deve existir há 300 milhões de anos); de uma instalação artística na qual dois pequenos burros caminham por um palácio antigamente habitado por papas católicos; de uma manifestação anti-taurina; de cafés em Buenos Aires; de uns contos antiquíssimos, que ele redescobre e reconta. Nooteboom incluí uma curta e rica bibliografia. Isso é irrelevante, mas "Cartas a Poseidón" lembra algo do "Miramientos", de Javier Marías, e também cada um dos livros de W.G. Sebald (preciso falar dele para don Fernando Landgraf, que me apresentou ao Sebald). Cousas para se pensar. Enfim, Cees Nootebom é um sujeito original e mágico, e seus livros são sempre seminais. Os demais livros dele que já li estão aqui! Bom divertimento.
[início: 20/08/2013 - fim: 22/08/2013]
[início: 20/08/2013 - fim: 22/08/2013]
"Cartas a Poseidón", Cees Nooteboom, tradução de Isabel-Clara Lorda Vidal, Madrid: ediciones Siruela (colección Nuevos Tiempos), 1a. edição (2013), brochura 14,5x21,5 cm., 224 págs., ISBN: 978-84-9481-999-3 [edição original: Brieven aan Poseidon (Amsterdam: De Bezige Bij) 2012]
Um comentário:
Amei conhecer o livro, parece tão interessante. Comecei a ler não lembro qual de seus livros mas parei, hélas. Esse me interessou bem. Abraço, clara
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