Aos livros de Enrique Vila-Matas sempre dedico uma atenção desconfiada (que é derivada de uma frase de Churchill: "Russia is a riddle, wrapped in a mystery, inside an enigma; but perhaps there is a key". A charada e o mistério e o enigma mais recente de Vila-Matas: "Kassel no invita a la lógica", foi publicado no início deste ano. Trata-se de um romance, uma narrativa ficcional, mas também é um relato de uma experiência e ainda um ensaio sobre arte contemporânea (ou talvez uma outra cousa qualquer que eu, ai de mim, não entendi completamente). Ele foi convidado a participar da Documenta 13 (de Kassel), uma das mais respeitadas exposições de arte moderna e contemporânea. A proposta da diretora artística e da curadora daquela edição (respectivamente Carolyn Christov-Bakargiev e Chus Martínez) era que diversos escritores se instalassem sucessivamente em um restaurante chinês nos arredores de Kassel durante a Documenta e se dedicassem a escrever em público (além de Vila Matas fizeram parte deste projeto os escritores Etel Adnan, Aaron Peck, Mario Bellatin, Adania Shibli,
Holly Pester, Marie Darrieussecq e Alejandro Zambra). Vila-Matas, confessadamente neófito em artes plásticas, aceita o inusitado convite e no verão europeu de 2012, na última semana da exposição, experimenta uma espécie de imersão estética no mundo da arte contemporânea de vanguarda. Sua ambição foi a de utilizar essa experiência com artes plásticas para verificar como sua produção literária poderia "localizar e efetuar uma reanimação dos elementos mágicos e humanos" nestes tempos sombrios e estúpidos em que vivemos. Segundo ele "Kassel no invita a la lógica" é um convite otimista aos leitores para que encontrem alegria na vida e na arte. Se é que eu entendi bem (não da proposta, que pode ser encontrada em suas entrevistas publicadas em jornais ou em seu sempre ótimo website), mas do que eu entendi do resultado dessa proposta, seu livro "Kassel no invita a la lógica" é uma tentativa de discutir com o leitor os dias que correm, uma tentativa de definir o que de fato pode ser considerado contemporâneo, importante, válido, relevante (ou antes, como um homo sapiens sapiens nos dias que correm pode viver e refletir plenamente seu tempo, não apenas reproduzindo idéias e chavões de terceiros, verdadeiros escravos mentais que somos quase todos). Terminamos o livro e entendemos que ao menos ele, entusiasmou-se tanto com a Documenta 13, incorporou em si tanto do que viu nas instalações expostas lá, que viu-se novamente como em seus anos iniciais de artista, como escritor; recuperou de alguma forma o que ele considerou sempre sagrado, seu pertencimento ao vanguardismo total (ou seja, se é que entendi bem, ele testou até que ponto sua arte, sua ficção literária, após quarenta anos de prática, de fato poderia ser considerada de vanguarda). O resultado é interessante, mas não arrebatador. Talvez, assim como nas jornadas místicas, experiências deste tipo não possam de fato serem compartilhadas; talvez a única coisa realmente válida seja o convite para que antes de criticarmos indolentemente a arte contemporânea (ou a defendermos bovinamente) cada um de nós devesse utilizá-la como um antídoto contra a estupidez reinante, cada um de nós fizesse uso dela como uma forma de entendermos melhor nossa própria vida, entendermos melhor a geografia, a política, a cultura e a história do lugar onde vivemos. Nas palavras de Chuz Martínez, transcritas no livro: "... a arte não é nem uma questão estética nem uma questão de gosto, mas de conhecimento." Louvo o otimismo de Vila-Matas, mas acho que continuarei algo cético com o poder da arte - e de resto da ciência, da educação e de qualquer outra forma de conhecimento - ,ao menos neste lugar triste e desgraçado que chamamos de Brasil. Talvez seja o caso de incluir aqui uns links: (i) a lista completa dos artistas que participaram da Documenta 13; (ii) um tour fotográfico com as obras lá exibidas; (iii) a lista com os livros/cadernos de leitura produzidos por 100 artistas/escritores durante o evento; (iv) a página eletrônica de Vila-Matas dedicada a esse livro; (v) a página eletrônica da próxima Documenta, que acontecerá no verão europeu de 2017. Já me escalei mentalmente para lá estar em 2017, mas haverá em 2017 um Brasil de onde poderemos sair para visitar uma exposição de arte contemporânea desse porte? Haverá em 2017 um país chamado Brasil? Haverá alguma vida inteligente (e arte) em 2017? Logo veremos.
[início: 30/03/2014 - 05/04/2014]
"Kassel no invita a la lógica", Enrique Vila-Matas, Barcelona: Editorial Seix Barral Biblioteca Breve (Grupo Planeta) 1a. edição (2014), brochura 13,5x23 cm., 300 págs., ISBN: 978-84-322-2113-2
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