Nos últimos 16 e 17 de agosto foi realizada na Casa das Rosas, em São Paulo, a décima primeira edição do Hora H, evento em homenagem à obra e à memória de Haroldo de Campos. Claro, cada minuto ali foi mágico e inspirador. O tema das festividades deste ano foram as relações da obra de Haroldo com Arte e Ciência. Uma das atividades do evento foi "(Meta)Física em 'A máquina do mundo repensada' ", mesa de debates coordenada pelo poeta Nelson Ascher e com a participação dos físicos Roland de Campos e Renato Ghiotto, além de Diana Junkes, uma economista que tornou-se doutora em estudos literários (e que publicou recentemente um livro sobre a obra de Haroldo de Campos: "As razões da máquina antropofágica"). Foi um debate fértil, que contou com boas contribuições de fora da mesa, de Augusto de Campos, de Ivan de Campos e de vários outros participantes. Fiquei intrigado com o fato de ninguém ter mencionado a frutífera amizade entre Haroldo e o físico Mário Schenberg, que eu achava estar visível no poema (comentei isso com o povo da mesa, mas isso foi bem no final dos debates e o assunto não prosperou). De volta às alegrias de minha biblioteca peguei meu exemplar de "A máquina do mundo repensada" e o reli nessa semana. Cousa boa. Trata-se de um poema longo escrito em tercinas decassilábicas, confessadamente inspiradas pelo estilo de Dante Alighieri na "La divina commedia" (séc. XIV). São 457 versos, divididos em três partes. Haroldo dialoga com três textos: além do Dante já citado, também com "Os lusíadas", de Camões (séc. XVI) e com "A máquina do mundo", poema de Carlos Drummond de Andrade incluído no livro "Claro enigma" (1951). O tema principal do poema é a cosmogonia que se torna cosmologia (a imaginação que ganha o status de ciência). Na primeira parte, primeiro como alegoria, utilizando o sistema das esferas de Ptolomeu, como descrito por Dante e evocado por Camões, depois se apropriando da desconfiança mineira de Drummond em relação a revelação da máquina do mundo, Haroldo canta apenas o mundo das idéias possíveis, das visões de mundo construídas sem base empírica. Na segunda parte ele explora o mundo das ciências, descreve alegoricamente os avanços da física, do big-bang à física moderna (ou seja, a física como estabelecida na primeira metade do século XX, da mecânica relativística e da quãntica). Na terceira parte (que é a mais longa, quase com tantos versos como a soma das duas primeiras) Haroldo retoma o que foi discutido nas duas primeiras, mas agora não é mais o poeta erudito falando, mas sim um poeta se imagina num telescópio, nas alturas, encantado com as coisas do cosmos, que rememora suas incursões e discussões sobre o tema cosmológico, que reflete sobre a vida que passa, que olha longe, para a cabala hebraica e caos primordial. Boa leitura, claro. E claro, minha memória não falhou (xô Alzheimer, xô!). Mário Schenberg aparece glorioso num longo excurso pelas estrofes 128 a 141, como eu havia pensado quando falei durante a palestra. Ulalá. No ano que vem tem mais Hora H. Vamos a ver se consigo terminar aquele volume (Haroldo de Campos - Transcriação) em que Marcelo Tápia e Telma Médici Nóbrega resgataram todos os textos do Haroldo publicados em jornais. Há tempo de sobra e vontade também para esses prazeres. Evoé Haroldo, evoé! Evoé Schenberg, evoé!
[início: 18/08/2014 - fim: 20/08/2014]
"A máquina do mundo repensada", Haroldo de Campos, Cotia/São Paulo: Ateliê editorial, 1a. edição (2000), capa-dura 18x27 cm., 104 págs., ISBN: 85-7480-016-3
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