O ano de Graciliano, um escritor gaúcho radicado no Rio de Janeiro e narrador de "O ano em que vivi de literatura", é 2011, mas começa mesmo em novembro de 2010, quando encontra por acaso, num elevador de hotel paulista, uma das juradas de um grande prêmio literário. O sujeito eventualmente ganha o tal prêmio (que ele, antes um bom arrivista que um falso intelectual, transforma num apartamento no Humaitá, bairro de classe média carioca). Graciliano passa seu frenético ano de reinado mundano e literário tentando não pensar no livro novo que deveria escrever, trepando e se embebedando sempre que possível e assombrado com as lembranças de uma irmã de quem não tem notícias há vinte e cinco anos. Paulo Scott utiliza parágrafos longos onde registra muito bem tanto o fluxo de consciência de seu protagonista, seu mundo interior e suas dúvidas, quanto os diálogos exaltados que Graciliano mantém com os bizarros personagens que inventou. Ele descreve com sarcasmo tribos urbanas e literárias, hipsters e acadêmicos, jornalistas e blogueiros, editores e cineastas, todos iguais em suas ilusões, superficialidade, ufanismo, incomunicabilidade e inevitável decadência. O ritmo do livro e o protagonista lembram muito "La dolce vita" (de Fellini) e "Celebrity" (de Woody Allen). Assim como nesses dois filmes assistimos o falso glamour de certos ofícios e vidas (as de jornalista ou de cineasta, respectivamente), "O ano em que vivi de literatura" oferece ao leitor um antídoto à ambição de escrever e tornar-se um ícone literário. O livro termina reproduzindo um encontro casual num elevador de hotel, mas agora Graciliano é apenas cortês, não o escritor sedutor e envolvente que encontramos no início do livro, já parece imunizado do torpor que o cegava, parece ter se apercebido antes que os demais os desdobramentos inevitáveis de uma vida de auto-engano.
[início: 05/11/2015 - 09/11/2015]
"O ano em que vivi de literatura", Paulo Scott, Rio de Janeiro: editora Foz, 1a. edição (2015), brochura 14x23 cm., 253 págs., ISBN: 978-85- 66023-25-1
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