sábado, 16 de junho de 2018

ulisses: um estudo

Hoje se comemora o Bloomsday, evento internacional que celebra a obra do escritor irlandês James Joyce, autor do “Ulysses”, publicado em 1922. O elo comum entre os simpatizantes envolvidos nestas comemorações é o esforço por relembrar os acontecimentos das 18 horas vividas pelos personagens do "Ulysses" no dia 16 de junho de 1904. O Bloomsday é comemorado em dezenas de países, pelo menos desde 1954. O Bloomsday Santa Maria, desde 1994, é o segundo mais antigo evento desta natureza realizado no Brasil. O objetivo principal do Bloomsday é a "promoção e a divulgação de James Joyce em ambiente não acadêmico", através de leituras de sua poesia e prosa, exibição de filmes, debates, exposições artísticas e discussão sobre aspectos culturais e literários do “Ulysses” e das demais obras de Joyce. Qual não foi minha alegria quando um dia conheci Abdon Franklin de Meiroz Grilo e soube que ele mantinha um blog com notas de apoio a leitura do "Ulysses". Anos depois ele transformou esse blog em um livro, um portento, fazendo-me um convite honroso, dando-me o privilégio de escrever uma apresentação a seu belo “Ulisses Um estudo”. Apesar de ficar comovido pela deferência sei que minha missão é simples, pois ao percorrer as páginas deste livro o leitor descobrirá que tem em mãos uma contribuição das mais originais, relevantes e úteis da bibliografia especializada em português sobre o “Ulisses”, de James Joyce. Abdon Grilo nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, em 1935, mas por força de seu ofício (ele é médico e militar), viveu longos períodos em várias cidades brasileiras. Está radicado em Santa Maria há quase trinta anos. Pai de três filhas e avô de seis netos, ele sempre cultivou três paixões: os livros, as relações interpessoais e a História. Essas paixões, aliadas à sua curiosidade natural, fez com que ele sempre estivesse a estudar e acumular conhecimento (além de formado em Medicina, ele cursou também História e Teologia, e foi licenciado em Filosofia). Sua familiaridade com o Ulisses é antiga. Foi por meio de um artigo na “Revista Manchete” que foi despertado para o livro, no início dos anos 1970, quando morava em Santa Catarina. Conseguiu num sebo na Rua da Carioca, durante uma viajem ao Rio de Janeiro, um exemplar da tradução pioneira, a de Antônio Houaiss, publicada em 1966. Esse exemplar foi dado de presente para uma amiga, no início dos anos 1990 para incentivar a leitura de Joyce, com anotações suas em algumas páginas. Essa intenção de criar leitores não foi um episódio isolado, nesta mesma época Abdon presenteou com a tradução de Houaiss um seu fraterno amigo, professor da Universidade Federal de Santa Maria, e com outra tradução, a de Bernardina Pinheiro, a um seu genro. Em 2005, ao saber de uma nova tradução do Ulisses, feita por Bernardina Pinheiro, Abdon tornou a ler o livro. As notas de leitura incluídas nesta tradução o inspiraram a produzir algo parecido. Mas, segundo suas palavras, ele foi adiante do trabalho de Bernardina, passando a fazer um registro pessoal das diferenças entre as duas traduções. Posteriormente, em 2012, repetiu o processo de ler uma nova tradução, a de Caetano Galindo, terceira em português do Brasil, e continuou a fazer e registrar suas comparações entre elas. Ajudado por uma sobrinha, Isabel, conseguiu digitalizar todo o material que havia produzido até então e disponibilizou-o ao público. Lembro-me quando, por sugestão de um amigo nosso em comum, já no final de 2013, experimentei o espanto de conhecer a versão original de seu blog dedicado ao Ulisses (http://ulissesjoyce.wordpress.com). Percebi que se tratava de um trabalho original, minucioso. Abdon comenta sobretudo as traduções dos muitos termos em hebraico, grego e latim, idiomas que conhece bem. Ele compara também as soluções encontradas pelos três tradutores brasileiros do livro de várias citações e jogos de palavras, aponta nelas certos equívocos e contradições, bem como a origem das passagens mais enigmáticas e o acerto ou não das menções à cultura hebraica, principalmente no caso das datas festivas. Foi só alguns meses após este encontro virtual, já próximo ao Bloomsday de 2014, que conseguimos marcar um encontro e nos apresentar formalmente. Aí sim tivemos a chance de conversar sobre a sistematização de seu trabalho, sobre o Ulisses e sobre James Joyce. Fiquei ainda mais impressionado quando ele me disse que desconhecia a existência de trabalhos similares ao dele em língua inglesa. Falei-lhe do Don Gifford, do Weldon Thorton e do Stuart Gilbert, mas ele nunca havia consultado esses autores. Emprestei-os para que ele os consultasse e, entusiasmado, incentivei-o a produzir uma versão em livro. A partir desta época nossos encontros tornaram-se um hábito feliz (e não só de Joyce, Ulisses e literatura falamos). Cada encontro sempre foi uma renovada oportunidade que me foi dada de aprender algo das múltiplas facetas deste senhor sempre elétrico, definitivamente um legítimo “Grilo falante de Goianinha”, como o apelidou, um dia distante em 1946, Monteiro Lobato, então a prolongar seu exílio em Buenos Aires, na dedicatória que fez em um livro presenteado ao um Abdon ainda criança, mas já irrequieto e leitor sistemático. Enfim, após meses revisando cuidadosamente todos os verbetes do blog, episódio a episódio do livro, cotejando as três traduções para o português, polindo seu trabalho, com paciência, zelo e atenção, Abdon chegou a um resultado final, que é o livro que agora o leitor tem nas mãos. “Ulisses Um estudo” saberá defender-se sozinho. Nas muitas oportunidades em que tivemos de conversar sobre seu trabalho, Abdon, modesto, afirma que seu livro não tem a pretensão de interpretar Ulisses, como o professor Caetano Galindo magistralmente o fez ano passado em “Sim, Eu Digo Sim – Uma Visita ao ‘Ulisses’ de JamesJoyce”, publicado pela Companhia das Letras. Ele reitera sempre que apenas cometeu anotações de apoio à leitura, que instrumentalizam o leitor a construir sua própria interpretação. Um insone leitor ideal, aquele imaginado e desejado por Joyce, ou seja, todo verdadeiro leitor joyceano, não poderia esperar mais que esse cuidado. Evoé, Abdon, evoé! Vale! 
Registro #1266 (crônicas e ensaios #226) 
[início: 02/02/2018 - fim: 16/08/2018]
"Ulisses: um estudo", Abdon Franklin de Meiroz Grilo, Santa Maria: Editora Rio das Letras, brochura 21x28 cm., 736 págs., 2018, ISBN: 978-85-65172-47-9

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