quinta-feira, 11 de abril de 2019

testamento mortal

"Testamento mortal" é o vigésimo volume das histórias de Donna Leon com seu comissário Guido Brunetti e sua sereníssima Veneza. Desde meados de 2017 eu seguia os volumes dela cronologicamente, mas um azar com os correios fez-me registrá-lo aqui antes de "Uma questão de fé", que o antecede. Paciência. A história se passa no outono, em ritmo lento, sem correrias. Donna Leon uma vez mais investe na rivalidade entre o Norte e o Sul italianos, entre a hipocrisia dos nortenhos e a onipotência silenciosa da máfia sobre a gente do Sul. Quase no limite da legalidade Brunetti investiga o passado de uma mulher de meia idade, viúva, que é encontrada morta em seu apartamento por uma vizinha. O diagnóstico de legista, o mercurial Rizzardi, dá conta que a mulher sofreu um ataque cardíaco fulminante, mas não deixa de sugerir à Brunetti que o ataque poderia ter sido induzido, com drogas e violência. Da investigação inicial aflora um mundo de mulheres que sofrem violência e surge uma rede de apoio e proteção que talvez não seja tão proba como aparenta, e percebem-se pressões políticas para que o caso seja encerrado sem alarde. Mas esse primeiro rumo da narrativa muda completamente, quando Brunetti passa a se interessar em quem poderia ter morto aquela senhora, e por quais razões, sem ter o devido direito legal de fazer isso (afinal o atestado de óbito é taxativo: a causa mortis é um ataque cardíaco inevitável). Donna Leon volta a tornar a geografia da cidade em protagonista, em fazer seus personagens percorrerem as Calle, Sestiere, Rio Terá, Campos e Ramos, as Fondamenta, Canales e Rios, como em um labirinto infinito, só conhecido por uns poucos, que tomam atalhos eficazes para incluir um almoço familiar na agenda apertada de trabalho, facilitando o entendimento da cronologia do crime que se quer investigar, propiciando a solidão necessária para uma conversa ou confissão. A solução do crime só interessa mesmo a Brunetti, sempre moralmente implacável. Paola, Elettra e Vianello são fundamentais nesta trama, cada um a seu modo. A narrativa brinca com as ferramentas retóricas, com exemplo dos lenitivos mentais que só educação clássica e inteligência propiciam. Bom livro. Vale!
Registro #1375 (romance policial #80) 
[início: 07/02/2019 - fim: 08/02/2019]
"Testamento mortal" (Brunetti #20), Donna Leon, tradução de Vicente Villacampa, Barcelona: Editorial Seix Barral / Booket #2408 (Grupo Planeta Manuscrito), 1a. edição (2012), brochura 12,5x19 cm., 318 págs., ISBN: 978-84-322-0032-5 [edição original: Drawing Conclusions (Zürick: Diogenes Verlag AG / Penguin Randon House Group) 2011]

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