sexta-feira, 5 de abril de 2019

a cor do sabor

Como já disse tempos atrás, dois amigos queridos, a Derany e o Laerte, falaram-me com entusiasmo de alguns livros que haviam lido em função de suas peregrinações gastronômicas e de aprendizado. Curioso, encomendei três deles. Um veio de um sebo mineiro, outro de um sebo paulista e o último de um sebo de João Pessoa. Já escrevi sobre o que veio de Belo Horizonte: "Sushi: sabor milenar", de Sérgio Neville Holzmann. Hoje vou falar do que veio de João Pessoa, do Sebo Cultural. Chama-se “A cor do sabor”, editado pela Melhoramentos e assinado por Jo Takahashi, com belíssimas fotografias de Tatewaki Nio. Trata-se de um volume dedicado a universo culinário do Shin Koike, hoje um industrioso chef de sessenta e poucos anos. Pois aprendemos que após uma vida de aprendizado no Japão ele radicou-se em São Paulo, no início dos anos 1990, onde trabalhou e criou vários restaurantes, sempre muito bem avaliados. Ele manteve também outros dois restaurantes no Rio de Janeiro e chegou a tornar-se “Embaixador da Boa Vontade da Culinária Japonesa” aqui no Brasil. Todavia, essa sua fase brasileira encerrou-se em 2016 e ele decidiu viver em Portugal, em Lisboa (mas eu não estou certo das cousas mais recentes, pois estes últimos sucessos da vida de Koike não estão incluídos no livro de Takahashi, publicado em 2012). Vamos a ver. O texto é robusto, para dizer o mínimo. Não se trata de algo que lemos displicentemente, na diagonal, folheando rapidamente, açodados para apreciar as fotografias, talvez as receitas. Na primeira terça parte do livro, Takahashi oferece uma miríade de ensinamentos, sobre arte, história, cultura, gastronomia e tradições japonesas, com clareza, por lições, em capítulos quase sempre longos. Nesta parte as reflexões do Takahashi são influenciadas pela filosofia gastronômica de Koike, seja em sua busca do Graal do umami, o inefável quinto sabor percebido pelos japoneses, seja por sua concepção afetiva de nobre ofício e arte que é a de preparar alimentos e experiências de toda sorte para os demais. Essa primeira parte termina com um festival de Sushi (Niguirizushi no Moriawase). Claro, trata-se de um festival bidimensional, que o leitor pode apenas apreciar com os olhos, por sorte as fotografias e as explicações sobre os cortes e as composições de peixe cru são suficientemente mágicas para convencer o leitor. A segunda parte do livro é o relato biográfico propriamente dito sobre Shin Koike. Aprendemos sobre sua família e formação, os anos paulistas, sobre o primeiro empreendimento dele, o A1 (quem já leu Joseph Campbell entenderá a eufonia deste nome, seu significado e escolha), sobre as conquistas e atingidas no Aizomê, seu segundo restaurante autoral, finalizando com os preparativos dele, à época, início destes anos 2010, para a abertura de uma adega de saquê. A terceira parte do livro inclui registros de encontros afetivos: a transcrição de uma longa conversa com Hideaki Iijima, um cabeleireiro de origem japonesa que a exemplo de Koike também radicou-se há décadas no Brasil; um bate-papo com Ed Motta, cantor brasileiro e cliente antigo; e a visita ao atelier de cerâmica de uma artista plástica chamada Kimi Nii. A quarta parte do livro conta uma expedição gastronômica a um povoado da Ilha Grande, lugar que já foi usado como campo de prisioneiros várias vezes na história do Brasil, mas que também recebeu imigrantes de Okinawa em algum momento e hoje presta-se a atividades ligadas ao turismo, a ecologia e a gastronomia. Deve ter sido um passeio mágico. A última parte do livro é um conjunto compacto de receitas, não muitas, coisa de duas dezenas, todas elas muito bonitas de se ver, das entradas às sobremesas. Não cheguei a tentar seguir nenhuma delas, vagabundo que ando com a cozinha, que por acaso acabamos de reformar, Helga, Natália e eu, mas que ainda não inauguramos devidamente, ai de nós, sempre casmurros. Bueno. Já registrei aqui a excelente qualidade das fotografias assinadas por Tatekami Nio, outro japonês radicado na Paulicéia desvairada. Falta falar do autor, Jo Takahashi, esse djinn multi-industrioso, inventor do Jojoscope, que soube criar um livro notável, que plasma experiências de vida e as equilibra em algo que parece ser só sobre gastronomia, mas obviamente não é. Kampai, don Takahashi, kampai. Vale!
Registro #1370 (gastronomia #36)
[início 20/10/2018 - fim: 22/03/2019]
"A cor do sabor: A culinária afetiva de Shin Koike", Jo Takahashi, fotografias de Takewaki Nio, São Paulo: Editora Melhoramentos (série "A arte culinária especial"), 1a. edição (2012), capa-dura 21x28 cm., 272 págs., ISBN: 978-85-06-01146-1

Nenhum comentário: